Kyle olhava para o mar e refletia sobre sua vida. Tanta coisa havia acontecido que era difícil entender. Talvez aquele fosse o primeiro momento que Kyle teve para refletir sozinho e com certo afastamento desde que fora resgatado das minas. E então quando todo seu passado começou a preencher-lhe os pensamentos ficou bastante confuso.

E agora? O que aconteceria? Parecia loucura, buscar um oráculo sabia-se lá onde! Não tinham muitas pistas, sabiam apenas que o encontrariam nos chamados Reinos Bárbaros. Dava medo saber que ficariam longe do lar por tanto tempo. E enquanto isso, seus lares eram ameaçados pelo perverso governo dos necromantes e suas intenções desconhecidas. Pensava naqueles que haviam ficado e lutariam por Lacoresh. O Misterioso Nasbit, o silfo Modevarsh, Vekkardi, e o cavaleiro Felear. Tinha memórias vivas de sua luta com Felear. E depois aquela estranha sensação, os arrepios e o calor que sentiu por dentro. Impulsos estranhos que fizeram que pudesse derrotar com as mãos limpas o terrível Cavaleiro Negro. O Cavaleiro Negro, na verdade, era o cavaleiro Roy pervertido pelas forças malignas dos necromantes. Havia perdido sua face, tornando-se forte como um gigante e aparentemente era invencível. Lembrava-se de seu rosto disforme, a face de um esqueleto animado com olhos sem pálpebras. O estranho muco amarelado que lhe escapava pelos orifícios. Aquilo sim era uma coisa nojenta. E ainda assim, de forma distante, podia reconhecer a voz do homem que havia sido.

O que teria acontecido? Como conceber a vitória sobre o Cavaleiro Negro? Pensava e pensava, mas não conseguia uma explicação para o ocorrido.

Assustou-se repentinamente quando uma mão tocou-lhe o ombro. Seus músculos se contraíram, mas em seguida, ao ver o tamanho da mão que pousava sobre seu ombro esquerdo relaxou.

A voz muito grave de Gorum soou, – garoto, você precisa descansar.

Kyle virou-se para encarar Gorum. Sentia um grande cansaço e concordou com um gesto. Olhava para cima para poder encarar seu tutor e observava as linhas que haviam surgido em seu rosto. Com as rugas vieram também as mechas brancas em seus cabelos negros, longos, anelados e em sua barba generosa. Ele estava envelhecendo. Começava aos poucos a deixar de ser o homem vigoroso que sempre fora. Ainda assim, Gorum ainda seria um oponente poderoso a qualquer um que ficasse em seu caminho. Em sua juventude foi conhecido como o mais feroz dos Cavaleiros de sua ordem e mais tarde como um dos mais experientes.

– Vamos lá, não fique com essa cara! Está parecendo um peixe morto! Ao menos fique animado para dormir um pouco! – disse o gigante sorrindo.

Como era usual, o humor de Kyle melhorou um pouco. Foi descansar junto com os outros.

Gorum, tendo dormido pouco menos da metade da noite sentia-se alerta e não voltaria a dormir. Logo se entrosava com os marinheiros do navio. Sentindo a necessidade de ocupar seu corpo de esvaziar seus pensamentos e começou a ajudar nas tarefas cotidianas do navio. Ainda sentia dores nas costelas, mas isso não o impediria de trabalhar. Antes do meio dia e um pouco depois de dezenas e dezenas de piadas, muitos marinheiros já começavam a considerar Gorum como um dos seus. A receptividade dos marinheiros fez bem ao humor de Gorum e logo começou a sentir-se bem entre eles. Da tripulação de vinte e poucos homens, Gorum ficou mais próximo de três: Celix, Kleon e Georges.

Celix era um sujeito risonho, baixo e magro, mas apesar disso possuía os músculos mais delineados que Gorum já havia visto. De pele morena e cabelos castanhos curtos, vestia-se com um colete negro e calças de um amarelo vibrante. Um tipo de vestimenta exótica para os olhos do velho Cavaleiro. Kleon era um rapaz jovem e de constituição física comum. Seus cabelos vermelhos de brilho intenso era seu traço mais marcante. Não era como os outros, natural de Dacs, era um Chilli, fosse lá o que fosse isso. Era também o timoneiro do navio e usava uma roupa de couro trançado. Georges era quase tão grande quanto Gorum e era um pouco mais gordo, ao contrário do que sua aparência indicaria era o mais esperto e ocupava a posição de segundo oficial depois do Imediato, Erles, um homem mais velho que não era de muita conversa, mas fora um homem do mar durante toda sua vida. O imediato era baixo e tinha o rosto cheio de irregularidades com barba e cabelos ralos e grisalhos. Costumava usar uma toca azul marinho para proteger a careca do frio.

Maré VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora