Ainda estou meio zonza, mas a dor diminuiu. Nós entramos desesperadamente no corredor que fica meu apartamento. Todos falam coisas e eu não consigo ouvir uma palavra de ninguém. Vejo minha irmã na frente da porta do meu apartamento.
Minha irmã. Sinto um grande aperto no meu coração. Eu esqueci dela. Esqueci a pessoa que eu sempre ficava preocupada vinte e quatro horas por dia. Como posso esquecer minha própria irmã? Eu sou uma idiota mesmo. São tantos problemas que eu consigo até esquecer da minha própria irmã? Será que ela ainda está brava com o que aconteceu? Por ter lhe dado aquele tapa dias atrás... Ela não foi me visitar na enfermaria. Mas ela me perdoou. Ela tinha me perdoado. Por que ela não foi me visitar na enfermaria? Talvez ela tenha me visitado quando eu estava dormindo e não sabia que já tinham me liberado... Ela provavelmente nem devia saber que eu ia para o hospital em busca do remédio para Demi. Eu esqueci de avisá-la. Será que ficou brava com isso? Se ficou ou não, eu só sei que agora ela está preocupada.
Bia se assusta ao me ver apoiada em Harry e todos desesperados para ajudar Justin. Ela abre a porta do meu apartamento rapidamente e nós entramos. Solto-me de Harry e me apoio um pouco na parede.
— Eu vou ficar bem — digo. — Ajude Justin.
Ele sabe que eu me curo. Mas parece ter esquecido. Abre a boca para falar algo, mas logo a fecha e balança a cabeça afirmativamente. Então, corre para ajudar Justin. Ele provavelmente ia me perguntar se tinha certeza.
Devia ter pensado melhor antes de contar para ele sobre o meu segredo. Não devia ter contado para ninguém. Não devia ter contado sobre a LPB. Como você é burra, Claire. Você confia em qualquer um. Burra. Burra.
— Precisamos de gelo! — diz Ariana.
Vejo Niall se apressar para descer correndo até o refeitório para pegar gelo. Eles estão todos na cozinha, menos Bia, que me observa boquiaberta. Ela não sabe o que fazer.
Eu avanço até a cozinha e Bia me segue. Justin está se apoiando no balcão. Todos estão fazendo alguma coisa. Ariana parece completamente desesperada. O corpo de Justin está cheio de hematomas e roxos. Tem apenas um corte pequeno um pouco abaixo do braço. Harry joga um pouco de água no corte, o que faz Justin gritar de dor. A água escorre por seu corpo e molha um pouco sua calça. A ferida está sangrando um pouco e a água agora é vermelha.
Harry joga um pouco mais de água em seu machucado.
Vou até meu quarto. Abro uma das gavetas e retiro uma das coisas que eu guardo comigo para o caso de acidentes como esse. Gaze. Volto correndo e entrego a gaze para Ariana, que está vendo o corte. Ela coloca a gaze por cima do seu ferimento. Ela gruda, mas a cola da gaze é pouca e é fraca, então peço para Bia pegar esparadrapo no banheiro. Ela volta em segundos e eu ajudo Ariana a colar em volta da gaze.
Volto para o meu quarto. Lembro-me que Demi tem alguma coisa para roxos. Ela usava algo quando se machucava nas suas missões de Sinistra. Acho que era algo verde. Ela deixa no criado-mudo dela. Eu vou até ele e abro a primeira gaveta. Vejo um spray verde. É isso. Ela sempre usa isso.
Pego o spray e corro de volta para a cozinha. Jogo o spray para Harry, que começa a despejá-lo imediatamente em Justin. Ele solta alguns gritos de dor. Isso deve estar doendo muito. São vários hematomas em todas as partes do seu corpo.
— O que aconteceu? — pergunta Bia.
Fico surpresa por ela não ter perguntado isso até agora. Se fosse eu já tinha peguntado faz tempo.
— Maléficos — digo. — Eles endoidaram. Puniram Justin. Nunca tinha os visto punir ninguém.
Niall chega no meu apartamento com uma bacia grande com um saco de gelo e um vinagre na mão. Ele corre para a cozinha e coloca tudo no balcão.
— O que é isso? — pergunto.
Ele coloca o saco de gelo no balcão e Ariana e Harry se apressão para pegar sacos menores para colocar o gelo. Niall enche a bacia que trouxe com água. É uma surpresa ter água. Talvez seja por que eu ainda não tomei banho. E me parece que vou ficar sem tomar por causa dessa bacia.
— Um truque que eu aprendi na aula de ciências.
Ele despeja o vinagre no pote junto com a água. Eu era da sala dele e não me lembro de ter estudado isso. Talvez eu não tenha prestado atenção ou faltado.
— Misture vinagre com água e esfregue na área do hematoma — ele diz, pegando o pote com água e vinagre. — Vinagre aumenta o fluxo de sangue e isso faz com que o hematoma se cure mais rápido.
Acho que deveria ter prestado mais atenção às aulas. Agora já é tarde e eu nem terminei o colegial.
— Não vai se importar se eu sujar seu chão um pouco, não é? — diz Niall.
Eu não consigo nem responder. Ele levanta a bacia e joga metade da água com vinagre nas costas de Justin. Ele urra de dor. Ariana esfrega, como ele pediu. Então, Niall vira Justin e joga o resto da água no corpo dele. Ele solta mais alguns gritos de dor. A água escorre pelo seu corpo e pinga no meu chão. Vou demorar um século para limpar isso tudo. Espero que Niall tenha razão sobre esse treco de vinagre.
— O que você estava fazendo de noite andando no condomínio? — pergunta Ariana, esfregando o vinagre pelas costas dele. Justin esfrega na parte da frente do seu corpo. Ele está com uma careta de dor.
— Clarissa — ele diz e eu volto toda a atenção no que ele tem para dizer. — Eu estava indo para o meu apartamento e vi ela descendo as escadas, tinha acabado de sair do seu apartamento... — ele geme de dor com a boca e uma careta quando esfrega um pouco mais forte uma área. — Já estava quase na hora do toque de recolher. Eu achei estranho ela sair de seu prédio aquela hora. Eu não a segui, eu fui até seu apartamento e bati na porta. Esperei que a colega de quarto dela fosse atender, mas não tinha ninguém e a porta estava aberta... — ele olha para mim e coloca a mão no bolso. — Isso é pra você.
Então ele tira um papel — que agora está um pouco molhado — do seu bolso. Ele sorri eu não consigo deixar de sorrir também. Ele me entrega o papel.
— É um bilhete, dando instruções — diz Justin. — Depois que eu saí do apartamento dela, eu fui atrás dela pra perguntar o que aquilo significava, mas eu não a encontrava em lugar nenhum. Pensei que ela tinha voltado para o apartamento e então eu fui ver se ela estava lá mesmo. Bati na porta e as duas garotas me atenderam. Não pareciam ter acabado de acordar, o que eu achei estranho, por que era umas duas horas da manhã. Eu acho, pelo menos. Eu ia perguntar o que era o papel, mas Brenda saiu correndo para me dedurar para os Maléficos. Eles primeiro me prenderam no poste e ficaram conversando. Estavam decidindo o que iam fazer comigo. Eles queriam me torturar de alguma forma e decidiram me deixar horas lá amarrado. E quando já estava amanhecendo, os dois Maléficos chegaram e começaram a me bater com aqueles bastões. Acho que eles querem que todos comecem a obedecer corretamente as regras, então esperaram as pessoas descerem para me baterem. Para mostrar que as punições são reais.
Eu fico o encarando por alguns segundos. Sua lógica faz bastante sentido. Talvez o condomínio queira mostrar que suas regras não foram feitas para serem quebradas. Talvez ele queira mostrar que as punições que os Maléficos vivem falando são reais. Mas pegaram muito pesado com Justin. Ele não deveria ter ido atrás de Clarissa. Era óbvio que ela o denunciaria. E não adiantaria nada perguntar a ela sobre o papel. Ela iria mentir. Foi burrice o que Justin fez. Mas ao mesmo tempo ele foi esperto ao pegar o papel.
— Ela sabe que estamos com o papel? — pergunto.
Mesmo não colocando seu nome no meio, eles sabem que estou me referindo a Clarissa.
— Não, estava no meu bolso. Elas não me deixaram falar nada, só me perguntaram o que eu estava fazendo ali na hora de dormir.
Ótimo.
— Vamos manter segredo que estamos com esse papel, ok? — digo. Todos concordam com a cabeça.
— O que está escrito no bilhete? — pergunta Niall.
Eu quase me esqueci disso. Pego o bilhete. Bia deve estar bem confusa. Eu não expliquei nada à ela. Eu posso confiar nela para contar. Mas eu não queria, pois eu sei que ela vai querer se intrometer. Eu não quero que ela entre no meio disso.
Presto atenção no papel.
LPB
Laboratório de Pesquisas Biológicas
ATENÇÃO: esse bilhete foi escrito apenas para as pessoas que trabalham disfarçadamente como moradores sobreviventes. A quantia de bilhetes está certa para cada pessoa, então não as perca. Leve isso até elas imediatamente.
Instruções Novas:
Um frasco com o Vírus 23 se encontra no hospital Parkinson. Até hoje o frasco com o Vírus-23 não foi retirado de lá e sobreviventes chegaram para encontrar um remédio para um deles que está ferido. Arranje um jeito de ir até aquele hospital para retirar o vírus de lá, antes que alguém o encontre. O frasco se encontra no primeiro andar em um dos armários da sala 4. Ninguém pode pegar esse frasco, é perigoso para nosso segredo.
No dia 18, lembre-se de ficar longe da rua Indian. No armazém de lá, um dos nossos ex-trabalhadores está lá e você sabe o que acontecerá. Ele sabe de muita coisa e se algum dos sobreviventes do teste irem para o local, o plano acaba. Mantenha o seu grupo de Sinistros longe da rua.
Não se esqueçam, estamos vigiando vocês. Todos vocês.
O bilhete termina aí. Eu releio tudo, dessa vez em voz alta. Olho para eles, esperando alguma reação. Eles me encaram. Eu não sei o que dizer. Nós precisamos encontrar esse cara. Precisamos ir nesse armazém antes do dia dezoito.
— Que dia é hoje? — pergunto.
É bem difícil alguém saber o dia no condomínio. Me lembro de uma história que me contaram. Que o condomínio tentava contar os dias nas próprias mãos, pois não tinham calendário ou o calendário estava errado. Então, eles deixaram um calendário em cada apartamento, com os dias certos. Deu certo por algum tempo, mas várias pessoas começavam a esquecer de riscar algum dia e deixar o calendário de lado. Eu fui uma dessas pessoas. Mas Bia não.
— Dia 18 — diz ela. — O que significa tudo isso?
Meu coração aperta. Temos que ir até esse armazém. Hoje. Além disso, amanhã é aniversário de Niall. Eu e Demi sabíamos que estava perto, pois nós sempre sabemos em que mês estamos e quando é o mês do meu aniversário, eu peço para que Bia me diga o dia para eu contar quantos dias faltam para o meu aniversário. Normalmente eu faço isso com o mês de Demi e o de Niall também. Mas esse ano está tão horrível que eu acabei esquecendo.
— Depois eu explico — digo. — Só sei que nós precisamos ir para esse armazém hoje. Eu preciso.
— Você não vai sozinha — diz Harry.
Ariana quase fala algo, mas acaba desistindo de falar.
— Eu preciso ir — digo. — Não quero que ninguém mais morra.
E também não posso confiar totalmente em ninguém. Se alguém for comigo, pode me atrapalhar.
— Eu vou com você — diz ele. — Não precisa ir mais ninguém.
Eu o encaro. Será que eu posso confiar nele? Ele pode me atrapalhar. Ele pode me matar. Eu não consigo. Aquele sonho mexeu comigo. Não consigo olhar para ele sem lembrar do sonho que tive. Tenho medo de que ele esteja apenas me enganando. Será que eu posso lutar contra ele, se for preciso? Não. Eu não conseguiria.
Quero que ele fique. Preciso ir sozinha. Mas e se eu não conseguir sem ajuda?
Suspiro. Eu não sei mais o que dizer. Eu não sei mais o que fazer. Eu não sei mais em quem confiar. Quem é meu inimigo de verdade?
— Ok — digo. — Você pode ir comigo.
Por que fiz isso? Era para eu ter dito não! Estou com a sensação de que fiz a escolha errada. Eu estou confusa. Uma parte minha quer que ele vá. A outra não.
Ignoro esses pensamentos.
— Precisamos nos trocar — digo, finalmente. — Logo vamos sair com os Sinistros. Vamos, rápido!