Cordilheira do Vazio, Vale Demoníaco
Uma enorme cadeia de montanhas se agrupava próximo ao litoral ao leste do Continente Sul. O frescor marítimo, no entanto, há muito desapareceu dando lugar a uma densa energia ressentida e o mar uma vez cristalino manchou-se por sangue e ossos.
Seja pela sua aparência tenebrosa ou pela sensação estranha que exalava, ninguém ousava se aproximar daquele lugar. As montanhas eram absurdamente altas, ultrapassam as nuvens e na maior parte do ano a chuva era incessante, salvo quando se aproximava do Festival Fantasma. Um mês antes e um mês após, o sol brilhava com tanta intensidade que poderia assar uma pessoa comum facilmente apenas por estar viva.
Foi devido a essas características que o atual líder do Vale Fantasma, escolheu tal lugar como território. Mas, tal homem robusto e poderoso descobriu que esse clima incomum era devido a uma formação mágica bastante poderosa, oriunda dos tempos antigos. O homem achou isso melhor que o esperado, pois acreditava que provavelmente deveria ter algo a ser protegido dentro daquela formação.
E ele estava certo. Uma cidade abandonada estava sendo protegida no centro daquela cadeia de montanhas e junto a uma passagem para o Terceiro Reino.
O destino parecia lhes levar a glória quando ele se instalou no Vale Fantasma. As grandes seitas foram destruídas e o culto demoníaco tendo sua glória. Foram anos gloriosos, repletos de felicidades.
Mas, tudo mudou quando aquelas seitas patéticas dos ortodoxos iniciaram outra guerra com seu Pavilhão de Sangue. O Líder do Pavilhão de Sangue se viu num impasse doloroso.
Devido a influência dos cultivadores ortodoxos infiltrados, seus subordinados estavam se virando uns contra os outros. E ele, como líder não poderia fazer nada, pois nunca encontrava o início do problema.
Ele achou que seus companheiros estavam somente enlouquecendo devido a energia ressentida, embora nunca fossem sãos. Seu culto demoníaco estava fadado à falência e aquela pequenina era de ouro desapareceu.
Felizmente, ele não era alguém cujos nervos eram voláteis. Uma de suas únicas virtudes era a paciência. Esperou por muito tempo até que o lunático de nome Qi Seyoung fosse morto, depois disso ainda teve aquele discípulo patético dele, cujo nome tornou-se um tabu pelos céus e depois disso... ainda teve outro desgraçado tentando atrapalhar seus planos.
No entanto, há um tempo em que a paciência se desgasta e o impulso de querer mais sobressai a paciência. Era o momento de movimentar o Jianghu e pregar peças naqueles hipócritas ortodoxos.
Instigar aquele fantasma da montanha, foi a decisão certa, no entanto. Ainda que ele tenha sido derrotado por Shen Zongshi, isso ocasionou um agravamento da lesão que ele próprio tinha feito.
Tal ação propôs uma nova ideia às grandes seitas. Os cultivadores do diabo estavam se fortalecendo.
E a maior recompensa foi conseguir ter em mãos Hei Xing e Chen Xing.
Ele olhou para as espadas sobre a mesa e sorriu vitorioso. Elas beiravam o reino acima da transcendência e carregava um qi demoníaco absurdo.
— Mestre, o espião retornou. — Um homem se ajoelhou em apenas um joelho com a cabeça abaixada. Seu tom demonstrava medo, não respeito.
Atrás do biombo, o líder do vale fantasma deu uma baforada no cachimbo preenchido pelo ópio e o largou sobre a mesa de chá redonda. Ele se levantou e desamassou o tecido da roupa e caminhou para frente do biombo.
Suas vestes eram escarlates, assim como o mais puro pecado e no rosto uma máscara branca com um único sorriso agudo estava desenhada, ela escondia a figura do Líder. Seu cabelo escuro estava preso em um coque alto e alguns enfeites em vermelho decoravam e o prendiam frouxamente, o que ocasionava algumas mechas desligarem para fora do penteado. As mãos estavam à frente do corpo, escondidas pelas mangas compridas.
— Entre. — A ordem soou clara e o servo que estava ajoelhado em sua frente saiu o mais rápido que conseguiu.
Ele não era o único que odiava olhar para aquela máscara sorridente e tinha medo daquele que a usava.
Ao mesmo tempo, um vulto pulou pela janela caindo direto na cama. A pessoa na cama deu um suspiro profundo e olhou para aquele sorriso perturbador no corpo da máscara.
— Não sei como o Líder ainda gosta dessas máscaras. — Ele criticou.
O homem de vermelho sorriu.
— Elas são adoráveis.
O homem sentado à beira da cama o encarou por alguns segundos e desistiu. Não há como entender essa pessoa.
— Algum progresso?
— Shen Zongshi não será capaz de se recuperar tão cedo. Levará, no mínimo quatro a cinco anos. Parece ser um bom momento para fazermos nossa jogada, mas seria melhor esperar. — Aconselhou. — Há uma desconfiança geral nas seitas ortodoxas e muitos dos nossos espiões foram encontrados aqui dentro também.
— Não tenho certeza, precisamos fazer alguma bagunça afim de nos preparar para o futuro. — Discordou.
— A grandeza requer planejamento, foi o líder quem ensinou isso.
O homem de vermelho sentou-se ao lado do outro homem na cama. O espião se afastou ligeiramente, o que fez seu superior dar uma risadinha. Ele se sentia desconfortável com a aproximação de seu líder.
— Obrigado por me lembrar. Mas Dewei, ainda tem medo de mim? — Ele pareceu ofendido.
— Concordei em ajudá-lo, não em ser seu brinquedo. — Chen Dewei tirou a máscara que cobria seu rosto.
Sua aparência estava mais madura, mas o charme que ele exalava era ainda maior. Os cabelos dourados eram tão deslumbrantes quanto ainda era somente um jovem no culto, entretanto, seus olhos claros perderam aquele brilho feliz e descontraído para ficarem frios e sérios, intocáveis pelas emoções.
Até seu comportamento leve e gentil desapareceu dando lugar a tensão de estar sendo vigiado o tempo todo. Mas o que mais mudou esteticamente foi a cicatriz em seu olho esquerdo que vinha de sua testa, atravessava o olho e parava bem no meio de sua bochecha. Uma cicatriz que mudou a cor de seu olho e também sua vida, agora ele tinha íris bicolores, uma azul e uma verde e também estava sozinho.
O Líder do Vale Fantasma, sempre ficava deslumbrado quando estava próximo de Dewei.
— É por isso que me interesso por você, Dewei. — O sorriso aumentou ainda mais debaixo da máscara. — Um dia vou subjugá-lo e tê-lo em meus braços.
— Pense em mim como uma mulher, já que não consegue fodê-las. — Zombou.
Na visão distorcida do Líder, Chen Dewei era como um coelho fofo cuspindo palavras rudes, não conseguia vê-lo como uma ameaça. Se fosse outras pessoas, esse líder já teria drenado seu sangue para usá-lo em sua piscina e sua carne seria doada para os alquimistas e refinados em pílulas de qi.
Felizmente, mal sabia ele que, no futuro, essa seria a causa de sua morte. Cegado pela beleza, ele abraçou os braços da morte. Claro, isso é um assunto para mais tarde.
— Não há como! Toda vez que eu o vejo, sinto-me excitado. — Ele sutilmente colocou sua mão sobre a de Dewei.
—Não encoste. — Um vislumbre de pânico passou pelos seus olhos, não despercebido por aquele homem.
— Certo, certo... Não vou perturbá-lo! — Ele recolheu a mão e a deixou sobre os joelhos. — Continue com seu relatório, ao menos assim você fala normalmente comigo.
Dewei se levantou e circulou até a janela, sentando-se em seu parapeito.
—Existem algumas situações estranhas...
Cerca de dois tempos de incenso depois, trovões fortes podiam ser ouvidos acima da residência do Líder do Vale Fantasma e mais um tempo depois, vários cultivadores saíram daquela cordilheira sombria.
Da janela de seus aposentos, Chen Dewei tinha um sorriso feliz em seu rosto. Esse velho não era tão inteligente quanto a pessoa do outro lado. Um sapo aleijado poderia almejar aos céus, mas nunca conseguiria alcançá-lo.
Ele fechou a janela e se deitou silenciosamente para um longo descanso.
Ao contrário de Dewei, o Líder do Vale Demoníaco permanecia num estado ansioso, portanto, chamou todas as beldades de seu harém para se divertir.
No salão principal, um cheiro pungente da desonestidade dos corpos os cercava e gemidos estranhos e inflamados saíam das bocas de mulheres e homens. No trono, o homem estava relaxado. Todos os adereços do seu corpo haviam sido retirados, restando somente um robe branco transparente com um único propósito de turvar seus contornos.
Seus cabelos estavam espalhados e bagunçados, enquanto uma mulher descia e subia em seu colo. Querendo ou não, sua voz se sobressaiu sobre todas as outras dentro do salão. Ela mal se sentia firme em suas pernas, mas não podia tocar o homem à sua frente, pois a última que o fez, sua cabeça fora arrancada.
O líder do Vale Demoníaco não estava animado ou satisfeito, olhando aqueles corpos se mexendo e dominados pela mais lascívia luxúria estava o deixando entediado. A mulher em sua frente também não lhe dava prazer e sua voz irritava-o até a morte. Ele olhou em volta do salão em busca de algo mais divertido e vez ou outra os servos traziam alguém de qualidade do lado de fora, mas eram apenas mortais que não suportavam nem uma rodada.
Recolher as essências dessas pessoas não era suficiente, nem havia prazer nesse ato com meras vadias comuns.
Ele estava prestes a desistir, quando encontrou um garotinho encolhido num canto. Dois homens o cercavam, segurando-o pelos braços, estava com os olhos fechados. Parecia com muito medo, mas todo o seu corpo estava ruborizado, contrastando com seus lindos cabelos louros.
Devido ao seu alto nível de cultivo, ele poderia ver cada detalhe do corpo do garoto. A cicatriz abaixo de seu peitoral, as sardas espalhadas pelo rosto, os belos tons rosados espalhados pelo corpo e suas partes íntimas pareciam ótimas e o melhor, o garoto era virgem. Em algum ponto, esse garoto se parecia muito com Dewei.
Sua expressão monótona transformou-se num tom de malícia.
— Saia! — Ele ordenou para a mulher quase delirando sobre si, ela o olhou com tal expressão confusa que deixou o Líder impaciente e num balanço de mãos, ela rolou a escadaria que levava até o trono. A mulher deu um grito de dor, parecia ter quebrado algo em seu corpo. — Parem! — O Líder havia usado seu poder espiritual, então apenas foi um sussurro deixando seus lábios.
Ele ignorou a mulher gritando no chão e foi até o outro lado do salão, para buscar seu mais novo brinquedo.
— Dispersem. — Aqueles que cercavam o garoto deram um pulo para trás.
— Meu senhor. — Ambos disseram em uníssono, cumprimentando-o.
— Qual o seu nome, garoto? — Sua voz dominante, fez o garoto estremecer de medo. Isso agradou muito ao Líder.
Ele não ousou olhar para seu líder. Ajoelhou-se e apenas sussurrou baixinho: — Tang Xiaowen, meu senhor.
— É um bom nome...— Ele sorriu. — Levante seu rosto e olhe para seu líder.
A ordem fez todos pararem de respirar. Não havia alguém que gostava de olhar para aquela máscara sorridente, mas aquele garoto tirou coragem de algum lugar e levantou seu olhar diretamente para os olhos daquele homem.
Os olhos esverdeados aumentaram a ânsia daquele homem. Seu pomo de adão subiu e desceu.
— Qual sua idade Xiaowen?
— Tenho quinze anos, meu senhor. — Tang Xiaowen tremia como bambu novo, mas sua voz era firme, soletrando cada parte sem vacilar.
Tal atitude interessou o Líder do Vale Fantasma.
—Todos, saiam!
Aquela multidão seminua correu como se estivesse correndo por suas vidas. Restou visivelmente no salão, alguns guardas, o Líder do Vale Fantasma e Tang Xiaowen.
— Convoque a Hualing, diga que seu líder tem pressa.
Sem mais delongas, eles foram buscar a mulher que era considerada a mais poderosa dentro do culto. Ela era a esposa principal do Líder do Vale Fantasma. Sua aparência e atitudes eram como de uma raposa celestial, mas seu coração era tão negro quanto o vazio e era uma mulher sem escrúpulos e moral.
—Levante-se. — Ele ordenou.
Tang Xiaowen usava apenas alguns tecidos no corpo, o tule esverdeado não cobria nenhuma parte de seu corpo e deixava mais sensual aos olhos. O Líder do Vale Fantasma andou em volta de Xiaowen avaliando-o por completo.
Ele tocou sua pele e sentiu a maciez da juventude, seus dedos deslizaram pela coluna do garoto e parou em sua nuca, quando seu pescoço foi agarrado. As mãos do Líder rodearam quase toda a espessura do pescoço e ele usou sua outra mão para acariciar seu pomo de adão e subiu para o queixo, subindo-o ainda mais.
"Muito delicado, poderia quebrá-lo apenas com um aperto", ele pensou. As costas do garoto estremeceram, quando sentiu algo estranho cutucá-lo por trás.
O líder largou seu queixo e abaixou as mãos até o peitoral de Xiaowen, mas ele não continuou.
A atmosfera parecia ambígua, Xiaowen também parecia embriagado ao estar próximo de seu líder. Seu corpo parecia exalar algo que deixava outros sem barreiras perto dele.
— Não vou tocá-lo. — O mais velho se afastou, mas antes ele apertou as nádegas daquele garoto. Foi extremamente satisfatório. — Não vou tocá-lo antes de seus dezoito, não quero algo descartável.
Tang Xiaowen entendia o significado daquelas palavras, mas ao contrário do que esperava, não estava tão nervoso quanto deveria estar. Talvez estivesse resignado com o que os céus lhe haviam traçado como destino. Xiaowen já esperava o inferno que lhe aguardava desde que sua mãe o vendeu há alguns anos para o vale fantasma.
Naquela época ele ainda era uma criança e não utilidade, assim ele foi criado pelas servas do Palácio de Ossos para servir o Líder futuramente, mas não esperava que aquele homem volátil criasse interesse por ele em sua primeira vez na sessão pública.
Xiaowen era apenas um ninguém e as beldades dentro do harém eram ainda melhores que ele, mas ele foi pego por aqueles dois homens inesperadamente e isso lhe causou a situação atual.
— Então até lá... — o Líder o prendeu contra a parede, olhando-o por completo. — Prepare-se da melhor maneira.
O líder do vale fantasma sorriu e levantou a máscara na altura da boca e se aproximou do garoto, mostrando o verdadeiro sorriso distorcido debaixo daquela máscara.
— É uma honra, meu senhor. — Ele respondeu de forma submissa.
Assim que as palavras escaparam de seus lábios, o Líder levou suas mãos até ali e esfregou aquela carne macia com os dedos. Foi essa postura ambígua que Hualing encontrou ao entrar no salão.
Ela usava um robe cor creme e adereços de flores delicadas em seus cabelos castanhos ondulados em leves cascatas. Ela não parecia ser deste mundo e ninguém poderia dizer que ela fazia parte daquele ambiente caótico. Uma verdadeira beleza enganadora.
—Meu lorde. — Ela fez uma meia reverência ao seu marido.
— Hualing, prepare essa criança para me servir apropriadamente ao meu lado. — Ele tirou o olhar daquela mulher e voltou seus olhos para Xiaowen, que estava ruborizado. O líder entendeu o que se passava naquela cabecinha e se aproximou para sussurrar em seu ouvido: —Eu entendo que ela é encantadora, mas Hualing é apenas minha, assim como você. Não desvie seu olhar de mim, Xiaowen.
—Sim, meu lorde. — Ela respondeu com um sorriso amigável, mas seu coração estava azedo.
— Hualing.
— Sim, meu lorde. — A mulher tinha sua postura ainda mais servil.
— Se ousar tocá-lo ou machucá-lo, farei você ou qualquer outra pessoa desejar estar morto. — O Líder comentou tais palavras com tanta gentileza que não parecia uma ameaça.
Naquele dia, todos descobriram o novo interesse de seu líder. Muitas diziam que ele não favorecia tanto Hualing quanto pensavam, mas todos pensavam que aquele garoto era apenas um interesse passageiro de seu líder, mas ninguém ousava tocar ou sequer olhar para Xiaowen.
Ninguém imaginava, que anos depois, aquela criança ainda continuasse com o Líder do Vale Fantasma, como sua concubina principal.
Mas, naquele ponto, ainda naquele presente, Tang Xiaowen, em sua primeira oportunidade, escapou pela primeira vez daquele lugar.