Segredos dele, Mentiras dela

2.

FIQUEI EM FRENTE AO ESPELHO fixado no banheiro. Ele estava todo embaçado por causa do vapor da ducha, e eu passei a mão em sua superfície para poder ver meu reflexo nitidamente. Acho que mudei muito desde meus doze anos. Lembra que eu disse sobre os lenços de papel? Então, depois de alguns meses de paciência, não precisei mais deles (além disso, descobri o sutiã com enchimento). Com a ajuda da puberdade e minhas dietas (estrambóticas, como Mikhel enche a boca pra falar), agora tenho um corpinho esguio e proporcional, o qual gosto muito.

Elevei a mão em meus cabelos castanhos, levemente ondulados e cortados em um elegante chanel, e levantei uma mecha da franja. No alto da testa, passei o dedo por sobre a linha grotesca de cor diferente. Só essa cicatriz não mudou nada. Eu não conseguia acreditar que o cara quem a causou era justamente o que vinha morar na minha casa!

— Mas por quê isso?! — Levantei-me do meu assento exasperada, fazendo os talheres tintilarem. — Vocês só podem estar brincando! Ninguém aqui se lembra do que ele fez pra mim?!

Mamãe cruzou as mãos sobre a mesa e deu um olhar do tipo "eu te disse" para meu pai. Ele apenas sorriu.

— Bea, querida. Vocês tiveram uns entraves, mas essas coisas já foram resolvidas e ficaram no passado. Confie na gente.

— Resolvidas?! Não que me lembre! — Tremi de ódio. — Eu não acredito. Simplesmente não acredito!

Eu tentei argumentar, esperneei, chorei e até ameacei fazer greve de fome (e desta vez não iria ceder tão fácil mesmo diante dos brownies com sorvete!). Mas foi absolutamente inútil. Segundo mamãe, tudo tinha sido arranjado desde que o garoto conseguiu uma bolsa de estudos no Instituto Saint Louis, o prestigiado colégio onde estudo. Eu sei que é extremamente difícil conseguir uma bolsa, principalmente por haverem centenas de estudantes tentando uma única vaga. Mas então ele não tinha parentes para hospedá-lo, e ninguém deixaria seu filho de 16 anos morando sozinho numa cidade como São Paulo. Daí sobrou para a gente. Ou melhor, para mim, já que aparentemente todo mundo aqui em casa é a favor deste absurdo.

A única coisa boa nesta história — se é que há uma — é que finalmente terei o quarto só para mim. Hiero e Mikhel ficarão no espaçoso quarto de hóspedes do andar de baixo, o qual antes era o da vovó.

Hiero Bittencourt...

Só de me lembrar deste nome faz-me retornar aos velhos tempos em que era desprezada, pisoteada e humilhada... Eu mesma passei a acreditar nas palavras horríveis que proferiam contra mim — palavras que me machucaram tanto a ponto de desejar desaparecer deste mundo. E tudo porque ele influenciava todos a fazerem essas maldades comigo.

Não importa se ele tem o apoio da minha família, eu nunca mais quero passar por aquele inferno novamente!