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É INCRÍVEL COMO PODEMOS MUDAR a percepção de certas situações em tão pouco tempo. Três dias atrás eu estava debulhada em lágrimas no carro de papai, achando que minha vida tinha acabado – e agora, naquela gostosa manhã de segunda-feira, divertia minhas cordas vocais num animado dueto com Whitney Houston em "I Wanna Dance with Somebody" enquanto preparava meu café. Entre uma virada ou outra no pão besuntado de manteiga na frigideira, eu fingia que a espátula era um microfone e que as louças na pia e os eletrodomésticos no balcão eram meus fãs tresloucados.

Yeah, I wanna dance with somebody, with somebody who loves me!*— cantei num volume mais alto que o CD player de mamãe, rodopiando na frente do fogão. Porém, a rotação morreu na metade quando me deparei com Mikhel me olhando como se eu fosse um daqueles bizarros oompa-loompas de cabelos verdes e pele cor-de-cenoura.

— Credo, Bea, deu a louca, foi? — o menino desdenhou antes de se dirigir ao armário onde estava o pote de biscoitos caseiros.

Como não os alcançava, desci o pote para ele.

— Ah, Mikhelzinho, você ainda é muito novo pra perceber que a felicidade às vezes se esconde nas pequenas coisas! Tipo, nesse céu azul limpinho, no canto dos passarinhos, nesses sequilhos de leite-moça...

Ugh... Que papo é esse? E sendo toda boazinha assim sem motivo algum? Eu vou é assistir meus desenhos. Vai que essa doença pega! — Ele me fez uma careta antes de sumir para a sala com a mão cheia de biscoitos. Eu apenas ri e voltei a cantarolar em meu microfone improvisado.

Ouvi o tintilar de vidro da geladeira se abrindo. Era Bruno, aparentemente à procura de algum quitute perdido nas prateleiras.

— E aí, maninho? Bom dia. Vai um misto quente? Acabei de fazer.

— Não, obrigado. São quase dez horas. Já tomei café.

Ah, vamos dar um desconto, vai. Aquela era a primeira noite que dormira bem desde... toda aquela maluquice. Não que agora estivesse num mar de rosas – ainda estava meio temerosa e preocupada, sobretudo com aquele lance do vídeo, da escola– mas, como grande parte do que me afligia havia desaparecido, finalmente consegui descansar. E, por não precisar ir ao colégio por conta da suspensão, aproveitei para esticar o sono.

Hum, mas espera. Tinha algo errado com o Bruno. Que tom foi aquele? E não aproveitou para tirar sarro da minha cara?

Ah...

— Bruno, vem cá. — Chamei-o para a despensa.

Meio sem vontade, ele me atendeu. — O que é?

Erm... você tá bravo comigo? Sabe, porque eu contei pra a mamãe que...

Ele abaixou a cabeça, sério. Depois de uns momentos em silêncio, torceu os lábios e murmurou:

— Para falar a verdade, não. Estou envergonhado. Tipo, muito mesmo. E triste que tenha exposto você àquilo. Realmente me desculpa.

Segredos dele, Mentiras delaWhere stories live. Discover now