1. Um Difícil (Re)começo

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Thiego sempre soube reconhecer vozes. Bastava que ouvisse uma única vez e se a escutasse de novo, saberia dizer a quem pertencia, antes mesmo de ver a pessoa. Assim como existiam indivíduos que tinham o talento de dobrar partes do corpo ou conseguiam calcular números de forma rápida na cabeça, ele também tinha um.

Reconhecer vozes era o seu talento.

No entanto, havia uma voz que o garoto não conseguia reconhecer. Uma que só ele ouvia e que, em alguns momentos, ecoava em sua cabeça. Thiego não sabia bem a quem pertencia essa voz, mas podia ouvi-la de forma clara em sua mente.

Talvez fossem seus pensamentos. Afinal, como seus pais costumavam dizer, ele era um garoto especial. Porém a voz nem sempre esteve lá. Na verdade, o adolescente não se lembrava bem quando começou a ouvi-la, mas de uma coisa tinha certeza: tinha sido logo depois da morte do seu pai.

A voz viera até o menino, que ainda era uma criança, chamando pelo nome do seu progenitor:

Eduardo? Eduardo? Está me ouvindo?

Thiego tinha ficado um pouco assustado e até pensara que poderia ser o fantasma do seu pai lhe chamando. Mas que tipo de fantasma chamaria pelo próprio nome? Pensou.

Não, não é ele. É o filho dele. Quem está falando?

Mas a voz nunca respondera.

Depois daquilo, ela voltara algumas vezes. Normalmente sussurrava coisas em seus sonhos. Coisas que o garoto conseguia se lembrar e, logo depois que acordava, anotava em um caderninho antigo.

"Eu sei o que aconteceu", "Eu sinto muito", "As coisas irão melhorar".

Thiego não sabia se era a voz falando ou era ele mesmo tentando se convencer daquilo.

A voz retornou dois anos depois, quando sua mãe morreu. "Vou cuidar de vocês", ouviu. Porém não tinha certeza se era a voz ou a tia que abraçava ele e a sua irmã enquanto o caixão da mãe descia na terra.

O garoto se lembrava um pouco do enterro do pai. Lembrava mais do enterro da mãe. Porém, tinha certeza que nunca mais iria esquecer o enterro da tia. Afinal de contas, ele já era um adolescente e quanto mais se cresce mais difícil fica de esquecer certas coisas.

Sua irmã o abraçou com força. Ambos estavam chorando. Ambos estavam completamente perdidos. Thiego tinha certeza que as coisas não seriam fáceis para os dois dali para frente. E por um instante, desejou ouvir a voz novamente. Desejou que ela falasse.

Mas ela não veio. Ela não disse nada.

Os irmãos sentiram um toque suave nos ombros.

— Vai ficar tudo bem. — Thiego reconheceu a voz. Era Kátia, a vizinha do lado. Sua irmã se soltou dele e se virou para ela.

— Ah, Kátia — suspirou. — Muito obrigada. — E abraçou a mulher.

Infelizmente, a vizinha não podia estar mais errada.

As coisas não ficaram bem, pelo contrário, pioraram bastante. Thábata, sua irmã mais velha, acabou assumindo a responsabilidade de cuidar dele e da casa. Mas já fazia mais de um ano que estava desempregada e, por mais que tentasse, não conseguia arranjar um emprego. Ela até conseguia um bico aqui ou ali, mas nada definitivo.

A jovem procurou o serviço social em busca de uma pensão pós-morte para Thiego, mas o atendente a desencorajou, avisando que eles não receberiam o dinheiro de imediato, já que aqueles processos costumavam demorar muito. Para a situação deles, era ainda pior, já que sua tia falecida não deixara nenhum documento provando que os dois viviam com ela e eram sustentados pela mesma.

Chaves Tropicais [✔]Where stories live. Discover now