Capítulo 15 - FILIPE

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FILIPE


"Quando passares pelas águas estarei contigo,

e quando pelos rios, eles não te submergirão;

quando passares pelo fogo, não te queimaras,

nem a chama arderá em ti"

Isaías 43:2


Durante os últimos dias, agradeci pelo fato da Aurora não estar mais ao meu lado. Porém, em outros momentos, a curiosidade falava mais alto e eu perguntava algo sobre ela para as pessoas que a conheciam. Principalmente quando soube que ela estava doente, de repouso por conta de uma forte gripe.

Eu poderia resumir os últimos dias como uma recuperação por antecipação. Foquei nas minhas orações e no motivo maior da minha transferência. É um recomeço, uma nova vida.

Pude tentar reiniciar a relação com o Padre Giovanni, mostrar para ele que não estou aqui para roubar seu posto. Ele ainda não me deixa fazer muitas coisas, mas já não me olha como uma ameaça.

Os textos da minha mãe me fizeram companhia. Através dos seus escritos, posso sentir ela mais presente agora do quando estava ao meu lado.

Seus relatos eram como cartas destinadas exclusivamente ao homem que a abandonou, o homem que deveria ter cuidado dela e ter sido o meu pai. Ela nunca comentou nada que me fizesse sentir amor por esse homem, mas também nunca incitou a raiva. Apenas não o mencionava. Em nenhum momento.

Às vezes, durante a leitura diária, fecho o caderno me sentindo um invasor sem caráter. Se ela não queria me contar, por que eu deveria ler? Mas, no fundo, eu começava a entendê-la e sentir, sem julgá-la, as dores que sempre carregou por ter sido deixada.

E assim, sem pressa, para não deixar tudo pesado demais dentro de mim, eu leio seus textos com o coração apertado.

Com a finalidade inicial de tirar Aurora da cabeça, eu poderia dizer que a tentativa foi um sucesso.

Até agora.

Até esse momento.

Até estar diante dela.

É como se algo reacendesse dentro de mim com mais força.

Eu não deveria sentir nada disso.

Seu rosto tão angelical me deixa irrequieto. Aurora se parece com uma boneca de porcelana. Porém, eu conseguia ver não só sua fragilidade, mas também sua força. Seus cabelos escuros caídos sobre o ombro me dão a visão perfeita.

— Oi, Aurora. — Minha voz perde força.

Ela sorri para mim. Um sorriso brilhante, assim como os seus olhos. Um sorriso que quase me faz perder a razão.

— Quer dizer que fui trocada? — Colocando as mãos na cintura, ela pergunta mantendo o sorriso em mim.

— Sua gripe durou tempo demais — responde Giulia, tendo a sua atenção.

— Sua mãe, ela...

— Tudo bem, Filipe. Estou brincando. Giulia é uma guia bem divertida.

— Sim, ela é — concordo. Porém, não era ela.

Giulia fica satisfeita com a resposta e olha para o seu celular.

— Eu preciso ir trabalhar. Estou atrasada. Não posso me aproveitar da boa vontade do chefe, não é? Filipe... — Giulia se vira na minha direção. — Tem certeza que não vai querer voltar mais tarde? Não vai ter nada indecente para um padre. Apenas algumas taças de vinho rolando, algumas doses de grappas, bolo, guaraná e muitos doces pra você! — Ela ri do que fala. — Ah! E Aurora cantando.

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