Capítulo 14 - AURORA - Parte I

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AURORA


"Eu ainda estou aqui

Perdido em mil versões irreais de mim

Estou aqui por trás de todo o caos

Em que a vida se fez"

Sandy - Me Espera - feat. Tiago Iorc


Alguns dias depois


— Não vai sair da cama, Aurora? — A voz da minha mãe me irrita.

Viro para o outro lado e coloco o travesseiro por cima da minha cabeça.

Essa é a frase que mais a ouço repetir nos últimos dias. Quando ela não está, Otto se prontifica a assumir o cargo da chatice.

Peguei uma forte gripe junto com uma enxaqueca de matar e tive que ficar de repouso. Claro que nos últimos dois dias, eu procrastinei na cama para não levantar. A herança, a briga com Pablo e um par de olhos azuis proibidos foram os reais motivos para me esconder.

Fátima tira o travesseiro do meu rosto e senta na beirada da cama.

— O que está havendo com você?

Arfo e, com o cabelo desgrenhado, sento-me.

Os olhos tristes da minha mãe cortam meu coração.

— Estou com dor de cabeça. Aliás, parece que ela nunca passa.

— Dor de cabeça? Cadê aqueles seus remédios? Não minta para mim, Aurora. Não é por causa disso que você está aí.

Eu não estava mentindo sobre a dor que me acompanha, mas confesso que estava intensificando tudo.

— Só queria curtir o tempo ócio enquanto eu posso, mãe.

— Otto me contou — diz, passando a mão no avental com estampa de abacaxis. — Você terá grandes responsabilidades, minha filha, mas Deus pode te ajudar nisso.

Reviro meus olhos e deito novamente, cobrindo minha cabeça com o lençol.

— Quer me derrubar novamente, mãe?

— O que está havendo com você?

— Você já perguntou isso!

— Deus é a única solução.

Eu me descubro e olho para ela.

— Deus não olha para mim, mãe.

— Não fale isso, minha filha.

— Eu não quero brigar. Só me deixe em paz.

— Estou nervosa. Você nunca se deixou abater. Nunca caiu doente e nem quis ficar tanto tempo na cama. Estou preocupada.

— É uma fase, mãe. Logo passa. Estou em um momento meu.

— Trate de acabar logo com esse momento. Ele já durou tempo demais. Por que não vai dar um pulo lá no prédio da degustação? Talvez observar os clientes te ajude nisso.

— Estou de férias. Esqueceu?

— Tenho certeza que Otto não se importará. Promete que vai tentar?

Ela tenta me mostrar um sorriso.

Concordo para evitar um confronto.

Ela fica satisfeita e depois de me dá um beijo na bochecha, sai do meu quarto.

Sento-me novamente da cama e resolvo levantar. Entediada.

Vou até o banheiro e me assusto quando vejo meu reflexo no espelho. O cabelo mais parece um ninho de passarinho e os olhos estão inchados de tanto dormir.

Como se me olhasse de volta, o pingente de lótus que meu pai havia me dado, cintila.

— Queria que estivesse aqui, pai.

Seguro o meu presente tão precioso e o beijo.

Eu me odeio nesse momento. Eu me odeio porque parte de mim queria voltar para o quarto. É assustador a forma como eu estou lidando com os problemas. Essa não sou eu.

Lutando contra a vontade de me abater novamente, eu tomo um longo banho e desembaraço os cabelos com cuidado. Visto calça jeans e uma camisa comum.

Saio do quarto esperando um estardalhaço de comemoração, mas não o caminho está completamente vazio, sem sinal da minha mãe ou de Otto.

Na certa está resolvendo algum pepino, já que eu ando incomunicável e de férias.

Ele não deveria estar por aí.

Vou para a varanda e me sento em uma das poltronas que Otto adora.

Minha mãe aparece e, sem dizer nada, me entrega a cuia com chimarrão recém-feito e coloca a garrafa térmica em uma mesinha ao lado. Agradeço com um sorriso e ela entra novamente.

Respiro fundo e bebo o líquido quente com prazer. Ele aquece meu corpo e parece que me acaricia. Sorrio sozinha com a boa sensação.

— Com licença... — Olho para o lado e vejo o homem que trabalha na vinícola, o mesmo que me viu trocando o pneu do Sun no outro dia e que me abordou quando eu estava chateada com o papo da herança.

Eu ainda não tinha perguntado seu nome.

QUE ASSIM SEJA, AMORWhere stories live. Discover now