Capítulo 8 - AURORA - Parte III

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Entro no Sun ainda dormente pela conversa com Otto e deixo minha cabeça cair sobre o grande volante da caminhonete.

Minha cabeça dói ainda mais.

São tantas coisas para assimilar que é difícil manter o pensamento em apenas uma delas.

Otto irá partir.

Sim, ele irá. E, mais uma vez, perderei alguém que amo.

E eu serei a única herdeira da Casa Fontenelle.

Bordeaux estava ficando cada vez mais distante. Alguns sonhos acabam se esvaindo entre meus dedos.

Muitos, no meu lugar, se sentiram afortunadas com esse voto de confiança. Estariam felizes por terem o poder de comandar todo o império que Otto e seus ascendentes construíram, mas eu só sinto medo. Talvez seja uma responsabilidade grande demais para mim.

Otto poderá estar jogando tudo para o alto quando resolveu conferir a mim suas riquezas. E eu... eu queria apenas viver da mesma forma que vivo agora.

Quero poder andar descalça pelas parreiras. Tomar meu vinho devagar, sem ter hora marcada, sentar sobre uma árvore no final de tarde e chorar com o final de um livro. Quero poder rir com Giulia e com todos que trabalham comigo sem que me julguem por comandar tudo. Eu só queria poder pegar o Sun e passear sem destino.

Isso era fato.

Por mais que eu não quisesse.

Eu me tornaria o Otto. Taciturna, mal-humorada e incompleta por conta do estresse e da exorbitante carga.

Eu tenho medo. Muito medo do que posso me tornar por conta dessa responsabilidade.

Ouço três batidinhas no vidro do carro que me assusta.

Ao lado, vejo o mesmo homem que havia aparecido quando eu estava trocando o pneu do Sun. Eu me lembro que ele não havia cooperado com ajuda física.

Abaixo o vidro.

— Oi.

— Oi, Aurora. Algum problema com o carro?

Nego com a cabeça e ele franze o cenho, retirando a mesma boina que estava naquele dia.

— Há algo que eu possa ajudar?

— Não. A não ser que faça uma mágica — respondo baixinho.

— Não acredito em magia, Aurora, mas acredito na força das pessoas. Você conseguiu trocar aquele pneu por conta própria. Então, mesmo que haja motivo para acreditar que algo é impossível, não se deve desistir.

Olho no fundo dos seus olhos, que emitem uma quietude enigmática.

Abro a boca para falar algo, mas meu celular toca. No visor marca Filipe. Eu estou uma hora atrasada.

— Desculpe, eu preciso ir — falo para o homem.

Ele sorri de forma acolhedora e dando dois passos para trás, se afasta da caminhonete, colocando de volta a boina em sua cabeça e acenando.

— Até mais, Aurora.

Faço um gesto de tchau com a mão e saio pela estrada de pedras da mansão. A certa distância, eu vejo pelo retrovisor um emaranhado de terra esvoaçante soltando pelo pneu do Sun e o homem parado, na mesma posição, pelo retrovisor do Sun. Novamente eu nem perguntei o seu nome.

Durante o trajeto vou tentando organizar os pensamentos e tudo que eu estava ganhando e perdendo com essa nova fase da vida.

Não consigo me aprofundar demais. A única coisa que eu queria no momento era ficar sozinha, porém, quinze minutos depois chego a Monte Belo, paro em frente à igreja.

Pego meu celular e antes que eu retorne à ligação, vejo Filipe acenar e levantar de um dos bancos da praça.

Abro a porta do carona e ele entra. Assim o vejo com mais clareza.

Óculos de sol, blusa de botão, calça jeans. Estava parecido com o homem da foto do seu WhatsApp, não como um padre.

 Estava parecido com o homem da foto do seu WhatsApp, não como um padre

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Ele sorri.

Ele não deveria fazer isso.

Relaxo no banco e respiro fundo.

— Desculpe a demora, Filipe.

Se não bastasse toda a loucura da vida, eu ainda achava o novo padre um homem atraente.

— Eu que não quero atrapalhar seus afazeres — Ele retira os óculos e coloca sobre a gola da blusa. — Por isso liguei. Não ficaria magoado.

Seu rosto sério, seus olhos azuis cintilantes, seu cabelo perfeito, lábios carnudos, seu... seu... paro os meus olhos em sua boca.

Ele é uma obra de arte. Divino.

Deus, eu entendi que você está disposto a me pregar uma peça.

Só vá com calma, por favor.


QUE ASSIM SEJA, AMORМесто, где живут истории. Откройте их для себя