Capítulo 13 - FILIPE - Parte IV

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***

É madrugada. Depois de me revirar na cama por mais de duas horas, eu desisto da minha luta com a insônia e vou até a cozinha em busca de um copo de água.

Penso em ir até a sala e assistir um pouco de TV, mas não quero acordar o padre. Penso em sair e caminhar mais uma vez, mas o frio da casa me dá certeza de que lá fora está congelante.

Volto para o meu quarto e ando pelo pequeno cubículo angustiado com o que estou sentindo.

Parece que Aurora resolveu se instalar nos meus pensamentos de modo incisivo.

Irritado comigo mesmo, resolvo rezar e lembro-me do rosário da minha mãe. Eu preciso me ajoelhar e clamar ao único que pode me ajudar. Preciso de mais fé para desfazer o que parece estar dentro de mim. Talvez o terço da minha mãe me ajude.

Sentindo uma pontada de esperança, abro o guarda-roupa e a caixa que eu estava em busca, cai sobre o meu pé fazendo um barulho seco sobre o silêncio do lugar.

Quase solto um palavrão com a dor repentina.

Agacho sobre as fotos que esparramaram sobre o chão para começar a juntá-las e novamente me vejo com o pequeno caderno da minha mãe.

Deixando as fotos de lado, levanto-me com o caderno e me sento na cama, encarando aquele objeto como algo apavorante.

Munido de uma tentativa quase desesperadora de querer tirar Aurora dos meus pensamentos, resolvo com total valentia abrir a primeira página dos segredos mais íntimos da minha mãe. E, para a minha surpresa, não é apenas um caderno e, sim, um diário.

18 de março de 1986

Estou no ônibus. Já são 20 horas de viagem. Seu filho se remexe em meu ventre. Talvez esteja tão cansado quanto eu do sacolejar do desconfortável ônibus. Ou talvez ele esteja apenas sentindo o nó preso na minha garganta.

Quando sugeri nossa fuga era para podermos ter uma vida sem julgamentos. Eu não poderia mais viver nesse lugar.

Você me beijou. Beijou a minha barriga. Ainda consigo sentir os seus lábios.

Senti tanta verdade em você.

Por que não me encontrou na rodoviária?

Por que não veio comigo?

Eu esperei por você. Incrédula de que você me abandonaria, esperei até o último minuto o ônibus zarpar. Você não apareceu.

Agora as lágrimas caem pelo meu rosto, banhando de dor a minha face. A prova quase palpável de que me deixou. Meu coração está esmigalhado e mesmo assim fico tentando buscar alguma resposta pela sua ausência.

Eu só queria que você tivesse sido verdadeiro. Sincero. Assim como foram os meus sentimentos por você.

Eu deixei tudo, sem olhar para trás. Mas o mais doloroso será conviver sem metade do meu coração.

É difícil imaginar como será a minha vida assim que desembarcar no Rio de Janeiro. Sozinha, sem nenhum rumo, sem você e com uma única certeza: a ferida deixada por ti jamais será cicatrizada.

Para sempre sua,

Paola.

QUE ASSIM SEJA, AMORWhere stories live. Discover now