Capítulo 10 - AURORA - Parte II

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Corremos até chegar à casa. Filipe me ajuda a abrir a porta e entramos.

Ele começa a rir, percebendo o quanto estava molhado.

Eu ajeito o meu cabelo e enxugo os braços com as mãos.

Filipe me olha e ri ainda mais.

— Não fale que o dia estava lindo, ok? — brinco.

Ele levanta os braços em rendição.

— Não falarei.

Com a porta aberta, deixando entrar um pouco de luz, vemos a antiga casa por dentro. Eu nunca havia entrado nela.

Poucos móveis ocupam o lugar. Apenas um fogão de pedra em um dos cantos, uma mesa antiga não muito grande, uma cadeira capenga e um espelho levemente enferrujado pendurado na parede.

Enquanto o mundo parece cair lá fora, eu caminho pelo local empoeirado. Por dentro a casa parecia ser maior do que por fora.

Concentrada em entender o porquê do Otto não gostar que ninguém venha aqui, analiso a casa. Penso em subir as escadas de madeira, para o segundo andar, mas Filipe me impede com a mão.

— Olhe... — Ele empurra um pouco a madeira que praticamente se desfaz em sua mão. — Está podre. Irá cair.

Concordo e, de repente, um barulho de algo caindo em um dos cantos da casa me assusta.

— AH! — grito com o susto.

Com o coração a mil, olhos apertados sem querer ver, percebo que acabei de agarrar o pescoço do Filipe.

— É uma cobra? Diz que não é uma cobra! AH!

Minha voz sai como a uma louca desesperada.

— Não consigo enxergar — responde também assustado.

— Desculpe. Desculpe, Filipe — peço, sem largá-lo e nem abrir os olhos. — Eu sei que não devo fazer isso, mas eu tenho pavor de cobras!

Eu o aperto um pouco mais.

— Calma! Se acalma. — Sinto uma das suas mãos abraçar minha cintura e a outra afagar meus cabelos.

Percebo meus músculos tremerem de medo.

— É apenas um gato — diz, sem fôlego. — Um gato.

Abro os meus olhos e encontro os dele. Os densos azuis que agora com a escassa luz, formaram um tom profundo.

De repente, todo o medo vai embora. A sensação de paz me domina. Por milésimos de segundo eu escolho ficar assim para sempre. Mas ele logo pisca. Pisca demasiadamente.

— Está mais calma? — pergunta quase em um sussurro, próximo ao meu rosto.

Lá fora, o estrondo da tempestade com trovões continua.

Concordo com a cabeça, sem forças para responder.

Ele é tão lindo. Tão...

A palavra que vem em mente é: perfeito.

Eu estava louca. Eu nem o conhecia direito e não consigo compreender esse meu deslumbre repentino.

— Desculpe — peço de novo.

Vejo sua testa molhada, gotas de água caindo dos seus cabelos escuros.

Tudo nele me chama atenção: seus olhos, seu nariz, seus lábios carnudos e algo especial que eu ainda não tenho entendimento.

Seus olhos também percorrem o meu rosto. Mordo minha boca em uma ação de impedir que eu faça algo que me arrependa depois.

Não sei calcular o tempo em que ficamos assim, apenas nos admirando. Mas ele é o primeiro a desfazer a conexão e me coloca no chão. Não sei se fico brava ou se agradeço.

Respiro fundo e, mentalmente, voltando à razão, o agradeço. E o medo imediatamente logo me atinge.

— Preciso ir para o carro — digo, olhando para o chão.

— Mas está chovendo muito, Aurora.

— Eu sei, mas não posso ficar aqui. O sol está baixando e estará tudo um breu em alguns minutos. É sério, Filipe. Eu tenho muito medo de cobra e esses lugares são propícios para isso.

Ele aperta os lábios, olha para fora e observa o aguaceiro que cai.

Ficar sem estar segura em seus braços não é uma opção. Não falaria isso, claro, mas passou pela minha cabeça.

Eu iria para o carro com ou sem ele.

— Podemos ir embora — digo.

— Não é perigoso? Com essa chuva?

— Eu vou devagar e é melhor do que ficar aqui.

Ele concorda.

Eu me preparo para sair, com a chave do Sun em mãos.

— Espere! — Ele pede.

Olho para ele que ergue o casaco, abrindo para que eu o coloque.

— Você está de camiseta e está bastante frio.

Aperto os lábios, aceitando.

Ele coloca o casaco em mim.

— Obrigada — digo, não querendo olhar muito para ele. Com medo de me perder novamente.

Puxo as mangas longas para deixar a chave à mostra e corro para o Sun.

Corro e abro o carro, entrando com pressa e abro também a porta do carona para o Filipe entrar.

Pela primeira vez desde que o temporal começou, dou uma boa olha no meu estado e ele também se avalia.

Começamos a rir.

— Não foi tão ruim, foi?

— Não me lembro de quando foi a última vez que tomei banho de chuva, sabia? — Ele passa a mão no rosto.

— Nem eu — digo em meio a risadas, recuperando a respiração.

Abro um pouquinho do vidro do carro e passo a mão no vidro da frente para desembaçar.

— Vamos?

Ele assente.

Ligo o Sun e, sem pressa, vou seguindo a estrada de barro e pedra. Minha visibilidade é de apenas um palmo à frente.

Sinto no volante o carro patinar.

— As chuvas aqui são sempre assim?

— Nem sempre. Espero que logo acabe. Esse vento pode acabar com as parreiras e...

Nesse momento, o Sun resolve morrer.     



continua...

QUE ASSIM SEJA, AMORWhere stories live. Discover now