Nós não podemos

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Havia vinte minutos que estávamos na estrada.
Havia vinte minutos que meus olhos estavam fixados no vidro, mas nada eles viam, notavam, decifravam ou percebiam, porque meus pensamentos estavam em outras dimensões.
Havia vinte minutos que meus lábios não formavam nenhuma palavra. Eu não conseguia dizer, senão, querer chorar. Mas eu estava tentando ser forte. Ou melhor, fingindo. Entretanto, as lágrimas não queriam aquietar-se em meus olhos.
Elas formigavam, ardiam, lutavam comigo mesma para serem postas para fora, já que a vez era delas.
Não sei até quando irei resistir.

E o pior de tudo é que meu coração não dava-me a mão.
Não dava-me tranquilidade como forma de consolo. Mas sim, apunhaladas.
Ele mata-me silenciosamente e as lágrimas sugam toda a pequena quantidade de força que há em mim.

Dylan mal sabia se falava ao telefone ou controlava o volante e fixava a concentração.
Ele sabia que aquele ato poderia nos levar a morte, e eu também tinha plena consciência.
Mas nada eu disse, porque a consequência de seu ato era o que mais almejava naquele momento, pois as palavras que formavam em seus lábios e soavam através de sua voz falha de tanto alterar-se com outro doutor do outro lado da linha, penetravam em meus ouvidos e ali ficavam... Atormentando-me, cansando-me, dando-me medo. Uma vez que elas, suas palavras, mesmo tendo características médicas, no qual não tenho muito conhecimento, não me davam- segurança, até porque, seus olhos também não mentiam.

De repente ele calou-se. De repente o Smartphone deslizou de suas mãos. De repente o carro parou. De repente minhas lágrimas sugaram-me por completa e eu desmoronei.

- Mary...- Ele tocou em minha mão. Seus olhos estavam avermelhados.

- O-O que eles disseram? Como meu pai está? Ele está vivo? - Indaguei em meio ao choro.

***
Eu estava sentada cabisbaixa num banquinho de uma praça  vasta, florida e vazia, próxima ao Hospital, onde apenas alguns pombos ciscavam ao longe algumas migalhas.
O ar estava fresco e o Sol poente.

As lágrimas haviam se aquietado, o coração agia normalmente e o cérebro parecia ter exagerado na cafeína. Meus pensamentos estavam mais agitados, mais turbulentos do que de costume. Talvez seja porque eu quase perdi a única pessoa que ainda me resta.
Meu pai havia sofrido duas paradas cardíacas.
Na primeira parada, os médicos conseguiram ressusitá-lo em questão de segundos.
Já na segunda, eles quase desacreditaram... Quase deram-o como morto.
Todavia, ele se levantou quase caindo. Mas suportou.
Eu deveria está contente. Deveria.
Entretanto não consigo.
Marcus tem grandes riscos de perder a vida em um piscar de olhos, já que sua situação depois do ocorrido somente agravou.
Ele foi encaminhado urgentemente para o Controle de Tratamento Intensivo, CTI.
Por conta disso, não permitiram minha entrada.
Apesar de tudo, não quero perdê-lo. Como nunca quis.
Tudo o que eu dizia era da boca para fora, porque era fraca demais para confessar o meu amor por ele.

- Não quer algo? Uma água, um lanche? - Perguntou Dylan. Eu neguei. - Quer ir para a casa?

- Também não. - Sussurrei.
Queria apenas ficar ali, estar ali.

- Não se preocupe, tudo irá ficar tudo bem logo, logo...- Ele entrelaçou nossas mãos. Descansei minha cabeça em seu ombro.

- Dylan, meu pai terá sequelas?

- Se a vítima de uma parada cardíaca for atendida rapidamente, como Marcus foi, há uma menor probabilidade de ocorrer uma sequela, mas isso vai depender do seu organismo e de quanto tempo seu cérebro ficou sem oxigênio.

- Porém, quais seriam essas sequelas se porventura ocorrer?

- Uma alteração neurológica, dificuldade na fala e alterações de memória. Mas isto não é uma regra, embora seja mais comum em idosos. Entretanto não se preocupe. Sei que ele não terá sequelas. Seu organismo está saudável e seu cérebro não ficou tempo o suficiente sem oxigênio para tal fato ocorrer.

Desventuras De MaryanneWhere stories live. Discover now