É ela!

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 Mal sabia se segurava o copo que estava prestes a cair ou pegava a última fatia de mussarela que iria de encontro ao chão.
Eu estava atacando a pequena cozinha a exatas seis horas e vinte minutos de uma manhã cujo o brilho do Sol refletia sobre a imensa porta de vidro, que cobria uma parte entre a sala e a cozinha, impedindo minha visão não muito complexa do senhor de fios grisalhos e com um velho macacão marrom, retirando em leves movimentos as inúmeras folhas do gramado.

Minhas mãos ágeis seguraram a mussarela antes que ela caísse. O copo, sem apoio ao algo para impedir sua queda, estraçalhou-se em incontáveis e minúsculos pedaços de vidro sobre o chão.

Coloquei a fatia de mussarela junto a algumas outras de presunto dentro do pão sem miolo. Sua aparência demonstrava ser da manhã anterior.
Meus dedos manuseavam a colher diante do copo com achocolatado.

Encontrei em meio ao emaranhado de louças sujas, uma pequena bandeja. Passei sobre ela um pano que havia encontrado dentro da gaveta da pia.
Descalça, meus pés tomavam cuidado para não ferirem-se com os cacos de vidro. Porém, em uma troca de passos, um minúsculos caco que estava escondido entre os fiapos do tapete de veludo, passou despercebido pelos meus olhos.

- Droga...- Murmurei. Um simples corte havia provocado chamativas gotas de um sangue carmesim.

Agachei-me e limpei o pequeno ferimento com um pedaço de papel toalha. O sangue, mesmo assim, insistia em vir.

Em um desvio rápido de olhar, captei os passos cansados do senhor.
Levantei-me num galope.
Minhas mãos logo pegaram a bandeja.

- Ei! - Gritei. A enorme porta de vidro estava trancada - Senhor, Espere! - Virou-se duvidoso para trás.

***
- As flores entendam-me. Escutam meus assobios sem se queixarem. Não contradizem o que digo e ainda secam minhas lágrimas. - Ele dizia. Seu falar parecia sábio.

- Deve ser incrível viver rodeado de flores, gramas. É algo tão delicado, sentimental.

- Há cinquenta e quatro anos, trabalho como jardineiro, menina, e sinto prazer no que faço... Se eu não fosse jardineiro, acho que minha pacata vida não teria mais sentido.  Entretanto, Comecei aos sete, seguindo os passos de meu pai. Ele adorava o que fazia.

- Parece viver em harmonia consigo mesmo. - Sorrir - Existem muitas plantas em sua casa? - O Sol morno daquela manhã e a brisa calma que vagava entre nós, despertava-me de uma noite de sono aconchegante.

- Sim, muitas... Umas cinquenta, se não me engano.- Sorriu - Alguns colecionam vasos, quadros, miniaturas, sapatos... Já eu, coleciono flores. Cada uma delas contêm um nome.
Trato-as como se fossem minhas filhas. São os meus maiores bens. - Deu um gole no achocolatado - Já havia visto-a pouquíssimas vezes por aqui, embora nunca tive a oportunidade de conhecê-la.
Na verdade, chego quando o céu ainda está nublado e saio quando o Sol está raiando. É irmã de alguns deles? - Perguntou.

- Bem... É quase isso. Estou morando aqui faz meses, talvez. O motivo é meio difícil de explicar. Ainda estou tentando entendê-lo...

- Quando suas dúvidas forem concluídas estarei disposto a escutar seus argumentos. Uma prosa com jovens alimenta meu idoso cérebro com o linguajar atual.- Deixei escapar um sorriso. - Bom, já está na hora de ir...- Desviou seu olhar para cima. Agradeço-lhe pelo pão e pela bebida, menina.- Sorriu.
Seu sorriso, mesmo em meio as perceptíveis rugas, encantava.

- Sou eu quem agradeço-lhe por ter esperado e trocado palavras comigo, senhor. Todos estão dormindo e pelo que vejo, não irão acordar agora... Meu sono é curto e ás vezes termina sem final ou até mesmo, sem a minha permissão. Com isso, minhas pernas dariam passos cruzados, lentos, exaustivos e repetitivos dentro daquela enorme casa onde não há nada para ser feito... É irritante!- Murmurei.

- Por que não dá uma volta pelo quarteirão? Há casas com jardins onde as flores parecem ter sido desenhadas e esculpidas... Ou, explore a cidade. Os museus abrem cedo.

- É uma boa ideia.- Assentir - Mas não conheço nada por aqui. Mal sei andar pelo bairro.

- Depois daquelas duas casas logo a frente há uma pequena biblioteca na garagem de uma outra casa. Diariamente vou até lá para espairecer. Tenho certeza de que não irá se perder... Grave o caminho com a ajuda das árvores ou das cores das casas.

- Livros são ótimas distrações, apesar de não ler com muita frequência... Mas mudarei este meu desagradável hábito.

- Conte-me sobre o livro que irá ler. - Sorriu - Então nos vemos amanhã, logo cedo.

- Tudo bem... - Levantei-me - Até mais...- Acenei. Meus olhos acompanhavam seus lentos passos curtos. Logo, desviaram-se para a enorme casa. Talvez, a mais charmosa e planejada da vizinhança. Sua cor preta, um pouco peculiar e diferente, mas tão bela quanto, a diferenciava das demais. As enormes janelas de vidro que mostravam seus detalhes exuberantes, tachava a residência de mansão.
Os lírios, plantados em fileira, enfeitavam o bem tratado jardim.- É a cara de Dylan.- Sussurrei.

A brisa de repente. O sol havia se escondido por completo diante das nuvens carregadas. A manhã ensolarada parecia está prestes a ser tornar uma manhã chuvosa a qualquer instante.

Meus braços juntaram-se um ao outro. Meu pijama simples, não continha a brisa. Logo, meus passos começaram a me guiar perdidamente pela vasta rua vazia. Meus olhos mexiam-se em ziguezague, para tentar gravar cada detalhe. Até que, captaram em letras douradas, escritas numa placa surrada, a palavra "Biblioteca". 
A garagem estava aberta. Via-se incontáveis livros mesmo ao longe.
Havia algumas pessoas sentadas debaixo das árvores aos golpes de café.

- Quantas horas essas pessoas chegaram aqui? - Perguntei-me num sussurro.

Aproximei-me timidamente. Todos pareciam está concentrados em seus livros.
Minhas mãos tocaram uma pequena mesa de madeira e bateram no sino que havia ali.

- Só um instante...- Uma garota de longos fios verdes, respondeu. Ela guardava apressadamente alguns livros. - Alguém que tenha compaixão pelo próximo poderia me ajudar a guardar os livros, irá chover logo, logo! - Gritou.- Só sobra para mim, droga! - Murmurou.

- Vio? - Areegalei os olhos - Violet, é você? - Perguntei incrédula. Seu olhar logo veio de encontro ao meu.

- Mary!

É ela, Violet!

Desventuras De Maryanneحيث تعيش القصص. اكتشف الآن