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— Daria um doce pelos seus pensamentos.

Gustavo cutucou, se sentando ao meu lado e tirando minha atenção da avenida.

Virei meu olhar para ele.

— Só um doce? Mixaria!

Respondi, gesticulando. Ele gargalhou e levou suas mãos ao bolso. Em seguida, puxou sua gaita, balançou a mesma e sorriu pra mim.

— Quer ouvir?

Assenti, sorrindo. Gustavo começou a tocar uma música. Era lenta e trazia uma calma imensa.

Ele desviou seu olhar do meu e se virou para a paisagem da avenida. Me virei também e fiquei ali, apenas ouvindo. Fechei meus olhos e meus pensamentos voaram dali para minha casa, minha vida, minha mãe.

Minha mãe! Como eu estava com saudades.

Lembrei-me de papai. Quando ele era vivo, tudo era tão fácil. Não era compreensível para mim como tudo aquilo pôde acontecer embaixo dos meus olhos. Como eles puderam fazer tudo isso comigo, do nada. Como puderam não me dar o poder de escolha.

Meus sentimentos ruins se externaram, calafrios me percorreram por todo corpo. Eram sentimentos tão repugnantes que nem se quer, eu deveria me dar ao trabalho de sentir. Mas, era inevitáveis. Eu precisava de paz.

Abri meus olhos, atordoada.

Gustavo  estava com os olhos fechados comandando a sua gaita. Soltava um sorriso gostoso nos intervalos de assopro. Seu corpo estava relaxado e ele levava-o para um lado e para o outro, dançando suavemente.

Como era lindo..

Ele finalizou a música, abrindo os olhos. Bati palminhas.

— Muito boa.

Elogiei, sincera.

— Curtiu?

— Muito!

— A minha mãe tocava essa música todas as vezes que nós brigávamos. Ela dizia que era a nossa música "sela a paz", foi a primeira que aprendi, se tornou a minha preferida.

Contou, pensativo. Engoli em seco.

— Então ela tinha um bom gosto.

Brinquei. Ele assentiu, em silêncio. Parecia tão frágil, tão distante do homem que todos conheciam.

— Sabe, não sei. Qual dos dois é você, Gustavo?

Minha pergunta saiu por um impulso. Meus pensamentos se precipitaram e minha boca não conseguiu calar.

— Como?

— Você é o homem que bateu no rosto da minha mãe, no meu e meu trouxe pra esse lugar, me forçando a isso tudo. Ou é esse homem que tá comigo aqui agora, sendo ele, tão diferente?

Insisti. Aquela conversa tinha nos levado a começar uma transa da última vez. Eu não podia ficar com questões dentro de mim depois de tudo que havia acontecido. Era tão perturbador pensar, que parecia ser até surreal.

A postura de Gustavo mudou. O silêncio ajudou a construir, de novo, a ponte. Formei o abismo entre nós dois, com meia dúzia de palavras. Era um saco ter que pisar em ovos.

Droga!

Nenhum dos dois falaram nada durante um tempo, até que, Gustavo se levantou, me estendendo a mão.

— O que foi?

Perguntei, olhando para as mãos dele.

— Vem.

Pediu, balançando elas, para que eu pegasse.

— Onde?

— Vem logo, porra!

— Calma, porra!

Ironizei, respondendo. Segurei em suas mãos e Gustavo me puxou até o meio do terraço.

Ele me encarou, no fundo dos olhos e eu retribui, receosa. Aquele olhar, por alguns poucos segundos, parecia que entrava em mim.

La putaWhere stories live. Discover now