O dia já tinha começado perfeito, pra não dizer outra coisa. Meu irmão tinha descoberto umas furadas na contabilidade do morro.
Ele me mostrou toda aquela papelada logo cedo me enchendo a cabeça com os problemas que eu teria que resolver.
- Tá na cara que estão fazendo caixa dois irmão. Não tem outra explicação. - João Vitor falou.
Ele era mais novo que eu dois anos, ele era o cérebro da família, enquanto eu sou os músculos.
- Sim, o foda é descobrir quem tá metido nisso. Não posso chegar lá na boca acusando geral, sabe que isso acabaria comigo.
Se eu começasse a apontar o dedo pra todo lado não ia sobrar um parça que me apoiasse quando eu precisasse, duvidar de geral era perigoso e meu pai tinha me ensinado aquilo.
- Eu sei, eu sei! - ele jogou mais um papel na minha frente e se virou pro fogão. - Mas você tem que dar um jeito nisso, ou vai ficar no prejuízo.
Cocei minha cabeça sabendo que ia ser um longo dia.
- Porra, nem em uma quinta-feira a gente tinha sossego!
Eu estava afim de pensar só no bailão na sexta, mas agora tinha que me preocupar com esses comédia me roubando.
Ouvi passinhos pela casa e me virei a tempo de ver o Juninho chegando na mesa, o muleque ainda estava sonolento, também era só oito da manhã e ele costumava acordar lá pras dez.
- O que tá fazendo acordado pequeno?
- Sadelo. - ele resmungou coçando os olhinhos e esticou os braços pra mim.
- Outro pesadelo hein? - Vitor falou chegando perto e sacudindo a cabeleira loira dele. - Vou fazer um leite pra você.
Juninho tinha três anos e nossa mãe morreu dando a luz a ele.
Dona Lúcia já estava toda decepcionada da vida depois de perder o marido.
Meu pai, Pezão como era conhecido aqui no morro, morreu numa troca de tiros com a polícia, ele nem fazia ideia que estava deixando três filhos pra trás e não dois.
Aquele dia teve muitas perdas no complexo todo, foi aí que o morro do Adeus passou pras minhas mãos. Eu já acompanhava meu pai em todos os bagulhos e sabia como desenrolar com todos os outros chefes dos morros em volta.
Mas ali também passou a responsa de cuidar da minha família. A minha mãe grávida, meu irmão que tava terminando a faculdade de direito e o pequeno que tava por vir.
- Toma seu leite, que vou te deixar na dona Isabel.
- Eu não que, ela chata. - ele resmungou já agarrando a mamadeira.
Vitor e eu rimos, dona Isabel era chata desde que nós éramos crianças e não tinha melhorado com o tempo. Mas era a única pessoa que confiamos em deixar muleque.
Depois de muito Juninho reclamar e me fazer prometer comprar um doce pra ele consegui descer até a boca.
Vitor tava comigo, era meu braço direito além de contador e investidor da parada toda. Ele sabia bem como lavar dinheiro pra gente poder investir nas coisas que os grã fino investia. Assim mesmo se um dia a casa caísse a gente tinha grana suficiente pra viver com esses investimentos malucos.
Eu não entendia nada disso, tinha largado a escola e acompanhado meu pai. Desde cedo o velho dizia que eu tinha que aprender com a rua.
Quando Vitinho nasceu ele mudou a cabeça e disse que era pro garoto estudar, mesmo sem querer porque íamos precisar de um que soubesse resolver as parada jurídica.
CITEȘTI
Os Chefes do Morro
DragosteCamila cresceu no interior de São Paulo com os pais conservadores, sempre viveu uma vida regrada e pouco conhecia da vida de crimes e de toda maldade que cercava o mundo. Mas isso muda quando seus pais morrem em uma enchente e sua única parente vivi...