Capítulo 39: Píer.

2.7K 507 99
                                    

Encarei o mar, vendo as ondas baterem contra as rochas e a noite se prolongar no horizonte. A chuva ainda caia. Mas agora estávamos embaixo de um píer que se estendia sobre o mar e impossibilitava a chuva de cair sobre nós.

—Axel disse que você encontraria a gente. —Comentei, vendo a atenção de Kenji em um desenho que ele fazia na areia. Axel havia sumido ser dar explicações ou avisar.

—Ele me conhece muito bem. —Kenji murmurou, se ajeitando e se escorando em uma pedra, para poder me encarar. —Eu estava escondido na Cidade Marítima, depois daquela confusão, até que ouvi falarem sobre um trem que vinha até aqui.

—Um trem que eu e Axel estávamos. —Comentei e ele balançou a cabeça afirmativamente. —Ele deixou as criaturas das sombras destroçarem todos os guardas.

—Deixou, é? Não me surpreende. —Kenji abriu um sorrisinho. —Axel gosta de um bom caos.

—Sabe onde ele foi? —Perguntei, sem conseguir conter a minha curiosidade. Kenji ergueu os olhos até mim e os estreitou.

—Ja está com saudades dele, Kay? —Indagou, abrindo um sorriso travesso. —Sabe, eu gostaria de ser o padrinho do casamento.

—Improvável. —Declarei, ignorando a zoação que ele estava fazendo as minhas custas.

—Eu sei o padrinho? —Ele fingiu seriedade, como se esse fato o magoasse.

—Casamento. —Ri da sua expressão travessa. —Eu odeio o Axel. Ele me irrita e é babaca. Ainda fica me chamando de mendiga.

—Sei... Sei... —Kenji soltou uma risadinha e voltou a desenhar na areia. —Me diz, como foi que conheceu ele?

—Foi depois que roubei a safira do príncipe. Eu estava fugindo e entrei na Floresta do Medo. Axel estava lá. —Dei de ombros, deixando o resto da história subentendida. Axel provavelmente se ocuparia de contar tudo a ele.

—Você é corajosa. —Kenji se colocou de pé e veio até onde eu estava, se sentando ao meu lado e deixando as mãos sobre os joelhos. —Não consigo pensar em outra pessoa que roubaria de um príncipe.

—As vezes sua vida está tão ruim, que você faz qualquer loucura pra tentar fugir dela. —Afirmei, sentindo um gosto amargo na boca. Não foi a primeira vez que eu fazia uma loucura.

—Eu entendo. —Kenji pareceu pensar longe. Seus olhos cristalinos estavam no céu nublado e na chuva que caía. —Pode ter certeza que eu entendo.

[...]

—Estamos aqui praticamente o dia todo. Já estou ficando cansado dessa espera. —Axel resmungou, andando de um lado para o outro da areia. Ele estava com a touca da jaqueta na cabeça e passava a mão na testa várias vezes, como se estivesse com dor de cabeça.

—Senta aí e relaxa, irmão. —Kenji murmurou, pulando, tentando alcançar as madeiras do píer em cima de nós. —Aposto que já ficou muito mais tempo em um lugar, esperando.

Axel olhou para Kenji e estreitou os olhos, como se estivesse irritado. Ele bufou e se sentou na areia, cruzando os braços e encarando o mar.

—Ai, Kay, me diz... —Olhei para Kenji vendo ele olhar para Axel com um sorriso zombeteiro. —Axel fala bastante?

—Não, ele é um túmulo de tão quieto. —Falei e Kenji arqueou as sobrancelhas, surpreso.

—Mentira! —Kenji soltou uma risadinha. —Engraçado, você costumava falar bastante antigamente, Axel. Falava até demais. A gatinha de deixou sem fala, foi?

Eu estava fazendo um círculo imaginário no chão, mas ergui a cabeça na mesma hora. Olhei para Kenji de olhos arregalados e depois para Axel, que lançava um olhar mortal para o amigo. Se aquele olhar fosse destinado a mim, eu com certeza sentiria medo. Mas aquilo só resultou em um sorriso muito maior se abrindo nos lábios de Axel.

—Olha só, parece que o frio e sem coração, Axel, está apaixonadinho. —Kenji cantarolou e eu escutei Axel estalar a língua.

—Você estava com saudades de me irritar, não é, Kenji? —Axel resmungou, ajeitando a touca na cabeça. —Se continuar assim, vou esquecer que é meu amigo.

—Como é? —Kenji se virou completamente para Axel, colocando as mãos na cintura e abrindo mais o sorriso. —Quer brigar? Quer ver quem é o mais forte? —Encarei os olhos de Kenji, vendo o que parecia ser uma faísca passar por eles. —Vamos, levante-se e venha lutar.

—Fica quieto, Kenji. —Axel afirmou, agora com uma voz divertida. —Sabe que eu sou mais poderoso que você.

—Eu não sei de nada. Um único raio e eu frito seu cérebro. —Kenji se aproximou de Axel. —Você anda muito nervosinho pro meu gosto.

—Kenji, cai fora! —Axel resmungou. Um segundo depois os dois estavam rolando na areia, brigando para ver quem conseguia imobilizar o outro. Kenji estava no meio de uma crise de riso, enquanto Axel parecia irritado. —Cara, eu te odeio.

—Odeia nada! —Kenji empurrou Axel, quase fazendo ele cair na água. Fiquei observando os dois, que pareciam duas crianças, com areia até no cabelo.

—Puta que merda, Kenji. Você me deu um choque. —Axel empurrou Kenji e se colocou de pé, com uma expressão irritada no rosto. —Você sempre apela para seu poder.

—É engraçado ver sua cara de irritado. —Kenji se colocou de pé, balançando os cabelos para tirar a areia. —Você não acha que o Axel anda estressado demais, Kay? Que ele precisa de algo para relaxar?

—Acho que ele precisa é de um soco bem dado na cara. —Afirmei, arrancando uma gargalhada de Kenji. Axel virou o rosto pra mim e me encarou com as sobrancelhas erguidas. Lhe lancei um sorriso debochado, vendo ele estalar a língua em resposta.

—Eu não te conheço direito, mas já te amo. —Kenji afirmou, ainda rindo. —E se quiser dar um soco nele, vai em frente. Eu te ajudo.

—Não da ideia, Kenji. Kayla é bem capaz de tentar. —Axel afirmou, com uma voz de pouca paciência. Olhei para ele tentando esconder meu sorriso. —Ah, finalmente! Acho que são eles.

Me coloquei de pé e olhei para o horizonte, vendo um navio aparecendo aos poucos. Abri um sorriso. Era o navio de Henry. Eu cheguei a duvidar que ele viria. Afinal, ele mal me conhecia. Mas pelo visto, piratas tem mais palavra do que eu podia imaginar.

—Vamos embora. —Axel exclamou. —Temos uma safira para encontrar.



Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Where stories live. Discover now