Capítulo 2: Reino Solar.

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Eu não procurei nada mais para roubar naquela manhã. Ajeitei minha mochila nas costas e voltei para as ruas, indo em direção a minha casa improvisada. Normalmente eu ficava nas ruas até tarde da noite, roubando coisas supérfluas para conseguir algumas moedas de ouro.

Mas tem dias, dias como este, que eu simplesmente desejo me esconder de todo mundo e de todo esse lugar envolta de mim. A Cidade dos Ossos era apenas uma das cidades do Reino Solar. Haviam mais duas cidades aqui perto.

Cidade da Esperança, onde eu nasci, um lugar de ricos agricultores. Era uma das cidades mais ricas do reino. Onde havia mais comida, mais água, mais dinheiro para todo mundo. Mas eu preferia viver nas ruas imundas desse lugar, do que voltar pra lá.

A Cidade do Porto era a terceira deste reino. Ficava próxima ao mar e sua subsistência era baseada em ricos pescadores e comerciantes. Era a cidade que eu gostaria de ir. Mas é mais longe que qualquer outra e a passagem pra lá não é barata. Então, eu roubo, vendo e guardo as moedas em um lugar seguro para poder ir embora na hora certa.

Esse lugar era um dos 4 reinos que fazem parte da Dimensão Nascente. Os outros três reinos também tem suas cidades e seus próprios problemas para lidar.

-Ei, cuidado por onde anda, moleque. -Um homem resmungou, quando eu sem querer esbarrei nele. Isso era comum. Eu costumava me perder em pensamentos. Gostava de imaginar um lugar melhor para viver.

E ser chamado de moleque também era mais do que normal pra mim. Eu tinha 17 anos, um corpo magro, pálido e cabelos castanhos ondulados. Meus olhos eram num tom verde muito escuro. Qualquer um que olhasse pra mim, vestida desse jeito, ia pensar que eu era um garoto.

Virei uma esquina que dava para um beco repleto de lixo e que fedia a podridão. Caminhei até o galpão velho e abandonado ao fundo da rua. Passei pelo buraco entre as tábuas velhas e caminhei até o fundo do galpão, onde havia um alçapão. Ergui e desci as escadas, fechando o alçapão novamente e o travando com uma madeira. Assim ninguém conseguiria entrar ali.

Agora a única coisa que clareava aquele lugar era a luz que entrava pela parede de pedra, onde eu havia tirado algumas para fazer uma janela. Pequena o suficiente para ninguém conseguir passar. Mas grande o bastante para me dar luz. Caminhei até a janela improvisada e encarei o rio que passava ao lado.

Aquele lugar que eu dormia era um simples buraco no solo. Um cubículo com uma cama improvisada de madeira e uma pequena mesinha. Não havia mais nada ali. A comida que eu consegui precisava ser ingerida no dia. Ou escondida em um lugar muito, mas muito seguro.

Me sentei na cama improvisada, que era nada menos que tábuas empilhadas e trapos velhos e rasgados. Puxei a mochila para o meu colo, enquanto deixava a vela do meu lado. E então, terminei de comer as maçãs que havia roubado. Eu estava com fome demais para sequer pensar em guardar alguma coisa pra outro dia.

[...]

Segurei a garrafa e afundei ela na água limpa do rio, deixando que ela se enchesse. Eu estava no bosque da cidade. Aquele rio que passava por ele era o único limpo o suficiente para que a água pudesse ser ingerida. E também, meu corpo já estava acostumado com coisas não saudáveis.

Tirei a garrafa da água e virei ela na minha boca, sentindo o líquido gelado fazer meus músculos relaxarem. Suspirei e enchi a garrafa de novo e depois a guardei na minha mochila.

—Kayla? —Cedric apareceu de trás dos arbustos, me fazendo dar um passo para trás de susto. —Desculpa. Não tinha certeza se era você. Procurei você pelas vielas e não a encontrei.

—Eu vim pegar água. —Falei, começando a andar em direção a floresta para voltar para a cidade. —O que você quer?

—Eu roubei umas ameixas hoje. Pensei que gostaria de comer uma. —Eu parei de andar quando o vi tirar uma ameixa do bolso da jaqueta e fiz uma careta.

—Porque me daria algo em vez de comer? —Indaguei e ele pareceu sem jeito.

—Porque você me deu comida uma vez, quando  eu estava com fome. Eu nunca retribui isso. —Ele deu de ombros. —Não está envenenada. Mas pode voltar e lavá-la no rio caso não acredite em mim.

Ele estendeu a ameixa e eu ergui os olhos para encara-lo. Seus cabelos encaracolados estavam sujos de poeira e ele estava com um roxo na bochecha. Provavelmente de alguma briga que se meteu.

—Eu já comi hoje, Cedric. Mas obrigada. Pode ficar. —Falei e ele abaixou a mão parecendo decepcionado. —Pode precisar dela quando estiver com fome.

—Você é mesmo difícil. —Resmungou e eu abri um sorriso, observando a expressão de criança emburrada dele. Não podia negar, ele ficava bonito quando estava chateado.

—Obrigada, mas não precisa retribuir nenhum favor que eu faço. —Falei e ele suspirou, assentindo com a cabeça. Engoli em seco quando Cedric deu um passo em minha direção e ergueu a mão para tocar meu rosto.

Meu corpo ficou tenso e meu sangue pareceu ferver. O dedo dele deslizou pela minha bochecha e eu estremeci. Encarei o rosto dele quando o mesmo deu um passo na minha direção e aproximou o rosto do meu. Mas assim que sua mão tocou minha cintura, foi como ter levado um choque elétrico que causou uma dor indescritível na minha espinha.

O empurrei para longe, sentindo meu coração quase saindo pela boca. Meus olhos estavam arregalados. Cedric me encarou confuso. Mas antes que ele pudesse dizer algo, eu corri para longe dele.

É só pedir, por favor, Kayla.

Você só precisa pedir por favor.

Não grite. Apenas peça por favor.

Eu caí de joelhos entre as raizes das árvores, quando uma onda de enjoo me invadiu. Não demorou muito para que eu colocasse toda comida daquele dia fora. Me escorei em uma das árvores e olhei para o topo delas, vendo o sol brilhando com intensidade.

—Isso não é real. —Falei para mim mesma. —São apenas pesadelos, Kayla. Apenas pesadelos.

Suspirei e limpei minha boca. Ergui a cabeça e olhei na direção da cidade quando os sinos da igreja e da torre dos guardas começou a tocar. Me coloquei de pé e juntei minha mochila do chão.

Eu sabia que aquilo significava que a homenagem para o rei estava acontecendo. O que quer que aquele desfile significava, era uma boa hora para eu conseguir algo bom o suficiente para vender e conseguir mais moedas. E então, ir para bem longe desse lugar.



Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora