Capítulo 1: Cidade dos Ossos.

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Kayla

A primeira coisa que notei quando sai debaixo dos escombros que eu considerava minha casa, foi o sol escaldante da Cidade dos Ossos naquele horário. Não passava das 8 da manhã e meus vizinhos vulgo ladrãozinhos já estavam reclamando da fome.

Como se não passássemos por isso todo maldito dia. Nem todos tem a chance de crescer em um castelo como uma princesa ou um príncipe dos contos de fadas. As vezes, o herói da história está no meio da rua roubando para sobreviver. A maioria de nós cresce no lixo. Tentando se esconder nas vielas da cidade e sobreviver. Aqui na Cidade dos Ossos, é roubar ou morrer.

Coloquei a touca da jaqueta e cobri meus cabelos e parte do meu rosto. Podia estar pegando fogo, mas eu ainda estaria com aquela touca. Não preciso que ninguém veja meu rosto ou saiba quem eu sou. Na verdade a maioria nem nota os pobres e magrelos órfãs que vivem se esgueirando pelas ruas. Somos fantasmas pra eles.

-Já vai sair pra trabalhar, Kayla? -Cedric, o garoto magrelo, de cabelos encaracolados e loiros questionou em tom de ironia. Ele, como tantas crianças, dividia as ruas comigo.

-Porque não vai na igreja roubar o padre de novo, Cedric? Opa, quer dizer, rezar. -Soltei uma risadinha e deixei ele e suas provocações pra trás.

Cedric não era um garoto ruim. Ele tentava sobreviver assim como todas as crianças que moram na rua junto com a gente. Não temos outra alternativa a não ser roubar. Ele é um cara legal. Legal e muito bonito. Mas apenas meu amigo.

Parei em uma das ruas estreitas e encarei a feira a minha frente. Barraquinhas e mais barraquinhas por todo lado. Todos os tipos de comida, objetos e tecidos são vendidos ali. Mas apenas os mais ricos podem comprar.

-Qual está na mira hoje? -Virei o rosto e abaixei meu olhar até o garoto magrelo ao meu lado. Trevis tinha 12 anos e era mais uma das crianças que viviam nas ruas. Ele era moreno, com cabelos curtos e olhos azuis, muito azuis.

-Barraca de maçãs do mago Stritt. -Mostrei pra ele, com um leve aceno de cabeça. A barraca dele estava bastante movimentava, já que era época das macieiras e as maçãs estavam em um preço baixo. Pra mim ainda mais, estavam de graça.

O velho mago estava ocupado tentando atender todas as pessoas que se juntavam envolta da barraca que nem iria notar se uma dúzia de maçãs desaparecesse.

-Quer ajuda? -Questionou e eu suspirei.

-Metade? -Ele estendeu a pequena mão pra mim e eu a apertei. -Crie uma bela confusão pra mim, Trevis.

-É pra já, milady. -Então Travis correu para meio da feira e eu aguardei o show começar. Eu estava armada com nada menos que uma faca. Uma lâmina afiada o suficiente para me ajudar a fugir em qualquer que fosse a situação.

Uma vez, uma única vez, eu havia conseguido roubar uma espada de um dos guardas do rei. Eu ia até o bosque e treinava com ela. Mas infelizmente tudo que é roubado por um órfão de rua, pode ser roubado por outro. E foi exatamente isso que aconteceu. Fiquei apenas uma semana com ela antes de vários moleques a roubarem de mim.

Sim, eu lutei. Mas também levei uma bela de uma surra. Nada nas ruas é justo. E é mais do que comum ver brigas entre as crianças que moram nelas. Não existem regras aqui. Vale absolutamente tudo.

Não demorou muito para eu ouvir e ver a confusão se formando. Pessoas discutindo umas com as outras, gritaria e um empurra empurra de todos os lados.

Tirei as mãos do bolso da jaqueta e deixei a faca escondida na manga. Andei até o meio da confusão, onde a barraca de maçãs do mago estava. E ele, tentando controlar a situação. Eu tinha que ser rápida, era possível que logo os guardas aparecessem para controlar a confusão.

Parei no meio da confusão e puxei a mochila que estava nas minhas costas pra frente e a abri. Nada como um roubo bem feito.

[...]

-Me diz, você conseguiu? -Trevis questionou, parando na minha frente e eu abri um sorriso. Puxei a mochila e abri o zíper o suficiente para que ele pudesse ver as maçãs.

-5 pra cada um de nós. -Afirmei e ele puxou a própria mochila para pegar a parte dele. -Não, vamos pra outro lugar.

-Porque? -Questionou, quando comecei a puxa-lo pelas ruas estreitas.

-Não quero que alguém acabe roubando elas de você. -Falei e ele assentiu. Levei Trevis até a torre da igreja, onde ficava o sino. Não era comum alguém aparecer lá. Nós entramos pelos fundos e passamos sorrateiramente pela lateral até a pequena sala embaixo do sino. Ajudei Travis a subir a escada de corda até o alçapão no teto.

Subi logo atrás dele e fechei o alçapão. A vista lá de cima era a melhor de toda cidade. Podíamos ver o castelo no meio da Cidade dos Ossos e atrás de muros altos. As casas velhas e novas entre as vielas. A feira no centro da cidade. E logo no horizonte, o bosque verde onde ficava o riacho que eu pegava água. Do outro lado, atrás da parte mais suja da cidade, eu podia ver a Floresta do Medo.

Lá era um lugar que ninguém desse lugar ousava ir. Tudo que sabíamos sobre lá são boatos e lendas que ninguém tem certeza que são verdadeiras. O Fantasma, como chamam o ser que dizem viver lá, é algo desconhecido que vive entre as criaturas das sombras.

Nunca vimos ele de verdade. Apenas ouvimos histórias de terror sobre como ele é. Apenas uma sombra. Um vulto no meio da noite. Nada mais que histórias para assustar crianças curiosas.

-O que vai fazer mais tarde? -Trevis questionou, se sentando no chão. Caminhei até ele e me sentei ao seu lado, abrindo a mochila e entregando as maçãs que eram do direito dele.

-Eu ainda não sei. Provavelmente vou tentar arrumar algumas moedas. -Falei e ele assentiu com a cabeça, abrindo um sorriso para a refeição do dia. -E você?

-Vou ver se acho alguma coisa interessante por aí. -Deu de ombros. -Ouvi dizer que vai ter um desfile em homenagem ao rei hoje.

Eu peguei uma das maçãs e tirei um pedaço, sentindo o gosto doce invadir minha boca. Fechei os olhos e apreciei aquilo. Não era todo dia que se tinha algo bom pra comer.

-Vão homenagear ele pelo que? -Indaguei curiosa, vendo o garoto devorar uma maçã rapidamente.

-Eu não sei. Disseram que ele encontrou alguma coisa importante na Cidade da Esperança. -Olhei para Trevis e ele me encarou de volta. -O que acha que é?

-Eu não sei. O rei está sempre procurando coisas que o ajudem a aumentar seu poder nessa região. -Afirmei e voltei a comer. -Pode ser qualquer coisa.

-Eu aposto em uma safira. -Falou e eu o encarei com as sobrancelhas erguidas.

-E o que é isso? -Questionei e ele deu de ombros.

-Não sei. Só ouvi dizer que ele procurava por elas. -Mordi a maçã e balancei a cabeça negativamente.

-Você anda ouvindo coisas demais, Trevis. -Afirmei. -Cuidado por onde anda e com esses boatos que escuta por aí.

Ele assentiu com a cabeça e continuou a comer a maçã. Me coloquei de pé quando ouvi um sino tocar. Mas não era o sino da igreja bem do nosso lado, era o sino perto das terras do castelo. Olhei para a pequena torre onde ele balançava e depois para a pequena praça embaixo dele.

Pude ver os guardas puxarem um homem até o deck de madeira erguido por pilastras, onde uma corda era preparada para ele.

-É o sétimo só essa semana. -Travis afirmou, olhando para o homem que estava prestes a ser enforcado. -Vai achar engraçado se eu disser que ouvi dizer que eles eram soldados e não ladrões?

-E porque o rei estaria enforcando os próprios homens? -Questionei e Travis deu de ombros. Ficamos em silêncio enquanto víamos o homem ser colocado em cima do alçapão e a corda no seu pescoço.

Não demorou muito para o guarda dar o sinal e eles puxarem a alavanca. Aquele era apenas mais um dia normal na Cidade dos Ossos.



Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Where stories live. Discover now