Capítulo 38: Cidade da Primavera.

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Kayla

Passamos o dia todo naquela carroça. Eu evitei conversar com Axel o máximo possível. E ele também parecia tentar fazer o mesmo. Evitando me olhar ou se aproximar de mim. Por alguns momentos, a senhora conversou comigo. Me fazendo perguntas sobre nós dois. Eu inventei uma história aleatória de que éramos irmãos e estávamos indo a cidade a pedido de nossos pais.

Se ela acreditou? Tenho absoluta certeza que não. Mas não fazia diferença. Eles só tinham que nos deixar na Cidade da Primavera e nunca mais iriam nos ver. Eu soube que estava chegando quando as árvores repletas de frutas, flores e a paisagem mudou completamente para um colorido. O casal de senhores nos deixou na entrada da cidade. Logo depois desapareceram. Nós havíamos passado o dia em viagem, agora a noite já estava caindo no horizonte.

—Vamos até o porto da cidade. Chame logo o pirata. Não quero perder mais tempo aqui. —Axel afirmou, com uma voz nada agradável. Ignorei seu mau humor e o segui pelas ruas da cidade, segurando a bússola e a encarando.

—Usei isso mais rápido do que eu esperava. —Falei, pensando alto. Axel me olhou por cima do ombro e continuou andando.

Eu não sabia ao certo o que fazer. Mas Henry disse que eu só precisava pensar nele, que o mesmo iria vir ao meu encontro. Então foi isso que eu fiz. Segurei a bússola entre meus dedos e pensei no navio pirata e no capitão Henry.

O ponteiro da bússola começou a girar sem parar, como se tivesse quebrado. Então parou e quando eu menos esperei, a bússola sumiu da minha mão. Parei de andar, arqueando as sobrancelhas.

—Mas o que? —Enfiei às mãos no bolso da jaqueta procurando. Mas ela não estava em lugar nenhum. —Isso não é possível.

—O que foi? —Axel me encarou por cima do ombro, parando de andar.

—Eu fiz o que Henry disse. Mas agora a bússola sumiu. —Afirmei e Axel revirou os olhos, ficando com uma expressão de tédio.

—A bússola voltou pra ele, Kayla. Agora ele vai saber onde nós estamos e vem até aqui. —Axel afirmou, voltando a andar, me deixando plantada na rua. —É assim que o encantamento funciona.

—Você conhece muito de magia? —Questionei, começando a segui-lo.

—Talvez. —Murmurou, sem me dar certeza de nada. Bufei com a falta de educação de Axel. Ele conseguia ser um túmulo, sem revelar nada.

Fiquei olhando para a rua envolta de mim, agora iluminada com luzes. As lojas já estavam fechando e as pessoas se recolhendo. Meu estômago roncou, como o anúncio para uma bela noite mal dormida por conta da fome.

—Por aqui. —Axel virou em uma rua estreita e escura, indo em direção ao porto. O segui sem outra alternativa. A noite foi caindo enquanto andávamos pelas ruas, até que não havia uma alma viva nas ruas a não ser os guardas. Axel andava pelas vielas parecendo verdadeiramente um fantasma. As vezes, eu mal o via enquanto ele caminhava na minha frente, escondido pelas sombras.

—Você se aproveitou da lenda do fantasma para assustar as pessoas, não é? Lá na Floresta do Medo. —Falei, baixinho. —Essa lenda existe a séculos. Você se aproveitou dela.

—Como consegue fazer isso? —Indagou, me deixando confusa.

—Fazer o que?

—Puxar um assunto aleatório em um momento também aleatório. —Axel parou de andar e se virou para me encarar. Engoli em seco vendo o rosto dele em meio as sombras, sendo iluminado pelas luzes das tochas envolta de nós. 

Axel poderia ser considerado um rapaz normal se fosse visto durante os momentos em que o sol reina. Os cabelos desorganizados e a pele clara como neve. Mas a noite... A noite ele se transformava na própria escuridão. E de alguma forma que eu não entendia, ele ganhava uma beleza avassaladora a luz da lua.

—Eu sou curiosa. —Tentei falar, mas minha voz saiu baixa demais até para eu mesma ouvir.

—Ja percebi isso. —Ele deu um passo, parando na minha frente. —Curiosa, atrevida, maluca, ladra... A lista só aumenta.

—Esqueceu de citar mendiga. —O lembrei, fazendo um sorriso traiçoeiro surgir nos seus lábios. Ergui mais a cabeça, tentando demonstrar que seu olhar intenso não me amedrontava.

Eu já senti medo de Axel. Apenas na Floresta do Medo quando não sabia ao certo o que ele era. Na biblioteca, eu fiquei assustada. Mas agora, o conhecendo, sinto cada vez mais vontade de bater de frente com ele.

—Você gostou quando eu a beijei, Kay? —Ele respirou fundo, descendo os olhos para os meus lábios. —Foi seu primeiro beijo, não foi?

O sangue subiu para minhas bochechas e meu rosto queimou consideravelmente. E mesmo a noite, Axel notou a mudança e seu sorriso aumentou muito mais. Ele parecia um predador que havia acabado de encontrar a presa perfeita.

—Agora é você quem está puxando um assunto aleatório. —Declarei, piscando os olhos várias vezes, tentando controlar o salto que meu coração havia dado.

—Culpa sua. Estou convivendo demais com você. —Argumentou, trazendo os olhos de volta para os meus.

—Está convivendo comigo a menos de uma semana. —Rebati e ele tombou a cabeça para o lado. Axel sorriu. Um sorriso afiado e cheio de promessas obscuras.

—Tempo suficiente para você entrar na minha cabeça. —As estrelas nos olhos dele pareceram brilhar com mais intensidade, me fazendo esquecer de tudo por alguns segundos.

Dei um passo para trás quando um trovão ecoou pelos céus. Olhei para cima vendo o céu nublado e os raios surgindo, causando um eco por todas aquelas ruas.

—Kenji chegou. —Axel se afastou, voltando a andar em direção ao porto. Fiquei parada olhando ele se afastar, com as sombras rastejando envolta dele. —Venha, Kayla.

Olhei uma última vez para o céu, quando a chuva começou a cair sobre minha cabeça e suspirei, pensando que ficaria encharcada de novo. Comecei a andar, ouvindo o barulho dos trovões.

Agora além de conhecer um Portador das Sombras, também conhecia um que controlava os raios. Outra coisa a adicionar na lista bizarra de acontecimentos na minha vida.

Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Where stories live. Discover now