Beleza Aprisionante - História dos Quatro Reinos

Capítulo 25

Aviso - esse capítulo contém cenas pesadas que podem ser gatilhos para você. Cuidado ao prosseguir.

A pequena Charlotte de 11 anos não costumava escutar atrás da porta.

Ela ainda se lembrava da punição que recebera quando tinha 8 anos e foi pega por ele enquanto o observava pela fresta da porta. O que espreitou naquela época foi uma de suas lembranças mais belas, porém a tortura que enfrentou depois foi uma das mais severas. Por isso, ela evitava repetir aquele erro.

No entanto, a conversa que atualmente escutava parecia estar intimamente relacionada ao futuro dela e do seu atual melhor (e possivelmente único) amigo, então era óbvio que aquela criança estava curiosa.

O problema era que as correntes que envolviam seus pés e mãos estavam presas demais e ela mal conseguia chegar perto da porta da sala de jantar daquele castelo estranho sem rasgar ainda mais a pele em contato com o metal. Ela ouvira dizer que este era o castelo de um outro reino, porém ainda era difícil assimilar essas coisas visto que ela raramente saía de compartimentos escuros que a impediam de saber se era dia ou noite.

Foi fácil despistar os guardas que deviam ficar de olho nela naquele lugar, afinal, diferentemente dos guardas do castelo no qual ela morava, estes daqui adoravam dormir em serviço. Mas era difícil se guiar corretamente e sem fazer barulho em um castelo tão diferente, ainda mais com essas correntes dolorosas e muitas vezes barulhentas.

Mesmo assim, ela sabia que tinha que tentar, pelo seu bem e pelo bem de Henrique.

Apesar de a última vez que eles se encontraram ter sido horrível por seu amigo ter deixado os instintos carnais dele o dominarem, Charlotte não conseguiu ficar magoada com Henrique por muito tempo.

Ele era o único que parecia querer a companhia dela para algo além de sexo ou tortura...

- A primeira menstruação dela veio mês passado. Em vista disso, gostaria de saber se você vai querer que Charlotte continue visitando seu filho para "brincar" com ele e com você, meu caro Philip... - Aquela pessoa disse com um tipo de simpatia atrativa que só usava em ambientes sociais. Ele estava sentado elegantemente em uma mesa redonda de cor marrom com outros dois senhores, e trazia na mão um copo com um líquido escuro que Charlotte deduziu ser alguma bebida alcoólica.

Não era a primeira vez que Charlotte via aquele homem usando tal lábia, porém ainda era muito estranho ver que ele podia agir tão normalmente na frente de outros enquanto era tão cruel quando estava só com ela.

Mesmo assim, aquele brilho de loucura jamais deixava aqueles belos olhos azuis-esverdeados...

- Acho melhor não. Não quero que eu ou Henrique engravidemos a garota sem querer. Meu filho é jovem demais para isso e eu não quero outro herdeiro - Um homem que parecia a versão adulta de Henrique respondeu. Este estava de pé ao lado da mesa e também segurava um copo de vidro em sua mão de modo descontraído.

Charlotte ainda ficava impressionada com a semelhança de olhos verdes e cabelos negros que o senhor Philip compartilhava com seu filho. Ela imaginava que sua própria semelhança com sua mãe, a qual todos sempre gostavam de lembrar toda vez que a viam (principalmente ele), era igual a essa.

Infelizmente ela nem tinha como saber já que nunca havia visto sequer um retrato da famosa Katherine...

- Tem certeza disso Philip? - Uma voz que Charlotte conhecia bem perguntou com o sarcasmo frio de sempre, sentado a mesa e se servindo de mais um copo do tal líquido escuro - Quando soube que Charlotte já pode ter filhos, o Alexander, diferentemente de você, insistiu bastante em pedir uma "audiência", para ver se arranca uma criança de uma "princesa do gelo".

- Deve ser porque Valeria perdeu o filho que esperava dele recentemente. Alexander está doido para perpetuar sua descendência... - Philip comentou com o olhar pensativo, bebendo mais um gole do líquido escuro enquanto passeava pela sala - Mas eu prefiro que meu filho arranje uma esposa daqui mesmo e tenha descendência de sangue puro, se não se importa Stevan.

- Relaxa Philip - Stevan, com seu sorriso frio, fez um sinal de inocência, escondendo seu rosto atrás de seu copo - Só estava comentando que mesmo que você não queira um filho de Charlotte para Henrique, tem quem queira...

- E você pretende permitir algo assim? - Philip perguntou curioso, seu olhar voltado para aquela pessoa que até agora havia ficado calado na conversa.

- Quem sabe no futuro... - Ele disse dando de ombros - Ainda preciso pensar bem sobre isso. Ela é jovem demais para engravidar agora. O corpo dela, apesar de incrivelmente forte, pode não suportar os riscos, e como não pretendo tratá-la melhor do que trato, não posso permitir que ela morra por uma bobagem como uma gravidez... Além disso, só podem encostar em Charlotte as pessoas que eu autorizar, você sabe. E Alexander ainda não cumpriu meus requisitos pessoais para entrar nessa lista.

- Uau, tem uma lista? - Philip deixou escapar com diversão.

- Muito seleta e exclusiva - Ele respondeu indiferente.

- Que ciumento... - Stevan murmurou divertido e Philip riu baixinho do rolar de olhos que aquela pessoa fez.

Charlotte ainda pretendia ouvir mais, porque gostava de ver como ele parecia uma pessoa normal quando conversava com outros homens adultos de forma descontraída assim. Contudo, uma mão a puxou para trás com urgência e Charlotte deu de cara com olhos verdes lindos e muito alarmados.

- Fui até seu quarto e você não estava lá. O que faz aqui Lotte? - Um Henrique de 13 anos perguntou preocupado, praticamente a arrastando pelas escadas de volta para o quarto que ela usava quando estava no reino dele, como sempre no subsolo - Meu pai vai te punir severamente se te pegar andando no castelo assim!

- Eu ouvi que o senhor Philip não quer mais que eu venha te visitar a partir de agora Henrique... - Charlotte disse com a voz amuada, fazendo o pequeno Henrique parar de puxá-la e se virar para ela com olhos arregalados.

- O que? Ele não pode fazer isso! - Henrique exclamou injuriado e quase saiu correndo em direção a sala em que seu pai se encontrava com as suas duas "visitas". Obviamente Charlotte o parou antes que ele fizesse essa burrada.

- Não faça isso! Se você for lá só vai piorar as coisas Henry! - Ela disse abraçada nas costas dele.

- Você deve estar aliviada com isso, não é Lotte? - A voz de Henrique soava baixa e culpada - Ainda mais depois do que aconteceu da última vez que nos encontramos... Você deve estar super feliz por não precisar nunca mais me ver, não é?

- Não! Lógico que não Henry! - Charlotte se colocou na frente de Henrique ao negar com veemência, segurando os dois lados do rosto choroso dele com as mãos acorrentadas - Você é meu melhor amigo! Não importa o que tenha feito comigo, eu entendo e... te perdoo. Não quero perder sua amizade, nunca!

O pequeno Henrique segurou as mãos da pequena Charlotte em seu rosto e sussurrou com a voz chorosa:

- Desculpa...

A Charlotte do tempo presente acordou naquele exato segundo dentro da masmorra do Castelo do Fogo, com lágrimas transbordando de seus olhos.

Aquele pesadelo que teve com Henrique estava mais para uma lembrança triste do que dolorosa. Foi uma das últimas vezes que se encontrou com aquele seu amigo em bons termos.

Enquanto se levantava para se arrumar para a sentença de chicotadas que receberia naquele final de semana, Charlotte se recordava da falta que sentia de ter um amigo como Henrique. Mesmo que ele tenha errado com ela no passado, ele realmente se importava com Charlotte.

- Como será que meu amigo está agora? - Ela se perguntou reflexiva, como fazia muitas vezes quando era menor.

Agora que Henrique era rei, Charlotte imaginava que ele não devia ter muito tempo para se preocupar com alguém como ela, uma ex-rainha inútil de outro reino. Mesmo assim, às vezes ela sentia falta daquela amizade singela e inocente que preencheu sua infância difícil com alguns poucos momentos divertidos e ternos.

- Mas pelo menos agora eu não estou tão sozinha - Charlotte murmurou com um leve sorriso ao se lembrar da nova amiga ruiva que havia feito a pouco tempo...