52 - Folhas do destino

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— São as mesmas estrelas. As mesmas constelações do céu na Terra. — falei deitada de costas na grama ao lado do Gael. — Sempre adorei as estrelas, são fascinantes.

— Não me admira. Você é um pouquinho delas. Eu também. Todos os naturais são.

— Como assim? — essa história ele ainda não tinha me contado.

— Reza a lenda, que nós somos um povo que veio das estrelas. O seu planeta ainda é jovem, o nosso povo é antigo como o próprio tempo. As histórias dizem que já estivemos lá — Gael apontou o véu negro —, quando o seu mundo ainda era informe.

Aqueles lindos olhos verdes fitaram os meus. O meu estranho e lindo Gael. Um homem livre agora. Alguém que tinha arriscado tudo por mim. Alguém que eu tinha conquistado o direito de amar.

— Amo você. — falei.

— Se tiver beijo eu vomito! — Elisa estava de braços cruzados nos observando com uma sobrancelha erguida e uma sombra de sorriso. — E se ficar mais doce viro diabética!

Os botânicos eram os médicos ou farmacêuticos daquele lugar. Esse era o dom deles, fabricar unguentos curativos e tratar os males com os próprios recursos da natureza.

Elisa precisaria ficar sob os cuidados deles e em repouso por um tempo ainda, e estava inconformada com isso. A falta de atividade a deixava carrancuda e mal-humorada e ela não parava de reclamar como uma velha rabugenta.

— Elisa, Elisa, Elisa. — Gael deu um beijo na bochecha dela. — A inveja é um sentimento destrutivo. Algum dia você vai encontrar um doido varrido que não tenha amor próprio para amar você também. — a loira fez cara de tédio. — Já estou com pena dele!

— É melhor ouvir essas baboseiras que vivem escorrendo da sua boca do que ser surda. Alma — ela olhou para mim —, coitadinha, você não merece isso. — apontou para ele. — Se livra dele enquanto há tempo!

Gael segurou o rosto dela e lhe deu mais um beijo apertado na bochecha.

— Ah, tá bom já chega. — Elisa se desvencilhou dele. — Deveria conferir o grau de açúcar no seu sangue, irmãozinho!

— Você não deveria estar de cama, senhorita? Tem um longo tempo de repouso pela frente. — ele tentou parecer bravo.

— Se eu ficar lá mais um dia as minhas pernas vão se esquecer de como se anda! — ela fez uma careta. — Vim buscar a guardiã.

Era o primeiro dia de lua nova e a minha última noite ali. Podemos entrar naquele mundo em qualquer momento, a passagem está sempre aberta do outro lado, mas para sair, só quando a noite é mais escura e a lua some do céu.

Antes de partir, eu iria conhecer um dos lugares mais sagrados para os naturais, as Folhas do Destino. Um arbusto viçoso, onde cada folha arrancada dava ao indivíduo o vislumbre de uma cena em seu futuro.

Acompanhei Elisa com o coração batendo de ansiedade. As camadas leves da túnica branca oscilavam sobre o meu corpo com gentileza.

— Eu nunca tive coragem de olhar o meu destino. — ela parou à entrada da trilha e me entregou uma cesta. — Acho que gosto mais da surpresa. Eu fico por aqui. Siga a brisa.

Com uma cesta na mão, onde depositaria as folhas colhidas, eu caminhei sobre pés descalços no sentido da brisa. A trilha me levou ao encontro da planta mágica.

O meu coração batia acelerado. Das folhas verdejantes à minha frente se desprendiam pontos infinitamente pequenos de luz. Eles subiam e planavam, flutuando sobre o arbusto. Estendi a mão e colhi a primeira folha.

A minha mente se encheu com uma visão. Uma carta me era entregue no final de uma tarde.

Colhi outra folha. O envelope exibia o nome Academia de dança Dolabella. O meu coração deu um pulo.

Colhi mais uma. Eu dançava no meio de bailarinos profissionais. Uma felicidade gigantesca se estampou no meu rosto. O sonho que carregava comigo há tanto tempo se realizaria!

Eu colhi outra folha. Uma casa pequena em uma rua que eu não conhecia.

Estendi a mão e peguei mais uma. Um mundo banhado em verde profundo e pontuado pela luz dourada e quente do ouro do sol. Gael. Estremeci com o sorriso lindo com que ele me saudava pela manhã. Ele estaria lá, compartilhando o meu futuro.

Puxei mais uma...

Nada aconteceu. Nenhuma imagem.

A raposa branca me olhava com a cabeça torta. Ela abanou o rabo sentada no galho de uma árvore ali perto. O vento começou a soprar. As folhas secas rodopiaram e o arbusto mágico dançou ao sabor da brisa.

— Isso é sangue? — a raposa albina perguntou com um semblante assustado.

Uma mancha, como se fossem respingos de sangue, sujava o peito do meu vestido branco.

Olhei a folha em minha mão. Ela sangrava. Não era uma folha... era uma asa.

Entrelaçada em meio às folhas dentro da minha cesta, um pequeno ser ferido se encontrava. Uma fada das folhas. Com uma mancha vermelha de sangue nas costas, ela exibia apenas três asas em formato idêntico ao de folhas verdes.

O que estava acontecendo?

A raposa branca pulou de sua árvore e pisou no chão com duas pernas de homem. O pelo branco do animal pousado sobre os ombros como um manto. A boca dele não se moveu quando ouvi uma voz sussurrada trazida pela brisa que soprava.

— Diga adeus ao seu final "Felizes para sempre".

De repente, a minha mente foi tomada por uma nova visão, a projeção do meu novo futuro. O horror me tomou por completo e emudeceu a minha alma. Os meus joelhos fraquejaram com a dor que me rasgava o ser e não puderam mais me sustentar de pé.

E foi isso, meus queridos leitores. Foi assim, exatamente assim, que os meus olhos tocaram a face do destino e eu deixei o meu futuro perfeito me escorrer por entre os dedos.

Gael Ávila ia morrer. E era tudo culpa minha.


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Doce Pecado | 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora