14 - Doce pecado

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— Como eu pude ser tão estúpido? Tão estúpido?!

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— Como eu pude ser tão estúpido? Tão estúpido?!

Bati a cabeça três vezes contra a parede da cozinha, mas chacoalhar o cérebro não estava ajudando a concertar o caos dentro de mim. Não havia saída.

— Eu sou tão idiota! Imbecil!

Comecei a andar de um lado para o outro, externando as voltas e voltas que circulavam na minha alma.

Uma silhueta de bailarina encheu a minha cabeça. Uma bailarina lutando contra um cabelo rebelde que teimava em se soltar do coque. Seria essa a recordação que me marcaria para sempre? Então vi o sorriso. O maior ela guardava para a amiga, Isabel. Mais ninguém ganhava sorrisos tão largos como aquele. Ela nunca sorriria assim para mim. A imagem que eu guardaria para sempre de Alma Ferraz seria o seu sorriso. Mas então me lembrei da primeira vez que a vi. A curiosidade que refletiu nos olhos dela tinha me feito arrepiar. Essa seria a imagem que eu nunca esqueceria dela.

— De todas as pessoas no mundo... como eu fui me apaixonar por uma guardiã? Eu sou mesmo um idiota completo! Como deixei isso acontecer?!

A raiva ferveu o sangue das minhas veias e tudo o que tinha em cima da pia foi arremessado para o chão com estrondo e estardalhaço. Os cacos da louça se espalhando por toda a parte, o brilho cinza do inox rolando para longe como se as panelas não quisessem mais ficar ali.

O destino era cruel. Ele me deu todas as cartas erradas. E agora, o que eu faço num jogo já perdido?

Se ao menos eu fosse livre para escolher... eu poderia escolher não ser mais um caçador. Mas não era assim que as coisas funcionavam no mundo natural. Aquela foi a primeira vez que o peso de não ter liberdade me esmagou até quase me sufocar. Eu era um traidor? Eu estava traindo o meu povo. Eu não podia desejar aquelas coisas, não podia desejar aquela garota, não podia desejara ser quem eu não era. Eu não podia desejar ser... normal.

— Eu sou tão egoísta. — constatei. Amá-la era tão errado. — Eu sou fraco e covarde.

Como eu podia fazer aquilo? O portal precisava ser fechado. Os naturais não podiam viver sob a constante ameaça de invasão. Os humanos destruiriam tudo e todos que habitavam o lado de lá, bastava terem a oportunidade. Bastava encontrarem a porta aberta. Todo um mundo, todo um povo podia morrer, e eu ali, sofrendo porque não tinha o direito de amar uma garota?

— Isso é tão errado e egoísta. — sussurrei no vazio daquela casa. — Como eu posso ao menos considerar algo assim? Eu fiz um voto de lealdade ao meu povo. É tão errado deixá-la viver. — senti o coração doer com a culpa. — É tão errado deixá-la morrer. Como vou respirar de novo?

Me lembrei da suavidade da seda das fitas de suas sapatilhas. E também das marcas que os pés carregavam para ostentar a beleza da dança. Uma grande parte de mim deixaria de existir junto com ela. Como eu pude ser tão idiota?!

— Tenho que proteger os naturais. E a entrada para o mundo de fantasia. Eu não tenho o direito de amar ninguém. A minha vida não pertence a mim, pertence ao meu povo. Eu preciso seguir em frente, sem pensar, só agir. Cumprir o meu destino. É o meu dever. — uma mistura entre um pedido de perdão e uma despedida saiu com a minha voz: ¾ É o certo.

Então porque doía tanto?

A fruteira tinha se esparramado pelo chão frio da cozinha, mas uma maçã sobrara em cima da pia. A fruta solitária permanecia oscilando na borda, sem conseguir tomar uma decisão. Exatamente igual a mim.

Sou capaz de trair toda uma nação por um desejo egoísta?

Passei por cimas dos cacos de vidro e pequei a fruta. Vermelha cor de sangue e também cor de paixão.

Sou capaz de assassinar a única coisa que já amei na vida?

A maçã rodou entre os meus dedos como se ela fosse a chave que guardava todas as minhas respostas. Vermelha como o pecado. O fruto proibido, símbolo da tentação. Madura, doce e suculenta, pedindo para ser mordida. Assim como o proibido implora para ser experimentado.

Todos os pecados são irresistíveis, todos eles são deliciosos. E todos eles cobram um alto preço. O meu pecado é Alma Ferraz. O cheiro frutado e fresco da fruta me incitando a escolher o caminho errado.

De todos os pecados, o amor era o mais doce. E o mais proibido.

¾ Não posso. ¾ sussurrei para ela palavras quase inaudíveis. — Eu não posso amar você.

Abandonei com relutância a maçã sobre o tampo da mesa. A minha vida só tinha um propósito. O frio da lâmina tocou os meus dedos.

Encarei por um segundo o meu reflexo. Vazio. Vazio de um jeito que nunca antes me sentira. Com a alma ferida, rasgada, de algo que eu não sabia se algum dia me curaria. Talvez fosse melhor se nunca cicatrizasse.

Eu sou o que eu sou. Apenas isso e nada mais.

Guardei a adaga no lugar de sempre e fechei a porta atrás de mim ao sair para a noite. Eu nasci para isso. A brisa fria soprou forte enquanto os meus pés me levavam rumo ao estúdio de dança.

Uma bailarina, em uma caixinha de música, dançando pela última vez. Não poderia de forma alguma ser mais perfeito. Acabaria aquela noite.

Folhas secas rodopiaram pelo chão. Aquela noite não teria calor.

 Aquela noite não teria calor

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Shiiii vai dar m...

Olá, olá! 

Mais um capítulo do Gael. Gostaram? Então, deixem uma estrelinha para mim. Bjos!


Doce Pecado | 1Where stories live. Discover now