39 - Novo mundo

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Mal entramos na mata e eu pude perceber as primeiras diferenças. Tinha árvores de todos os formatos, em linha vertical, tortas, encurvadas, em formato espiralado, esburacadas. Algumas me lembravam desenhos, como os que vemos nas nuvens.

Tinha plantas — se é que eram plantas! —, que não se comparavam a nada que eu já tivesse visto. Grandes, pequenas, coloridas, finas, carnudas, transparentes. Muita coisa para perceber numa primeira impressão. Tinha uma espécie de arbustos, ostentando folhas em tons rajados de azul que pareciam tentáculos enrolado em espiral. Eu toquei em um deles e a folha desabrochou num espreguiçar preguiçoso, revelando incontáveis filamentos com pequenos pontos amarelos na ponta. Eca! Parecia uma centopeia se remexendo.

— É uma planta. — Gael riu da minha cara, sabendo do meu amor por insetos. — As frutas são deliciosas. — colheu as bolinhas amarelas. — Experimente. — ele me ofereceu e jogou algumas na boca.

Se ele estava comendo então não deveria mesmo ser um inseto. Peguei uma da mão dele, era dura. O cheiro era doce. Coloquei na boca.

— Tem gosto de amendoim! — disse surpresa.

— São hullos. — Elisa falou segurando várias frutinhas.

Seguimos calmamente pela mata. Eu me sentia segura ao lado deles.

— São vagalumes? — apontei. Gael olhou na direção indicada. — As luzes nas árvores. Parecem estar enfeitadas para o natal, pontilhadas de estrelas.

— São cogumelos.

— Cogumelos?

— São bioluminescentes. Estamos nos arredores do arco-íris noturno. A área mais bela da floresta à noite. Tem todas as cores lá. Acendem de noite e apagam de dia. É incrível!

— Nós podemos ir?! — supliquei. — Por favor!

— Vamos achar um lugar para passar a noite. Depois levo você lá.

Paramos junto a uma árvore larga com raízes expostas, as saliências profundas quase formando uma cabana.

— Vem. — Gael me chamou. — Vamos fazer uma fogueira.

— Esses galhos aqui não servem? — fui atrás dele, que passou sem dar nenhuma atenção para toda a madeira jogada no chão.

— Você vai ver. — ele sorriu.

O segui em meio ao mato, ele não pegou nenhuma lenha. E olha que eu não sou boa nisso de acampar, mas vi uns pedaços bem bons ali dando sopa. Paramos perto de um arbusto florido.

— Veja essas flores. Elas nascem completamente verdes e vão mudando de cor a medida em que vão crescendo. Estas ainda não estão maduras — Gael apontou alguns brotos —, por isso são pequenas e esverdeadas. Mas estas aqui já podem ser colhidas. A cor forte de vermelhos e laranjas mostra que já estão maduras. Elas só desabrocham foram do pé. São lindas, não são?

Muito bonitas! As maiores ocupariam duas mãos em concha. Todas fechadas, como se ainda fossem um botão. As pétalas ovais e pontudas sobrepunham-se em camadas. Eu me aproximei e inspirei o perfume frutado.

— São flores do fogo.

— Flores do fogo?! — repeti. — Tipo... fogo... fogo de verdade?

— Do tipo fogo de fogueira. — ele riu.

— Ah! Vai usá-las ao invés dos galhos de madeira.

— Nada disso, carissimi. Elas são o fogo.

— Mas estão frias. O fogo daqui não é quente como o da Terra?

— Se você colher ainda verde não acontece nada, mas se colher uma madura — ele acariciou os botões mais vivos —, ela começa a se incendiar ao mesmo tempo em que vai desabrochando.

— Sério? Que legal! — envolvi um grande botão vermelho com as duas mãos, observando-o com mais atenção.

Gael cortou a base da flor em minhas mãos. Dava para senti-la lentamente se aquecendo. O meu sorriso ficou mais largo.

— Vai começar a ficar quente. — avisou. — É melhor segurar pela haste.

De volta à nossa árvore, Gael limpou o chão, deixando a terra exposta. Ele cortou o caule bem próximos às pétalas, de forma que a flor se acomodava perfeitamente no chão. Ainda não tinha sinal de fogo, mas já dava para sentir o calor sendo libertado.

Eu me sentei sobre as pernas, observando o preguiçoso espetáculo acontecer. Lentamente, desabrochando diante dos meus olhos, a flor ganhava calor e luz. O fogo não era alto, o suficiente para envolver a flor. Transparente como água, queimando nas mesmas cores das pétalas, o fogo permitia ver a flor aberta em seu interior. Era como uma flor de lótus.

— Quanto tempo dura?

— Algumas horas. Amanhã será apena cinzas.

— É lindo!

Experimentei de tudo que Elisa colheu na floresta. Mas no mundo Natural não se matavam animais para comer. Então o jantar foi vegetariano. Saudável sim, gostoso... nem tanto. Entendi porque Gael tinha se tornado o cliente mais assíduo da churrascaria.

Elisa se ajeitou perto da fogueira e dormiu. Gael me levou para assistir ao espetáculo mágico da bioluminescência. Algo tão belo que enchia não só os olhos, mas os sonhos também.

Todas as cores do arco-íris estavam ali, iluminadas com magnificência e exuberância contra os tons escuros das sombras. Cogumelos feitos de estrelas. Flores pendentes se apagavam com um simples toque e se acendiam quando deixadas em paz.

Uma lagarta com o corpo translúcido, assumia o mesmo tom roxo brilhante da planta que devorava. Eram como lâmpadas. Uma lâmpada verde, outra alaranjada, amarela, azul, rosa, rastejando pelos troncos.

Um lago tranquilo abrigava um mundo de sons e cores. Uma língua comprida aprisionou um ponto de luz em movimento. O zumbido dos insetos, a orquestra dos grilos, o sussurro da água. Uma salamandra passou por entre meus pés, azul, de um tom profundo de azul com manchas verdes e amarelas florescentes.

O fundo do lago era cheio de algas luminescentes, deixando a água acessa com um céu de verão. Soprei a flor que Gael me ofereceu. As pétalas se desprenderam, como bolas de sabão, e flutuaram graciosamente sobre a superfície. Luz rosa e violeta dançando entre si. Os peixes vieram apagar as pequenas estrelas.

Quando finalmente adormeci aquela noite, foi impossível apagar as luzes. Elas continuavam pulsando e faiscando sob minhas pálpebras. Um arco-íris noturno. Irreverente e iridescente. Insanamente fosforescente.    

Olá, olá! Mais um capítulo prontinho

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Olá, olá! Mais um capítulo prontinho. Espero que gostem.

Bjos a todos. 

Doce Pecado | 1Where stories live. Discover now