34 - Vizinhança

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Alguns dias depois da visita ao Sr. M, eu estava ajudando a minha mãe com o jantar. Dois conceitos rodando na minha cabeça, realidade e fantasia.

Realidade. O final do ano letivo estava às portas e o meu recital também. No espetáculo de encerramento, daqui há dez dias, a minha apresentação seria avaliada como o passe de entrada para um estágio na companhia de dança Dolabella. E seria um dueto. Para meu par, escolhi o John. Gael ficou puto da vida! Fez uma cena enorme e eu achei que ele fosse explodir de tanto ódio! Mas acabou se conformando.

E fantasia. Elisa e Gael retornariam ao mundo natural para executar o segundo sacrifício. Eles eram traidores agora e só de pensar no que podia dar errado, me dava um aperto no coração. Eles partiriam logo depois do meu teste, assim eu poderiam me preocupar com uma coisa de cada vez. Primeiro conseguir o estágio, depois rezar para eles voltarem em segurança.

Temos um convidado para o jantar. — meu pai chegou no horário de costume. — É o vizinho da porta ao lado. Vem filho, pode entrar.

Obrigado, Sr. Ferraz.

O vidro de massa de tomate caiu da minha mão.

— Está tão distraída hoje. — minha mãe falou. — Deixa, eu mexo com essa bagunça. Vai lá receber a visita.

Nem morta! Fiquei com medo de ver o que eu achava que veria. Espiei. O meu pai estava de costas procurando o controle remoto, ele, de frente. Quando me viu deu uma piscadinha e abriu o sorriso mais safado que eu já tinha visto na vida!

— Sente-se. — meu pai convidou.

— Obrigado. — Gael se acomodou no sofá. Descarado!

— Acho melhor ajudar você, mãe. — me concentrei na mancha entornada no chão. E agora o que eu vou fazer?! Meus pais não faziam a mínima ideia da existência dele.

— Não precisa...

— Precisa sim!

O meu pai guardou um pote de sorvete no congelador, deu um beijo em cada uma de nós, e voltou para a sala.

— As meninas já vão vir.

— Suas filhas? — que fingido! Dá para acreditar?!

O jantar acabou ficando pronto cedo demais. E quando dei por mim, já estava levando travessas em mãos suadas para a mesa.

— Alma? — no maior descaramento!

— Gael? — a minha surpresa não saiu tão convincente quanto a dele.

— Vocês se conhecem? — meu pai perguntou.

— Que coincidência, estudamos juntos. — ele se voltou para a minha mãe. — Sra. Ferraz, espero não estar atrapalhando. — eu vou dar na cara dele!

— Não atrapalha nada.

O caçador se sentou ao lado do meu pai, de frente para mim. Eu nem tinha coragem de olhar.

— Então você estuda na escola de artes. — minha mãe falou. — Qual é a sua modalidade?

O pobre rapaz explicou a triste história que contava para todo mundo de como tinha perdido os pais há pouco tempo e havia decidido mudar de ares. Acabou indo parar na escola Dolabella, mesmo sem estudar nenhuma arte, porque o nível de ensino lá fazia bem a qualquer currículo.

Mas fazer o que? Não dava para sair por aí dizendo: eu tenho asas e venho de outro mundo!

— Alma é bailarina. Maravilhosa! — minha mãe se gabou. — Já viu alguma coreografia dela?

— Não tive esse prazer. Nem sequer conversamos muito até hoje. Talvez agora fiquemos amigos, já que também vamos ser vizinhos. — ele estava se divertindo horrores!

— A propósito. — consegui achar a minha fala. — Onde foi que achou o nosso vizinho perdido, pai? — o apartamento ao lado estava em mudança, mas jamais imaginei que fosse ele o novo inquilino!

— Parei na padaria para comprar um pote de sorvete e depois... o carro simplesmente não quis pegar. Esse jovem aqui ofereceu ajuda. Concertou rapidinho. Nós conversamos e descobri que seríamos vizinhos. Então o convenci a vir até aqui. E olha que não foi fácil!

— Imagino! — uma tarefa hercúlea!

Depois do sorvete e infinitos elogios às habilidades culinárias da minha mãe, fomos recolher a louça.

— Sra. Ferraz — Gael tirou os pratos da mão dela. —, por que não relaxa com o seu marido enquanto os jovens trabalham um pouco.

— Obrigada, Gael, você é muito gentil.

Ele abriu um sorriso de vitória enquanto minha mãe ia em direção à sala. Larguei tudo dentro da pia e comecei a ensaboar. Ele veio, cheio de graça, com aquele risinho presunçoso.

— Então? — comecei. — Você basicamente sabotou o carro do meu pai, foi isso?

— Eu só tirei uma pecinha do lugar. — o triunfo ardia em seus olhos de fogo.

— E os vizinhos?! Que coincidência justo a porta ao lado ter se desocupado!

— Era isso ou estrangular a Elisa! O que você queria?! Ela infestou a minha casa!

Gael detestava ainda ser o meu segredo, então decidiu se meter nos meus planos.

— Como eu me saí? Acha que eles gostaram de mim?

— Enquanto você for só o vizinho gentil que entende de carros e se oferece para lavar a louça, tenho certeza que sim. Quando for o namorado da filha única... — fiz uma careta.

— Por quê? — ele ficou infeliz. — Eu vou cuidar bem de você. Por que não sou um bom pretendente?

— Não é você. É qualquer um. O meu pai... não quer perder o "bebê" dele.

— Ele acha que ninguém a merece. Ele tem razão. Devemos proteger os nossos tesouros.

— Está insinuando que não á digno de mim, Sr. Ávila? — comecei a sorrir.

— Sou o primeiro dessa lista. Mas para minha sorte, o seu espírito é nobre e misericordioso e decidiu cuidar com amor do meu coração cativo. — ele tentou me abraçar e eu lhe dei uma cotovelada, então se afastou sussurrando gemidos teatrais. — Pena que o mesmo amor não seja dado ao invólucro que carrega esse mesmo coração.

Depois da cozinha limpa, o expulsei da minha casa o mais rápido que pude. Era difícil demais estar tão perto e manter as minhas mãos longe!

 Era difícil demais estar tão perto e manter as minhas mãos longe!

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Olá amores! Gostaram do vizinho? Descarado nenhum pouco! kkkkkkkk

Espero que tenham dado algumas risadas nesse capítulo! Bjo!


Doce Pecado | 1Where stories live. Discover now