43 - Encontros e desencontros

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Aquelas coisas continuavam a nos perseguir. De repente, eles começaram a ganir e se recolheram de uma só vez entre a vegetação.

O coração batia na garganta, mas a recuada dos bichos não provocou alívio. O silêncio que se seguiu fez os pelos do meu corpo arrepiarem.

Nós estacamos, tentando respirar, olhando freneticamente ao redor. As únicas duas fadas restantes, escondidas e agarradas ao colarinho do Gael, deixavam apenas a cabeça para fora.

Uma mancha branca e muito pálida contrastou contra a natureza negra.

— Eles estão aqui! — foi tudo o que Gael teve tempo de dizer antes de o monstro cair com ferocidade em cima dele.

O meu corpo reagiu ao terror familiar. Eu conhecia aquela fera de um encontro anterior.

Amnato.

No desespero que me tomou, pude ver as três grandes bestas que nos cercavam.

Eu comecei a golpear as costas do animal que estava em cima de Gael. Da coluna vertebral saiam grossos espinhos escuros. A cada punhalada, gosma negra, arroxeada e pútrida se espalhava.

Usando a musculatura como impulso, a coisa me arremessou para longe. Eu bati no chão com força. Respingos de baba e cheiro de podre me estapearam quando arreganhou aquela bocarra diante do meu rosto.

Gael cortou a garganta do bicho. O sangue esguichou sobre mim em golfadas pulsantes, cobrindo meus olhos, nariz e boca. Eu senti o gosto. Salgado e quente.

Gael me ergueu, me arrastando para fora de lá. A besta caída se contorcia e tentava morder enquanto sangrava.

Outra mancha branca se assomou sobre nós. A morte alada, vinda do céu.

— Vai, vai, vai, vai! — Gael me empurrava na direção contrária à da fera. — Não para! — ele gritava atrás de mim, me obrigando a ficar em movimento.

Eu não sabia para onde estava indo, só corria sem parar. Galhos retorcidos se emaranhavam no meu cabelo, arranhando o meu rosto, agarrando as minhas roupas como se fossem dedos.

Já não bastasse a baderna ao meu redor, eu tinha que lidar com a de dentro também. Eu queria agarrar os meus neurônios que corriam ensandecidamente em todas as direções e gritar na cara deles: Trabalhem juntos! Eu não conseguia pensar. Eu não conseguia raciocinar!

Estávamos ficando mais lentos. O solo estava ficando mais lodoso e mais barrento. Exigia cada vez mais esforço levantar os pés.

— É areia movediça! — percebi tentando frear.

— Continue! Continue! — ele gritava em meio os horrorosos urros da besta.

O meu instinto me mandava voltar. Aquilo era uma poça de areia movediça, quanto mais avançássemos pior seria. Mente e corpo lutando entre si. O meu corpo avançava cada vez mais para dentro, o meu cérebro gritava cada vez mais alto: Para fora!

Já não podia mais tirar as pernas da lama. O progresso para frente era lento e exaustivo, mas para baixo era rápido e eficaz. Quando tive que levantar os braços para não afundá-los, eu já não sabia se a dificuldade de respirar era de pânico ou esforço.

— Me dê a mão! — uma voz vinda de cima. Gael pairava desajeitadamente no ar. Parecia estar sentindo muita dor.

Ele me puxou com dificuldade, mas conseguiu me libertar do caixão de barro. Aterrissamos de forma rude sobre a rocha que se erguia acima da poça. A expressão no rosto dele me aterrorizou. Ele gemia no chão como se não conseguisse respirar.

— Gael! Por favor, fala comigo! Você está bem?!

— É a pior dor... que já senti na vida! — o sofrimento dele me esmagava. — Quebrei uma asa. Merda! — deu um sorriso torto. — Mas vai precisar de mais do que isso... para se livrar de mim, pulchram.

Me atirei ao pescoço dele, rindo e sentindo o gosto do alívio. Ele soltou mais um uivo com o gesto brusco, mas se podia fazer piada, então iria sobreviver. Ele recolheu as asas para dentro da pele e o desenho ficou torto.

O amnato se debatia enquanto se afogava lá em baixo.

— Ele é mais pesado do que nós. — Gael falou. — Depois de ficar preso, quanto mais se mexer, mais rápido afunda. Ele só precisava ficar preso antes de nos alcançar.

Um espasmo de medo totalmente diferente percorreu o meu corpo.

— Elisa? — sussurrei. O semblante dele ficou triste.

— Talvez tenha conseguido.

— Nós temos que encontrá-la! — e eu já estava de saída, mas ele me impediu.

— Poderíamos ficar dias procurando por ela.

— Mas ela pode estar ferida, não podemos deixá-la lá sozinha.

Puella, minha assa está quebrada, eu não posso voar. Teremos de seguir a pé daqui. Estamos no pântano. A primeira coisa que Elisa fará se estiver viva é sair daqui. Nós devemos fazer o mesmo. — comecei a chorar nessa hora. — Elisa sabe para onde estamos indo. E talvez as fadas estejam com ela e cheguem às Brumas primeiro do que a gente.

— Mas ela vai ter que ir sozinha e nem sabemos se ela está bem, ou se pode andar. — um pensamento horrível me passou pela cabeça. — Ela pode ser comida viva por alguma coisa imunda!

— Não me faça pensar nisso! — Gael me abraçou apertado. O coração dele martelava com força contra o peito.

Elisa. Sozinha e perdida na Floresta Negra. Talvez... só talvez... se eu desejasse com força suficiente... eu pudesse vê-la outra vez.

A fantasia não estava muito atraente naquela hora. Quem disse que eu queria ser guardiã?! O que eu não daria por uma vida humana normal! Pode até ser meio chata e sem graça de vez em quando, mas definitivamente é melhor do que ser morta de forma selvagem! Mas aí me lembrei que no mundo humano isso também acontecia, com a diferença de que os selvagens não eram animais e sim os nossos semelhantes.

Dei uma risada amarga para mim mesma. Monstros existem em qualquer lugar, isso não é exclusividade da fantasia.

 Monstros existem em qualquer lugar, isso não é exclusividade da fantasia

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Olá, amores! 

Tadinha da Elisa. Será que iremos vê-la novamente? Veremos, muita coisa ainda falta acontecer! 

Bjos.

Doce Pecado | 1Where stories live. Discover now