Aquela madrugada, eu estava contando nos dedos os minutos que faltavam. Saí na ponta dos pés descalços para não fazer nenhum barulho. Do lado de fora calcei os sapatos e subi os degraus para o terraço de dois em dois.
Lá em cima era aberto, não tinha telhado. Embora não houvesse nenhuma lâmpada, o céu estava limpo, deixando a noite clara. Eu o encontrei esperando por mim debruçado sobre o parapeito observando a cidade adormecida. Confesso que eu estava bem ansiosa! Não sabia o que esperar. Só estava torcendo para não ser esquisito demais. O meu coração batia forte contra o peito. Eu me aproximei. Lá de cima a visão que se podia ter era deslumbrante.
— Bem. — pigarreou. — Promessa é dívida. Embora esteja descumprindo a maior de todas, pretendo cumprir as que fizer a você. — ele se desencostou da borda e se virou de frente para mim, assumindo uma postura mais séria.
— Está descumprindo uma promessa?
— Estou, e antes que pergunte mais alguma coisa a respeito já aviso que isso é algo que só vou explicar no final. Sugiro que desista antes mesmo de começar!
Eu cruzei os braços, contrariada.
— Então, vamos direto ao ponto. Mas primeiro... — Gael me conduziu ao centro do espaço. — Vamos nos afastar só um pouco da beirada, caso você tenha um choque de realidade. Não quero que despenque daqui de cima.
— É tão ruim assim? — franzi a testa numa careta.
— Para mim não, mas é difícil prever as reações das pessoas. Espero que esteja preparada.
Eu prendi a respiração em antecipação. Podia ouvir o martelar do meu próprio coração como um bumbo de bateria. Gael pegou a barra da camisa cinza e a passou pela cabeça. Um torso nu se mostrou à minha frente. Músculos bem definidos sob uma pele lisa desciam em cascata do peito ao cós da calça. Belo. A palma da minha mão formigou de vontade de sentir a definição dos contornos sob o tato.
Mas era só isso?! Não vejo nada estranho aqui, pelo contrário, me agrada bastante!
A noite foi ficando mais escura de repente. Notei pela visão periférica uma sombra imensa se assomando sobre nós. Desviei os olhos para a mancha negra que crescia atrás dele e... todo o restante me escapou. O meu coração deve ter parado de bater.
Duas asas imensas e gloriosas se estendiam abertas em todo seu esplendor às suas costas. Elas poderiam facilmente envolver a nós dois. Elas estavam de costas para o luar, o que dificultava a minha visão. Eu queria ver os detalhes. Eu precisava ver com detalhes.
Os meus pés se moveram por vontade própria para contorná-lo e alcançar o foco total da minha atenção. Antes que eu pudesse dar a volta completa, elas começaram a se mexer, encolheram e foram sugadas para dentro da pele dele.
— O que...
Ele continuou imóvel. A luz da lua torneava a musculatura de suas costas que agora exibiam com orgulho o bordado de penas que se sobrepunham para desenhar duas asas dobradas. Toquei o desenho. A pele era macia e quente. Segui com suavidade o contorno de cada pena. Um desenho de liberdade.
— Eu quero vê-las. — pedi.
Sob a pele da minha palma o desenho ganhou vida. Eu me afastei. Um misto de susto e ansiedade. As penas que se mexiam no desenho começaram a sair lentamente da pele e a se espreguiçar no ar. Assisti extasiada aquela dança calculada em simetria. Uma cortina de penas se formara e separava o espaço entre mim e a criatura. Outra vez, duas asas se impunham abertas à minha frente, mas agora beijadas pela luz e não se escondendo dela.
Elas eram de um tom profundo de marrom e não pretas, como eu havia imaginado antes. Uma sensação de veludo acariciou o meu tato e uma de euforia, o meu coração, quando as toquei. São reais! Elas são mesmo reais! Eu comecei a rir enquanto corria a mão pela curvatura superior delas.
— Elas são incríveis! — falei com um sorriso tão grande na cara que as bochechas começavam a doer.
— Então... — Gael fechou as asas e se virou para mim. — Esse sou eu de verdade. Você gostou afinal.
— Está brincando?! Eu adorei!
— Tem medo de altura? — abriu um sorriso largo.
— Não. Voar deve ser a expressão mais pura de liberdade. — deve ser ainda melhor do que dançar.
— Quer dar uma volta?
Agora sim as bochechas estavam doendo de verdade. Eu nem consegui responder, só assenti. Percebi que estava dando pequenos pulinhos no lugar de tanta euforia e animação. Quero, quero, quero, quero, quero!
— Vire-se. — ele fez um movimento circular com o dedo.
Eu me virei na mesma hora. Ele encostou o peito nas minhas costas enquanto depositava as mãos sobre as minhas costelas. Elas foram deslizando lentamente pela minha barriga até envolverem a minha cintura. O meu estômago se contraiu. E isso não posso dizer que tenha sido provocado pela expectativa do voo. A criatura abriu as asas tão rapidamente que eu pude ouvir o barulho do vento e num instante, todo o peso do meu corpo estava sendo sustentado por um aperto firme e não mais pela planta dos meus pés.
Nós subimos em movimento vertical. O chão do terraço já estava distante, esquecido e sem importância.
— Abra os braços.
Eu obedeci. Os meus braços e as asas dele estendidos na mesma direção. Voltamos a nos mover, agora em posição horizontal.
O mundo se estendia abaixo de mim, o céu acima. Tudo lá em baixo parecia tão pequeno e frágil. Eu ouvia a música produzida por penas cantando ao sabor do vento. Uma gargalhada scapuliu pela minha garganta num riso fácil. A adrenalina corria pelas minhas veias como cavalos selvagens em campinas nuas.
O vento envolvia todo o meu ser. O único ponto de ligação entre mim e a realidade eram suas mãos em minha cintura. Eu adorava dançar, mas aquilo?! Aquilo era...
Voar e liberdade eram sinônimos que os dicionários haviam se esquecido de catalogar.
Olá, olá!
Asas <3<3<3 simplesmente adoro! Gostaram?
Bjos e até mais.
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Doce Pecado | 1
RomanceO caçador foi enviado para matá-la! Assim como uma tentação é provocante e sedutora, o amor se ofereceu ao jovem Gael Ávila de forma proibida. Agora ele precisa decidir entre ser fiel ao seu povo e assassinar a bailarina, ou se deixar levar pelo qu...