20 - Esse sou eu de verdade

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Sobrevoamos a natureza até pousarmos no pico de um monte. Quando os meus pés tocaram a superfície do chão eu me senti pesada, como se a gravidade tivesse aumentado a minha massa corporal. Cambaleei antes de recuperar o equilíbrio.

— Foi a coisa mais incrível e magnífica que eu já fiz na vida! — dei dois giros com os braços abertos. Olhei para ele, já com a camisa no lugar. — Como, você sendo alguém que vive nos ares, consegue pousar e voltar simplesmente a... caminhar? — qualquer resposta seria insatisfatória para a minha mente extasiada.

— O solo faz com que me sinta normal. E como pretendo ficar por aqui, isso é bastante útil.

— Não vai voltar para o seu mundo?

— Não. — ele pegou a minha mão e beijou o pulso. — Conheci uma pessoa — outro beijo, agora na parte de dentro do cotovelo. —, que me encantou completamente.

Ele me beijou de forma doce, delicada. Um beijo cheio de ternura. Deslizei as mãos sobre o seu peito. Um suspiro de prazer ecoou de sua garganta. Ele me puxou para mais perto. O peso daquele abraço ao redor do meu corpo me esmagava. E isso era bom. Me dissolvi naquele laço.

— Você tem cheiro de flor. -- o seu hálito quente arrepiava a minha pele.

— Eu tomo banho todos os dias.

Ele riu.

— E gosto de flor. Não é culpa do sabonete, carissimi.

— O é 'carissimi'?

Ele afagou o meu pescoço com a ponta do nariz. Os lábios me faziam cócegas enquanto pronunciavam:

— Significa querida.

Gael me contou histórias do seu lar. Eu adoraria conhecer, mas não podia ir lá porque humanos não eram aceitos. Teria que me contentar com a imaginação. O tempo voou.

— Precisamos voltar antes do céu clarear.— suspirou.

— Já?! — a decepção saiu escancarada no tom de voz.

— Te trago de novo. — ele me abraçou. — Quantas vezes quiser, mas agora vamos para casa.

— Você não vai tirar a roupa primeiro?

Ele foi pego de surpresa e eu comecei a rir. Ele ficou balançando a cabeça para mim, como se eu tivesse dito algum ultraje!

— E depois, quem não presta sou eu. — ele tirou a camisa e libertou as duas asas maravilhosas.

Estendi a mão e dessa vez toquei o peito morno despido, apreciando a firmeza e o calor sob minha palma. Um leve espasmo o percorreu. Dei um tapinha na ponta do seu nariz.

— Respire! — e me afastei rindo.

Gael estava se esforçando para parecer ofendido. Sem sucesso.

— Por que não restauramos o equilíbrio aqui desfeito? — ele começou. — Precise de ajuda para se livrar de suas peças?

— Não existe equilíbrio porque eu não tenho um par de asas, portanto, vou ficar com todas as minhas roupas.

— Muito esperta. — ele me virou, colando o corpo à minha espinha. Me prendendo pela cintura, ele disse no meu ouvido: — Mas você só venceu uma batalha, não a guerra.

O peso do meu corpo não era mais sustentado por mim e o chão não era mais sólido sob meus pés. Passamos acima da copa das árvores, perto o bastante para eu poder tocá-las. Eu era uma folha de papel adejando no ar.

Quando pousei no terraço, a cidade ainda dormia, mas já podia ver os primeiros sinais da manhã. Escolhi o local ideal e me apoiei no parapeito, observando o horizonte. Senti dois braços sendo enroscados ao redor do meu corpo.

— Olha. — apontei o ponto distante.

Ele esperou pacientemente enquanto o azul se tornava cada vez mais claro, até ser borrado por um tom terroso de laranja avermelhado. Uma faixa branca começou a sair preguiçosamente de trás da terra, se deformando lentamente em um meio círculo, alterando todas as nuances ao seu redor. O laranja se diluiu, agora um tom de rosa desbotado. A esfera completamente branca se preparou para alçar voo no céu violeta lavado.

O céu clareou, dando início a um novo dia.

— Sempre venho assistir o sol nascer quando as coisas não andam bem. Me ajuda a pensar, me dá esperança. É como se... existisse uma promessa velada de que ia ficar tudo bem. Não importa o quão longa seja a noite, o sol sempre repõe a lua.

Ganhei um beijo apertado na bochecha.

— De agora em diante, é o meu momento preferido do dia.

— Preciso ir. — me desvencilhei com relutância do calor daquele corpo.

— Acompanho você.

— Não! Eu vou sozinha. — respondi em direção às escadas. — O meu pai não pode te ver.

Gael travou a porta de acesso à escadaria apoiando-se nela.

— Então eu sou um segredo?! — ele parecia contrariado, com uma sobrancelha levantada.

— Não exatamente. — tentei empurrá-lo ra longe da porta, mas era pesado! Ele cedeu e me deixou passar.

— Também preciso descer para sair do prédio, não posso ir voando agora. — disparou, como se já soubesse que eu ia reclamar.

— Mas eu vou primeiro, depois você vai.

— Por que isso?

— Porque sim! — se o meu pai me visse com ele, chegando em casa quase sete da manhã... funeral na certa! — Eu vou. Você fica.

Ele emburrou a cara e cruzou os braços.

— Eu tenho asas, não rabo! Posso ser confundido com um pássaro, não com um cão!

Soltei uma risada sem querer, o que só fez piorar a carranca. Segurei o seu maxilar e lhe dei um beijo estalado. Ele baixou a guarda.

— A gente se vê na escola.

Ele não desceu atrás de mim. Quando coloquei a mão na maçaneta da porta o meu pai apareceu.

— Bom dia, Alma. Estava sozinha no terraço?

— Estava.— comecei a suar frio. — Coreografia nova.

— Você vai arrasar! — ele me deu um beijo e saiu para o trabalho.

— Tchau, pai. — respirei aliviada. Vamos manter o garoto alado longe do papai.

Me joguei na cama. A felicidade tem cor. Ela é verde e dourada, a mesma cor dos segredos que Gael Ávila carrega no olhar. 

Olá a todos! 

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Olá a todos! 

Até o próximo capítulo, onde contarei um pouquinho mais sobre o ex da Isabel, o Pedro. Vamos ver o que vocês vão achar dele. Fui!


Doce Pecado | 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora