4 - Proximidade

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No início de abril fui ao mercado comprar o que faltava para o jantar. A rotina calma e tranquila seguia o ritmo de sempro, no entanto, uma coisa tinha mudado: eu não conseguia me livrar daquela inquietação que tinha passado a me seguir por toda a parte. Tinha sempre a horrível sensação de estar sendo observada... Uma palavra subiu subitamente à minha cabeça: perseguida.

— Não seja ridícula, Alma. — disse a mim mesma, mas não consegui evitar olhar mais uma vez por cima do ombro. Sacudi a cabeça para afastar os fantasmas. — Melhor que não seja um ladrão. — balbuciei. — Eu sou pobre, para ele levar alguma coisa, vai ter que ser as roupas do meu corpo! E seria péssimo ter que desfilar pelada por aí.

Entrei no estabelecimento e me senti mais relaxada. Eu precisava parar com aqiulo. Por que alguém estaria atrás de mim? A sensação desconfortável que passara a ser minha sombra tinha chegado junto com o aluno novato.

Confesso, com certa dose de vergonha, que eu corria os olhos casualmente na escola tentando encontrá-lo. O seu olhar oscilava de humor, ora era curioso, quase tímido, ora se endurecia como ferro. Algumas vezes ele não se dava conta de que estava sendo observando e eu conseguia vê-lo sorrir. Esses eram os melhores dias. Mas a maioria das vezes ele estava sério, dentes trincados, um lábio levemente repuxado. Um toque sutil de desprezo. O olhar escuro como a morte. Esses eram os piores dias.

Eu tinha certeza que ele me odiava. Mas por que?! Com frequência me flagrava pensando nele. Talvez eu devesse realmente me apresentar. Se ele não gostava de mim tinha que ter um motivo. Não! Era melhor só ignorar mesmo. Ele era muito estranho! E gente estranha não merecia atenção.

Então para de pensar nele! Repreendi a mim mesma enquanto observava os produtos ao longo do corredor. Me aproximei da prateleira central.

Senti alguém bufando em meu cabelo. O coração pulou para a boca. Virei e olhei em volta. As pessoas que mais próximas de mim eram uma mulher segurando o filho pequeno e um idoso com dificuldade para ler o rótulo de um frasco.

Agora eu estava imaginando coisas. Suspirei com desgosto, conferi se não tinha esquecido nada e me dirigi ao caixa. Duas pessoas à minha frente, um rapaz lindo se inclinou para trás para me encarar melhor. Uma expressão agressiva bem familiar.

A cara amarrada indicava que aquele era um dos dias ruins. Desviei o olhar, mas podia perceber pelo canto do olho que ele não ia parar. Era difícil encará-lo, mas também era difícil ignorá-lo. Estava cogitando trocar de fila, mas aí, uma raiva súbita me inflamou.

Ele que vá à merda! Era só o que faltava! Ter que aguentar aquela intimidação na escola já não era o bastante?! O indivíduo chegava a bufar quando eu passava! Se ele não gostava da minha presença, ele que trocasse de fila!

O rapaz saiu sem esperar o troco, mas não sem antes me furar uma última vez com a carranca.

Agora chega! Fui atrás dele. Já estava entrando na rua lateral quando o chamei.

— Ei! Você ai! — ele continuou andando sem dar a mínima atenção. — Qual é o seu problema? Além de mal-educado também é surdo?

Ele estacou e eu também, alguns passos atrás. Uma certa distância não faria mal. Ele não respondeu e não se virou. Estava rígido. Achei que fosse ir embora sem nem olhar para trás, então acrescentei:

— É uma pena. Gastar tanta beleza em alguém tão estúpido!

Ele se virou com olhos semicerrados e rosnou para mim:

— O que você quer? — uma voz poderosa e quente, grave e áspera. Combinava com o dono.

— Por que você me odeia? Nem sequer me conhece! — tentei me apegar à raiva que me dava coragem.

— Não conheço, Srta. Ferraz? — um sorriso de puro escárnio.

— Me conhece? De onde?

Ele deu uma risada seca.

— Sempre tão previsíveis, tão influenciáveis. Só porque eu sei o seu nome não quer dizer que eu saiba quem você é. — debochou. — E não leve para o lado pessoal — ele me mediu de cima a baixo. — , você não é especial o suficiente. Não é você que eu odeio e sim aquilo que você é!

Não esperou para ver minha reação. O desprezo doeu, muito, mas essa ferida eu poderia lamber mais tarde. Aquilo que eu sou? O que eu sou?

Ouvi uma voz de alerta milésimos de segundo depois de os meus pés já terem começado a se mover: a curiosidade matou o gato.

— Do que você está falando? — exigi.

Ele fechou o espaço entre nós num ápice. Estava com o rosto a centímetros do meu. Dava para sentir o sopro quente do seu hálito quando ordenou:

— Não me siga!

Duas íris inundadas por um mar verde, com profundos pontos dourados invadiram a minha visão. Uma ponta de medo começou a fazer cócegas no meu estômago. Dei dois passos para trás. Um dos cantos de sua boca se curvou para cima. Ele estava gostando de me intimidar. Isso me irritou. Muito. A coragem, dama de companhia de sua alteza, a raiva, chegou logo atrás.

— A rua é pública. Não pode me impedir de ir a lugar nenhum. — respondi com a voz firme.

Ele deu uma boa olhada ao redor, de forma calma e tranquila. Devolveu o meu olhar de desafio e respondeu:

— Não parece muito pública agora.

Então reparei que havíamos nos afastado bastante da rua principal. A iluminação ali era fraca. Deserta, mais parecia um beco do que uma rua. Nem um pouco pública. A voz profunda acrescentou:

— Vamos dificultar um pouquinho as coisas para mim.

O medo, que só tinha mostrado os dedos antes, escarneceu na minha cara. Não foi preciso ver a escuridão da ameaça em seu rosto sombrio, nem ouvi-la em sua voz. Eu a senti na alma.

— Vá embora.

O grunhido foi tão baixo que não tenho certeza se realmente ouvi isso saindo da boca dele ou sendo berrado pelo meu cérebro. Em dois tempos estava fora daquele lugar.

De volta à rua principal, eu tremia. Olhei para trás. A silhueta tinha desaparecido.

Terminei as compras e fui direto para casa, o mais rápido que pude, olhando em todas as direções e sempre checando por cima do ombro.

Quem era aquele estranho sombrio? E porque não saía da minha cabeça?

Quem era aquele estranho sombrio? E porque não saía da minha cabeça?

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Olá, olá! 

Estão gostando? Espero que sim! Bjos e até à próxima.

Doce Pecado | 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora