17 - Um acordo

2K 321 116
                                    


O rosto dele era sempre o primeiro pensamento do meu dia. Gael. O estranho lindo em quem a minha mente estava se perdendo velozmente.

A aula de matemática estava quase acabando e a turma já estava barulhenta, ainda assim escutei praguejos baixos vindos da carteira de trás. Encontrei um Gael muito emburrado que encarava o caderno com o cotovelo apoiado na mesa e a mão segurando a cabeça.

— Não gosta de matemática?

Ele me notou e ajeitou a postura, sentando-se ereto.

— Por que deveria gostar? Não tem beleza alguma! É feio, chato e sem sentido. — ele olhou com desprezo para o caderno. — Os números jamais chegarão aos pés das letras! Como poderiam ângulos e triângulos, senos e cossenos competir com "Ainda que efêmeros, os amores proibidos compensam o tempo curto com intensidade." — ele me olhava com cobiça. — As palavras têm vida, sentem, sussurram, inspiram, respiram, suspiram. Elas nos conduzem ao paraíso, os números — desprezo outra vez —, ao inferno!

Aquele rapaz tão lindo e tão estranho me fazia sonhar acordada e sentir coisas que eu preferia não nomear. Estaria ele jogando comigo?

— Mas eles ganham em uma coisa. — respondi.

— Que seria? — Gael perguntou com descrença, arqueando uma sobrancelha.

— Eles nunca mentem. As palavras podem esconder, encobrir, trair, enganar. Os números sempre nos dizem a verdade... seja ela qual for.

Ele me analisou com cuidado por um longo tempo.

— Eu nunca menti para você. — concluiu.

— Mas também não está sendo sincero. Vai dizer que não está escondendo nada de mim? -- ele baixou os olhos sem me dar uma resposta sonora. — Você me confunde e não sei se acha que estou entendendo ou se faz isso de propósito. Você deixa um rastro de lacunas por onde passa.

— Você não vai gostar.

— Isso cabe a mim decidir. Você e eu, precisamos aprender a conversar. — devolvi e ele me olhou por entre os cílios. — Por que está rindo?!

— Você e eu... gosto disso.

— Está tentando desviar do assunto.

— Não estou. Estou praticando ser sincero. Gosto de você. Mais do que deveria. E é provável que não saiba disso, então... responderei às suas perguntas, em troca... tenta confiar em mim.

Um acordo?

— Hoje está brincando de ser o médico... e amanhã? — perguntei.

O sinal tocou anunciando o fim da última aula do dia. Os alunos começaram a sair. O burburinho das conversas explodiu.

— Não estou mais brincando, Alma. — a expressão dele não escondia segredos. Parecia sincero.

Eu queria muito saber mais sobre ele.

— Feito. — esperava não me arrepender desse acordo depois. — Verdade para mim, confiança para você. Quando começamos?

— Te pego no final das aulas dessa tarde. -- pegamos nossas mochilas e saíamos da sala. — Quer almoçar comigo hoje?

Gael sempre desaparecia depois do da última aula. Ele não tinha aulas à tarde, por isso não almoçava no refeitório da escola.

— Quero. -- Isabel estava no shopping com a mãe. De vez em quando ela faltava à aula em nome de um dia de mãe e filha. -- Onde você almoça?

— Em casa.

Opa.

— Mas você mora sozinho. — olhei para ele desconfiada.

Ele abriu um sorriso inocente. Não me convenceu muito não.

— Acha que não sei cozinhar? — devolveu.

— Não é isso.

— Então o que é?

— Nada. Para onde vamos hoje?

— Eu acabei de dizer que sei cozinhar. — respondeu com um sorriso bem largo e eu olhei bem para a cara dele. O sorriso só ia ficando cada vez maior, crescendo até se transformar numa risada. — Eu só estava brincando! Tudo bem. Você pode escolher. Mas a minha casa ainda é uma opção, deveria considerar.

— Que graça! Não sou desse tipo, fique você sabendo.

Ele deu de ombros ainda rindo.

— Tentar não custa, não é mesmo? Para onde então, senhorita?

Como tínhamos combinado que ele responderia às minhas perguntas no final da tarde, era minha vez de falar. Gael queria saber sobre a minha família, meus sonhos, minhas expectativas, sobre coisas que eu gostava, coisas que eu odiava. Enfim, o estranho lindo queria saber de mim.

Conversar com ele era fácil e natural. Gostei disso. Ele me fez companhia até a hora da aula de ballet. Segurou a porta aberta do setor de dançpa para mim.

— Não quer entrar? Pode assistir se quiser. — os alunos podiam assistir aulas fora de suas modalidades se quisessem.

Ele pigarreou.

— É melhor não.

— Não gosta de dança?

— É uma arte linda.

— Mas...? — esperei curiosa.

— Não gosto do seu amigo.

— Que amigo?

— O que dança com você.

— John?! Você o conhece?

Ele suspirou.

— Você faz muitas perguntas. É melhor entrar. Vai se atrasar. Conversamos depois.

Ele tinha razão. O início da verdade me aguardava com paciência ao cair da noite, toda enfeitada de realidade e fantasia!

------------------------------------

"Ainda que efêmeros, os amores proibidos compensam o tempo curto com intensidade." 

Luiz Roberto Bodstein

Luiz Roberto Bodstein

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.

Olá, olá!

Não esquece da estrelinha. Bjos e até a próxima!

Doce Pecado | 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora