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|| Ruby ||

Observava divertida todas as pessoas que corriam de passeio para passeio a poucos metros de mim, com as minhas pernas penduradas no parapeito da janela velha, enquanto um cigarro era agarrado pelas minhas esguias mãos, queimando a cada segundo que passava. Várias substâncias já apagadas rodeavam-me e estragavam a madeira velha à minha volta, assim como a garrafa de vodka que tinha entornado há poucos minutos, que se espalhava e pingava para a varanda de baixo, que pertencia a uma idosa caquética que provavelmente iria fazer barulho por causa da bodega, mas não queria saber disso para nada neste momento.

A droga que encontrara na bolsa da Abi tinha-me totalmente dado a volta à cabeça, fazendo com que chorasse e soltasse gargalhadas constantemente sem tomar conta das minhas emoções. O meu corpo desfalecia com o enorme buraco que se abria no meu peito e o som constante do meu telemóvel a tocar fazia-me querer atirá-lo, mas desta vez para o meio da estrada, no entanto tenho a noção que não iria ter dinheiro para comprar outro.

Estava farta. Farta da merda de vida que tenho. Eu nunca tive sorte, nem a mínima felicidade fez, desde demasiado cedo, parte do meu dia-a-dia. Tinha 12 anos e acordava diariamente as 6 da manhã para ir poder vender as coisas que roubava das salas do orfanato, conseguindo assim ganhar dinheiro suficiente para comprar cigarros, coisa que não tinha autorização para consumir. Fui expulsa de 7 escolas, 3 delas por agredir crianças da minha idade e cheguei mesmo a partir a cabeça a uma rapariga deixando-a com um grave problema de saúde por lhe ter dado com uma cadeira pesada no meio da testa. Outra das vezes, tinha 14 anos, e roubei várias garrafas de álcool de uma loja de conveniência, vendi-as, e com o dinheiro consegui comprar uma faca, que me serviu para esfaquear um rapaz que me tentou violar. Não tinha orgulho em dizer, mas já passara várias noites detida na tentativa de ver a minha vida fugir-me pelos dedos mas de alguma forma o meu assistente social arranjava sempre dinheiro para me tirar dos sítios imundos onde ia parar.

Haviam quinhentas histórias na minha vida que a maioria dos jovens nunca pensara, se quer, viver alguma vez na sua. Eram famílias adotivas que me rejeitavam, casas queimadas, vidros partidos, roubos e roubos sem fim, caras de descontentamento ao ver a minha ficha em que quase me conseguia considerar uma criança criminosa. Mas, inexplicavelmente, desde os meus 16 anos decidi que queria ter uma vida além do crime, e dediquei-me ao máximo para conseguir sair daquele local imundo com Abigail, coisa que foi conseguida com meses e meses e trabalho comunitário.

Mas neste momento todas essas coisas estavam no passado.

Apesar de todas as coisas terríveis que já tinha vivido, a dor que sentia agora ao saber que o rapaz em quem começava a confiar me mentira, superava qualquer uma das que já passara durante os últimos anos. Porquê? Eu tinha uma explicação.

Sentimentos nunca fizeram parte de mim, nunca me dei ao trabalho de agradar a alguém, mas desde o beco escuro da discoteca, desde o dia em que ouvi a sua voz, tudo mudou. Eu podia negar, podia dizer que ele não significava nada para mim, mas só estaria a mentir para mim própria e mentiras era algo que não suportava neste momento. E por isso mesmo é que eu estava totalmente destruída.

Agarro na garrafa de uma bebida alcoólica desconhecida por mim, ainda por enxertar e não me dou ao trabalho de verificar o nome da substância antes de a abrir e levar uma quantidade significativa para dentro do meu organismo. Sabe mal, arde como a porra, e cai no meu estômago como um enorme peso insuportável prestes a ser vomitado pela minha garganta, mas repito o gesto nada agradável.

Eu queria esquecer tudo, queria esquecer a minha vida, queria esquecer Calum e queria fingir que nunca o conhecera. Queria fingir que o mundo à minha volta não existia, e sabia que não isso não ia ser muito difícil para mim.

Hopeless || {C.H.}Where stories live. Discover now