10.

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|| Ruby ||

Caminho pela rua o mais apressadamente que consigo mal saio do autocarro cheio e esforço-me ao máximo para me concentrar no chão, assim ninguém me via chorar. A minha cabeça ainda me incomodava e a cada segundo que passava as costas também ameaçavam doer, talvez pelo tempo infinito que tive de ficar a pé no transporte público.

Só tinha vontade de me enfiar num pequenino buraco e retirar-me do mundo durante dias, meses ou mesmo anos. Ao contrário do que pensei, sentia-me pesada e arrependida por todas as minhas atitudes nas horas passadas, sentia-me arrependida pelo que tinha feito a Lizie, mesmo que ela fosse uma idiota materialista e sentia-me triste por ter deixado o único rapaz que me interessara nos últimos anos fugir. Tecnicamente fora eu que o afastei mas não conseguia deixar de pensar que ele me podia ter agarrado e teríamos um daqueles momentos clichês de filmes.

Mas vocês nem se conheciam minimamente idiota. A voz irritante volta a falar dentro de mim e bato-me mentalmente irritada com as observações a que tenho sido submetida todo o dia. Mas será que toda a gente tem estes seres impertinentes dentro da cabeça?

Chuto uma pedra no monótono passeio e esta bate numa porta fazendo-me finalmente levantar o olhar quando me encontro contra a velha porta de madeira que dava entrada para o meu prédio. Abro esta com facilidade sem ter que forçar a chave e um bom dia é proferido da voz da mulher simpática que trabalhava já na administração do prédio há demasiados anos mas não tenho força suficiente para responder. Provavelmente ia desfazer-me num choro ou a minha voz ia mais identificar-se mais com um guincho do que com verdadeiras frases. Subo todas as escadas rapidamente sentindo o peso da mala sobre o meu ombro a tornar-se cada vez incomodativo e um suspiro de alívio sai por entre os meus lábios ao perceber que estava sozinha no apartamento. Não podia encontrar a Abi agora mesmo que ela estivesse à minha procura.

Corro até à minha cama ainda desfeita da pressa da manhã e enterro a minha cara na almofada branca deixando todo o desespero sair de dentro de mim, a minha garganta arranha dos gritos pesados que são forçados através dela e as lágrimas são demasiadas para o tecido absorver mas mesmo assim deixo-me desfazer, perdendo a noção do tempo e do mundo pelo que parecem horas.
Desejava poder ser uma pessoa normal, sem um feitio estranho e uma dificuldade em aceitar qualquer tipo de pessoa na sua vida.

Eu não tinha qualquer fundamento para viver, era apenas um ser que fingia que ouvia o coração bater e que andava sem sentimentos de um local para o outro rezando para que ninguém notasse no seu verdadeiro sofrimento. Admito que sou fria, não posso dizer que não, mas a vida ensinou-me a ser assim sem me dar qualquer hipótese do contrário. Os dias demoravam a passar, ninguém conseguia perceber o quão mal eu estava mas eu nem se quer tinha ninguém suficientemente chegado para notar isso, a única verdadeira pessoa na minha vida era afastada por mim e eu arrastava-a ao máximo sempre que ela tentava saber mais sobre mim. Pelo menos ela não fazia mais perguntas, talvez por saber todas as respostas, e tentava sempre animar-me mesmo que sem efeito 99% das vezes.

Era horrível desfazer-me aos pedaços assim, deixar o meu muro e postura forte caírem tão facilmente e apenas por causa de ter na cabeça ideias de que poderia a vir ser uma pessoa normal. Eu era sensível, demasiado sensível, e por mais que tentasse mudar não conseguia nunca ser alguém verdadeiramente forte. Não interiormente. Eu era alguém sem esperança.

Sinto o telemóvel vibrar dentro do bolso do casaco e desperto-me da escuridão em que estou envolvida inspirando e expirando fortemente antes de limpar a àgua salgada que se espalhava por toda a minha cara. O aparelho volta a vibrar sem me dar tempo de ver a primeira mensagem e suspiro em aborrecimento com a insistência da pessoa mas o meu coração parece congelar ao ver o nome do Calum estampado entre os pixeis do telemóvel. A minha respiração fica presa na minha garganta fazendo uma enorme insegurança crescer dentro de mim sobre dever ou não abrir a comunicação do rapaz de olhos negros. Talvez não fosse boa ideia.

Hopeless || {C.H.}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora