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|| Ruby ||

O meu coração salta e bombeia sangue tão rápido para todos os cantos do meu corpo que sinto que posso explodir a qualquer momento com o meu organismo a ter reações tão fortes às palavras da doutora. Salto para cima de Calum num abraço assim que a morena acaba de falar e tanto eu como ele transmitimos uma clara e pura felicidade, com ligeiras gargalhadas a arranhar as nossas gargantas.

"Foi quase um milagre, honestamente."  A rapariga prossegue assim que o nosso abraço acaba, também ela com um sorriso na cara. "Apenas umas semanas e as lesões estarão recuperadas para a permitir deslocar-se até onde quiser. A questão da dança talvez será mais complicada, mas a fisioterapia vai ajudar de certeza."

Paro. A minha cara volta a ser séria durante uns momentos.

"Ela vai poder voltar a dançar, certo?"

"Esperemos que sim. É uma questão a analisar após tirarmos o gesso da perna e do braço."

Por um segundo quero abraçar e mulher à minha frente, mas o meu raciocínio básico leva-me a pensar que talvez não seja uma boa alternativa, visto que ainda à alguns momentos atrás estava a morrer de raiva pela falta de informações que nos foi transmitida ao longo do dia. No entanto, não posso deixar de agradecer pela cuidado com Abi (que espero ter sido muito melhor do que o nosso) e após poucos mais esclarecimentos sobre o estado da minha amiga, ambos somos conduzidos até um corredor paralelo, onde poderíamos visitar Abigail.

"É o quarto 708, do lado direito" a doutora diz no início do estreito local totalmente idêntico ao que estávamos anteriormente e agarro na mão de Calum com toda a força que possuo, arranjando toda a coragem para conseguir encarar a realidade que Abigail podia estar a enfrentar, apenas a uma porta de distância de mim.

"Tu consegues." Calum sussurra "eu sei que sim."

Aceno com a cabeça e junto os nossos lábios, respirando todos os pedaços daquele beijo como se fosse a coisa que eu mais necessitava na minha vida.

O som relativamente alto da máquina de soro a transmitir o líquido até todo o corpo de Abigail é a primeira coisa que distingo ao atravessar a porta pesada do seu quarto e, ao contrário do que estava á espera, Abigail não se encontra inconsciente nem cheia de negras por toda a cara ou gesso em todos os membros do corpo. Aliás, apesar de parada, consegue ver-se a sua inquietação pelo solidão enquanto dança com os dedos um contra o outro a uma alta velocidade, prova da sua sanidade mental.

A cama branca tem apenas um apoio para a sua perna estendida, engessada desde o pé até ao início da coxa e os arranhões do lado esquerdo da sua face (a única que me é permitida ver) parecem fundos, com uma cicatriz de aproximadamente 5 centímetros coberta por pontos na sua bochecha e a sobrancelha também aberta.

"Ruby?" a sua voz rouca sussurra assim que me vê passados alguns segundos e caminho o mais depressa que posso até ela, apenas agarrando a sua mão com força em vez de a abraçar e magoar em músculos provavelmente doridos. "C-como é q-?"

"Um carro de grande porte foi contra ti, mas parou assim que bateste contra ele por isso os danos não foram muito grandes. Estás bem, vai ficar tudo bem." Um sorriso nasce nos meus lábios tentando transmitir a maior segurança para a minha amiga e ela sorri também, embora mais fracamente do que eu.

"Eu lembro-me de discutir com o Ash, da tua chamada... Não sei, parecem tudo nuvens dentro da minha cabeça." A sua expressão contrai-se assim que leva a mão até ao topo da testa, onde também tem outra cicatriz e um ligeiro gemido sai dos seus lábios, tremendo.

Calum chega até mais perto de mim, entrando também no quarto e coloca-se atrás de mim, agarrando a minha anca de um dos lados.

"Essa perna vai demorar a recuperar Abi, por isso podes esquecer ter companhia na cama no próximo mês" O moreno diz divertido e Abi ri-se, revirando os olhos.

"És mesmo parvo."

Empurro o rapaz para trás com a anca, ainda a rir-me também mas a sua força sobrepõe-se à minha e por isso poucos segundos depois voltamos à mesma posição. Agora que tinha oportunidade de ver todas as marcas do acidente no corpo de Abigail podia distinguir que o embate tinha realmente sido forte, coisa que se via principalmente pelos seus braços negros, que provavelmente estariam iguais a todos os sítios do seu corpo cobertos pela bata do hospital. O olho que antes não estava à minha vista continha uma grande negra na parte exterior e apesar de parecer tranquila, Abi devia sentir umas dores terríveis por todos os lugares do seu corpo. Mas mesmo assim mantinha um pequeno sorriso.

"Desculpa por não ter falado contigo desde que voltamos e desculpa por te ter preocupado. Se não tivesse tido aquelas atitudes parvas e orgulhosas nada disto tinha acontecido."

Inspiro, retendo o ar todo nos meus pulmões. Ouvir a morena a dizer isto, após ter passado as últimas semanas a pensar no que poderia estar a acontecer a todos os segundos deixava-me tão aliviada, um peso saía de cima de mim tão bruscamente que a felicidade era demasiada para me impedir de ter vontade de saltar.

A Abigail desculpava-me apesar de eu não o merecer. Continuava vezes e vezes sem conta a martirizar-me sobre tudo o que tinha acontecido no outro lado do mundo, tudo o que a nossa vida podia ser agora se eu não tivesse bebido nem beijado o namorado da minha melhor amiga. Porque eu causara, de certa forma, todas as coisas más que estavam a acontecer neste momento e apesar de as coisas com Calum terem corrido bem, ou pelo menos ele me mostrar que fazia questão de apagar aquilo da sua cabeça, eu sabia que nem tudo estava bem.

"Eu é que tenho de pedir desculpa, a vocês os dois." Suspiro. "Sou a culpada disto tudo e só posso agradecer por vos ter comigo, mesmo que tenha sido uma pessoa horrível e sem consciência."

Calum desvia o olhar quando tento manter contacto visual mas Abigail sorri, agarrando uma das minhas mãos.

"Eu esqueço esta imensa confusão e tudo o que aconteceu, a sério que sim." O seu sorriso aberto aquece rapidamente o meu coração. Ter pensado durante todas estas horas que a última conversa que teria com a minha melhor amiga era sobre contas da casa e a nossa falência monetária deixava-me completamente revoltada comigo mesma. "E tu também, certo Calum?"

"Claro que sim." A sua voz grave vibra contra as minhas costas. "Já tinha dito que sim."

Sorrio mais uma vez, abraçando o rapaz atrás de mim antes de deixar um longo beijo na testa de Abi.

Não sei quanto tempo passa até decidirmos que é hora de irmos embora e Ashton aparecer, mas o tempo parece passar rápido com toda a conversa que se forma naturalmente alguns segundos após o silêncio da minha amostra de carinho. Falamos sobre praticamente tudo, o equivalente a umas semanas sem comunicarmos uma com a outra, e quando o nome de Joseph vem a propósito da conversa das audições, Calum parece ficar bastante tenso, perguntando sobre tudo e mais alguma coisa sobre a origem da nossa amizade. No entanto, após uns argumentos e outros, conseguimos convencê-lo que o loiro era inofensivo e nada do que ele pudesse fazer ia alguma vez separar a nossa relação.
Reconciliar-me com Abigail era como renascer das cinzas, era algo que eu precisava tanto e sentia tanta falta que qualquer que fosse a coisa que viesse nos próximos dias não me iria deitar abaixo, porque eu tinha-a por garantida como meu apoio e felicidade.

Ou pelo menos era isso que eu pensava.

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Odeiem-me outra vez,

Eu deixo.

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⏰ Last updated: Sep 14, 2015 ⏰

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Hopeless || {C.H.}Where stories live. Discover now