Capítulo 54

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Marisa Vilarela

-- Sófia - falei assim que nos separamos do abraço. -- senti sua falta.

Sófia foi uma das minhas amigas no ensino médio, eu nunca fui de fazer muitos amigos mas com ela eu me dei muito bem.

-- Eu não sabia que você voltaria... - disse sorrindo, mas sua expressão facial mudou repentinamente -- você ficou quase 1 ano sem falar comigo, foi embora e me esqueceu não é?

-- Eu não me esqueci de você... - me interrompeu.

-- Eu perdoo, e não quero lhe dar a chance de se explicar, talvez isso te obrigaria a mentir para mim ou talvez eu fosse me machucar com a sua justificação. - ela estava certa.

-- Então podemos deixar isso para trás? - sugeri.

-- Claro que sim! - respondeu com um sorriso enorme no rosto e me abraçou. -- Como está a sua mãe? Fiquei sabendo que ela esteve doente.

-- Ela está bem, aparentemente.

-- Espero que continue assim. Resolveu trabalhar no lugar dela?

-- Sim, estou precisando de dinheiro para pagar a universidade e talvez um lugar para ficar.

-- E a casa dos teus tios? Lá onde esteve esse ano?

-- Eles... É engraçado... Perderam tudo. - a expressão no rosto de Sófia mudou.

-- Como assim?

Contei tudo para ela que me ouvia atentamente, enquanto conversava com ela atendia a algumas clientes que apareciam. Graças ao trabalho como garçonete aprendi a lhe dar com melhor com os clientes. Minha amiga de escola passou o resto da tarde comigo.

-- O que vai fazer no final de semana? Sábado, para ser mais específica. 

-- Nada de útil, talvez eu venha trabalhar. Porquê?

-- Acho que poderíamos ir a praia, não sentes falta? - Sófia sorria com a possibilidade de sair junto comigo -- podemos chamar o Stelio e Jaime connosco. - o sorriso no rosto de Sófia aumentou ainda mais.

-- Claro que não, só nós duas é ótimo. - respondi sem graça.

O nome Stelio me trazia algumas recordações.

-- Por causa dele? - provocou.

-- Vamos esquecer essa ideia, ou vamos só nós duas, ou não vou.

-- Marisa! A mesma chata de sempre - revirou os olhos. -- iremos só nós duas então. - concordou de cara amarrada.

...

Já fazia um mês desde que voltei de viagem e até aquele momento não havia nenhuma esperança de que poderia voltar para Maputo e continuar com os meus estudos, o ano estava quase terminando e em pouco tempo teria de tomar a decisão final.

Roberta e Miguel se comunicavam comigo frequentemente pelo celular e era bom, podia matar as saudades. Bruno não fica de fora, ele ligava e me escrevia sempre, avisou que em poucos dias voltaria para Maputo, ele achava que eu ainda estava lá, o que lhe causou uma terrível decepção.

Sófia tem sido minha companhia diária, ela geralmente não tem muito o que fazer durante a tarde então aparece no mercado para me fazer companhia.

Trabalhei arduamente em todo esse tempo, mas não consegui dinheiro suficiente para alugar uma casa na capital, estava desesperada porque em menos de dois meses as aulas iriam reiniciar, talvez eu devesse mesmo trancar a faculdade.

Minha mãe tem ficado doente com mais frequência o que tem nos causado muitas preocupações e mais despesas com o hospital e medicamentos. Meu pai nunca quis contar o que realmente acontece com ela, mas eu começava a desconfiar das queixas de dores de cabeça e sua perda de cabelo e peso. Minha mãe estava muito mal e aquilo nos assustava.

Voltei mas cedo do trabalho, com minha mãe tão doente eu tinha que ajudar com o jantar enquanto meu pai trabalhava em sua pequena loja.
Cheguei em casa e fui correndo arrumar a mercadoria para ir a cozinha.

Resolvi passar no quarto da minha mãe para ver como ela estava, mas ao me aproximar percebi que falava ao celular. Resolvi recuar até que ouvi um nome muito familiar: -- George, sua esposa sabe que está falando comigo? - será o George que eu conheço? -- Já passam 27 anos, supera isso por favor... Olha eu não tenho muita paciência está bem? Ordeno que não me volte a ligar. - e então ela terminou a ligação e olhou para a porta do quarto dando se de cara comigo.

Nossos olhares se encontraram e ela ficou perplexa. Me virei e saí andando até a cozinha fazer o jantar.

Eu não entendi o que aconteceu e não sabia se deveria perguntar, mas aquilo foi estranho de mais, eu não sabia se conseguiria dormir depois do que ouvi.

Terminei o que fazia e então fui até a sala de estar para ver televisão e descansar um pouco. Minha mãe estava ali sentada sozinha olhando para o horizonte como se visse alguma coisa.

-- Filha, que bom que esta aqui. - olhei para ela um pouco confusa -- vá até o quarto, pegue numa esteira e algumas capulanas e leve para fora.

-- Porque?

-- Vamos nos deitar lá fora por algum tempo e olhar as estrelas.

-- Esta bem mamã!

Fiz o que minha mãe pediu e aproveitei para pegar duas almofadas. Chamei ela assim que terminei e ela saiu da casa, caminhou até a esteira, descalçou os pés e se deitou de costas.

-- Deite-se aqui minha filha! - pediu polidamente. Obedeci. -- Olha como o céu está bonito, sem nenhuma nuvem e várias estrelas. - olhei o seu como ela pediu. -- minha filha, eu fiz coisas erradas no passado, e essas coisas agora me perseguem... Olha para mim agora, estou doente e sinto que minha morte está próxima, será que é esse o meu pagamento?

-- O que esta falando mãe?

-- Mesmo que esse seja o meu pagamento, não estou preocupada, afinal de contas, eu vivi vários anos feliz ao lado do melhor homem do mundo e tendo a filha mais bonita.

-- Mamã - chamei!

Ela parecia estar em um tipo de transe, eu não estava entendendo nada, mas estava assustada.

-- Ricardo é o melhor homem que eu conheci, mas ele não me merecia, eu não servia para ele... - a interrompi.

-- Vamos levantar para jantar, não está com fome? ... Pai... - gritei para ele que com certeza me ouviu, pois sua pequela loja não ficava tão distante da casa.

Meu pai espreitou e olhou para nós deitadas no meio do quintal e sorriu.

-- O que estão fazendo aí? ... Sem mim?

-- Viemos ver as estrelas Ricardo - minha mãe respondeu meio alucinada. -- vem ver connosco.

O comportamento dela me deixava duvidosa, será que ela estava dizendo a verdade ou eram só os efeitos da doença dela, eu não sabia, mas estava muito incomodada.

MARISA - A CamareiraWhere stories live. Discover now