Minha mãe sorriu e entendi que ela havia concordado. Ela nunca insistia em nada, quando eu dizia que estava com dor de cabeça, por que ambos sabíamos, que isso era doloroso demais pra mim. Antes, dormir significava esquecer, mas dessa vez não deu certo. Ao menos, se por acaso a Sammy aparecesse e contasse tudo a ela, simplesmente minha mãe explicaria que eu estava dormindo e já teria esquecido.

Agora preciso começar a gravar. Me motivei animado. Tenho um longo trabalho pela frente. Preciso ler todos os diários, pesquisar alguns assuntos para me explicar amanhã. Encarei a prateleira no meu quarto com mais de 100 cadernos e logo desanimei. É, acho que não vale a pena tanto esforço. Pelo menos minha mãe estava tão feliz. Isso vai ajudar ela a ficar menos sobrecarregada. Por enquanto, isso basta. Peguei alguns diários e comecei a ler, seria uma longa tarde de leitura.

O primeiro diário que li, tinha como título, divórcio dos pais. Dizia que quando eu tinha 12 anos, meu pai me motivou a fazer vídeos. Seu nome era Raul Nobre, pena que de nobre não tem nada. Raul, digo, meu pai... Será que devo chama-lo assim? Enfim, Raul me deu uma câmera de Webcam que anexei no notebook. Assim eu gravava, o que parecia ser, documentários da minha vida. Deve ser por isso que tem tantos pendrives em caixas, em baixo da minha cama. Sempre dei muito trabalho e não queria ter o esforço de ter que gravar, já que eu esqueceria depois. Raul se irritava muito e culpava minha mãe por eu ser teimoso assim, porque ela me mimava demais e não me obrigava a gravar. Ela preferia me lembrar tudo na manhã seguinte. Essa era minha amada mãe. Logo, eles passaram a discutir cada vez mais, ele gritava que eu era um caso perdido, que estava cansado de não ser lembrado e nunca ter atenção, já que toda era para mim. Então ele foi embora e foi assim que minha família foi destruída.

Que idiota! pensei irritado, será que ainda estava vivo? Faz tempo que nunca se quer ligou para perguntar como estamos. Se bem que eu fui um idiota também.

Peguei outro diário que tinha por título, nascimento trágico. Gostaria de ter ignorado esse. Dizia que eu já tinha 5 anos e não conseguia lembrar coisas básicas. As vezes esquecia de comer, não sabia falar ainda. As vezes falava, mas no outro dia esquecia e ficava em silêncio o dia todo. Então me levaram para um neurologista, ele explicou que eu tenho Amnésia Anterógrada, ou seja, não consigo registrar as coisas. Isso acontece porque provavelmente tive uma hipóxia neonatal, ou seja, fiquei sem oxigenação no cérebro quando estava nascendo e sofri uma lesão em uma região chamada hipocampo. De maneira mais fácil de entender, houve complicações no nascimento e fiquei defeituoso.

Então é isso... — Murmurei triste com algumas lágrimas nos olhos — Não tem jeito... Eu sou uma causa perdida.

Enfim, é isso. Escrevo tantos diários e tenho tantos pendrives de gravações, já faz tanto tempo e cada dia minha perca de memória só piora. Meus aniversários, minha família que parou de me visitar, os amigos que nunca mais vi e muitas outras gravações, tudo estava ali, mas eu não lembrava de nada. Que triste ter esse tipo de vida. Bem que eu poderia procurar algum médico...

Chega! Gritei. Hora de tentar melhorar essa situação, pelo menos para minha mãe que esses anos todos, desde que meu pai a deixou, tem feito tudo sozinha. Preciso compensar minha mãe, pela solidão que sentiu, pelo seu esforço e não ter desistido de mim. Ah mãe... Por que a senhora me teve?

— Richard, querido, você está bem? — Minha perguntou subindo as escadas e entrando no quarto — Ouvi você gritando, como estão as gravações?

— Ótimas! — Sorri encarando os cadernos, para minha mãe não notar que chorei — Pensando bem... Vou almoçar com a senhora, vou só terminar de gravar algumas coisas aqui, tudo bem?

Até o cair das folhas - Em RevisãoWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu