VERDADEIRO LUGAR

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A noite caiu sobre os campos Knowa, a vigília tinha redobrado em todos os lados dos territórios de leste a oeste, de norte a sul. Uma ansiedade incessante assombrava todo o povo dali, uma grande fogueira foi acesa para acalentar as famílias, o ancião dos mestiços lhes contava histórias e lendas antigas, de criaturas tão espirituais que ninguém poderia ver seus rostos, que Elys possuía um coração forte e valente. A forma como falava e gesticulava no ar, fazia com que as crianças sorrissem e seus olhos brilhassem no luar. Lia e Maicon tinham tirado um tempo para ficarem a sós, Victor treinava em algum lugar nas colinas com um grupo de jovens lobos, com tudo que estava acontecendo, os mais jovens também deverão lutar. Parecia cruel. Mas Mariah buscava ser uma líder, e lideres precisam tomar decisões difíceis. 

Mariah e Thomas caminhavam por entre as cabanas, observando os outros. A mestiça estava com a cabeça inquieta, e seus olhos procuravam na multidão os cabelos prateados do vampiro traidor. Ela tinha certeza, e era o que mais lhe corroía, ele havia mentido e deixado que tudo acontecesse, Melina deu a própria vida por causa de sua irresponsabilidade. Precisava tomar uma decisão, mas o que fazer, quando o culpado é quem você mais confiava e com quem você se casou. 

- Ainda pensando no que vai fazer com o lorde Pedro? 

Mariah suspirou. 

- Ninguém pode saber disso. 

- Mas, ele mentiu e... - Thomas ficou surpreso. 

- Não importa. Eu lidarei com isso sozinha. - Declarou ela, sem mais detalhes. 

- Não me entenda mal Mariah, eu sei que o ama, e sei que o que eu lhe contei não é fácil de digerir. Não gosto disso também. 

Ambos pararam. 

- É uma péssima hora para criarmos mais um problema. Pedro seria executado sem cerimônia. Não posso permitir que isso aconteça. 

Thomas colocou as mãos no bolso, não estava irritado, nem decepcionado. Só a olhou com muito respeito e assentiu com a cabeça. 

- Voltei para seguir você, e para ser um soldado leal. Conte com meu silêncio. - Ele tocou sua mão com carinho. - E com minha amizade. 

Do outro lado da fogueira, Arya e Lis conversavam sobre a cena que viam, o general e Mariah estavam cheios de segredos e aquilo as incomodou um pouco. 

- O que acha que está acontecendo? - Arya tomava uma xícara grande de chá quente. 

- Acho que, eles tem muitos assuntos inacabados. Ele a traiu, ela foi julgada, fugiu, ele tinha que matá-la mas não pode, por que a ama, agora Mariah é casada com Pedro e ele decidiu ficar para recompensá-la por todos os danos. - Lis falou tão rápido que Arya piscou surpresa. 

- Uau. 

- O Amor não é simples querida, sabemos disso. - Lis tocou o rosto da sereia com carinho. 

Arya deu um sorriso mais logo ele sumiu. 

- O que você tem? 

Ela suspirou. 

- Ver Helena e Lucinda a irmandade e lealdade entre as duas. Me fez lembrar...

- Suas irmãs. 

- Sim... E se a profecia estiver certa? Eles vão precisar de uma sereia. 

- Por mais que seja cruel, Dorothea jamais permitirá que isso aconteça. 

Lis envolveu Arya em seus braços e beijou-lhe a testa. 

- Mérida e Niara ficarão bem. 

Arya se desvencilhou da namorada e se levantou. 

- Eu preciso de um ar...

- Quer que eu vá? 

- Preciso ficar sozinha. - Declarou se encolhendo no chale azul e seguindo para longe da aglomeração. 

Por mais que dissessem a ela que tudo estava bem no reino marinho, nada e nem ninguém poderia convencê-la, aquela não era sua casa. O mar era seu verdadeira lar, ela estava longe e segura, mas e sua família? E seus amigos, a realeza? Como poderia ignorar o fato de que era a princesa do Lago Lyn, a futura rainha dos mares de Elys. Era algo que lhe perturbava nas últimas semanas. Olhou as estrelas, o céu estava iluminado. Como sempre via no mar quando nadava ao lado das irmãs, contavam as pequenas brilhantes, conspiravam sobre como aquelas eram suas irmãs que partiram e iluminavam agora seu caminho pelas correntezas. Ela se deitou na grama baixa e deixou seu coração pulsar, fechou seus olhos e se imaginou de volta ao mar. A sensação de liberdade, de estar conectada com seu eu interior, de ser ela mesma outra vez. 

Tudo se dissipou quando uma visão tomou lugar, seu corpo doeu, e tensionou, seus olhos ficaram completamente brancos e seu pulmão diminuiu a distribuição de ar, arfou enquanto a série de imagens atacou sua mente. A guerra submersa, tritanos renegados invadindo o palácio, sereis sendo decapitadas, os gritos de horror, os soldados da rainha lutando bravamente contra aqueles que vinham. Mercúrio os liderava, o homem que tinha sido banido por tentar queimar bebês tritanos, três ao total. Ele sorria enquanto o caos se instalava e as águas se agitavam. 

O ar voltou aos seus pulmões, assim como a voz de Lis gritando para ela. 

- Arya!!! Arya!!! O que houve? O que você viu? - Lis segurava os pulmões de Arya que se soltou bruscamente e se levantou arfando, o peito subindo e descendo com velocidade. 

- Preciso voltar para casa. Agora! 

- Não pode. Mariah ordenou, todos ficam aqui. 

- Não vou ficar aqui e assistir sentada meu povo morrer! 

- O que você viu? O que estava acontecendo, nós podemos dar um jeito e...

- Não!! - Gritou Arya. Foi a primeira vez que o fizera. - É o meu povo, minha família, minha responsabilidade. Não posso ficar brincando de casinha aqui, como se o mundo fosse perfeito. 

- O que? Nós estamos tentando ver o que é melhor para todos. 

- Isso não inclui os tritanos inclui? Em nenhum momento você buscou a união com meu povo. Apenas os descartou. 

- Dorothea jamais aceitaria... Eu...Não pensei que se importasse. - Lis gaguejou. 

- Não estava preocupada com isso. Só de me ter aqui era o suficiente. - Arya a olhou com profunda tristeza.  - Pra mim não é o suficiente. 

  




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