Capítulo 28

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(Manu)

Eu tentei falar com a minha mãe, do mesmo jeitinho que falei com meu pai. Disse as mesmas coisas, fiz picadinho de coração, falei tudo, não deixei nada de fora: mas falar com Dona Fernanda não é tão fácil quanto falar com o meu pai.

Ela se sentia traída e eu entendia o lado dela. Ela se sentia deixada de fora. O Guto sabia com certeza, o Lipe, se sabia, nunca me julgou, mas a minha mãe não tinha nem ideia, porque ela sempre acreditou no que eu disse. Podia o mundo inteiro falar que o céu é azul, mas se eu acreditasse que o céu é verde e tivesse comigo a pura certeza de que estavam todos errados e eu certa, ela acreditaria em mim.

Era esse o nível de confiança nela em mim.

E eu quebrei isso, não só uma vez, com uma mentira apenas, mas por cinco anos. Desde o primeiro ano da escola, até o segundo ano da faculdade eu menti para a mulher que me colocou no mundo e que sempre escutou o que eu tinha para falar, não importava se era besteira, ou se não era. Ela sempre esteve lá para me ouvir.

Quando ficou sabendo do Rafa e do Gabi... ela chorou. Duvido muito que era por causa dos dois namorados e o tabu que era isso, mas porque eu menti. E a mulher que dava conselho sábio para qualquer um que lhe pedisse, mesmo se fosse quebrar seu próprio filho, olhava para mim com os olhos cheios d'água, a feição magoada, e eu não consegui responder nada por meses.

Não é que ela ficou sem falar comigo por meses, o coração da minha mãe parece duro, mas não é. É que as coisas entre nós ficaram esquisitas por meses, mesmo depois do acidente com a Bia e o jeito como nossa família se uniu por causa disso, e mesmo depois que o Lipe virou pai da Olguinha. Algo entre nós ficou abalado, e parecia que nunca ia melhorar.

Ela, a mulher que aguentava qualquer coisa, que crescia em qualquer ambiente, que nunca passava despercebida por lugar nenhum, me olhava através da mesa nos almoços de domingo, e eu parava de sorrir na hora. Eu não a quebrei, sei que não, minha mãe aguentou muita merda na vida para quebrar por uma mentira, mas alguma coisa entre nós se quebrou,

Foi nessa tempestade que a Botelho veio falar comigo. Não digo a Andressa, a quem chamam de Botelho boa sendo ruim, tô falando da cavalona, queixo de ferro e dona do cavalo mais rápido do mundo.

Era uma mulher de parar o trânsito. Se você nunca viu a Bia, eu tenho pena de você. A Bia era um trovão, um raio, qualquer parada dessas. Se a minha mãe não passa despercebida, a Bia vira o centro das atenções. Ela abria a boca, o povo se virava para ouvi-la. Já vi homem prender o suspiro quando ela passa, sem coragem de passar uma cantada na rua, de tanto que a Bianca faz a gente perder o rumo.

E não era porque ela se vestia bem e passava maquiagem, não. Acho que a Bia nunca nem pisou num centro de estética. Vai ficando mais velha, vai ficando mais sábia e vai ficando menos explosiva, mas vai ficando mais linda. O cabelo queimado de Sol, do tanto que ela anda por aí com seus cavalos, as mãos calejadas de puxar bicho, o rosto manchado de Sol porque ela nunca ouviu falar de "protetor solar" e a pisada dura, sem balanço nos quadris, feito homem. Alguém que não dá corda para ninguém, que se levanta da mesa se não se interessa na conversa, sem medo de parecer feio, alguém que ama a família mais que tudo e que calha de cuidar do coração do meu Gutinho.

Puta merda, eu nunca vi mais manso e mais sorridente.

E, ao mesmo tempo que cuidava do meu irmão como se ele fosse a coisa mais preciosa do mundo, era o nome dela que ia na placa do Jockey. E era ela a cavaleira, a dona do cavalo mais rápido do mundo.

Me chamou para uma conversa na casa da Dê, a outra Botelho, e eu confirmei que ia, claro, mas fiquei com medo. Já fazia um tempão desde a última vez que as vi e, por serem duas mulheres que não cabem num quarteirão, eu sempre fiquei com medo de atrapalhar.

Para Sempre TrêsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora