E então o dia de lava chegou. Sete horas da manhã, Manuela esperava pelos seus. Veio um menino já de barba, provavelmente repetente, e encostou nela. Sentou junto, nem perguntou nada, só sentou e a abraçou como se ela fosse um corpo público.

De todas as coisas que ela previa, nunca pensou que alguém encostaria nela.

Imediatamente, sem esperar ninguém, Manuela se levantou e saiu. Não disse nada, não deu palco para maluco, viu outros dois meninos encostados na grade do canteiro e os viu rir quando ela se afastou e entendeu que aquilo, o que quer que tenha feito o moleque repetente chegar encostando, era premeditado por mais de uma cabeça.

Encontrou os seus só lá dentro da sala, deu uma desculpa qualquer por não esperá-los e continuou com a vida. No intervalo, assim que o sinal tocou, os três moleques mais velhos estavam plantados na frente da sala dela.

Manuela deu meia-volta, entrou na sala, e deu a desculpa de que tinha esquecido a colher de seu danone.

— Manu, – Gabriel deu meia-volta também, mas Rafael ficou plantado na porta da sala – o que é que tá acontecendo?

— Nada. – Ela não queria que eles tomassem suas dores porque sabia o que aconteceria. – Eu só esqueci a colher. Vai lá com o Rafa que eu já chego.

Gabriel parou na frente da porta da classe e entendeu para onde Rafael olhava com cara de tão poucos amigos.

— Achou a sua colher? – Rafael perguntou, sem desgrudar os olhos do trio parado do outro lado do corredor.

— Achei. – Na hora que ele perguntou, Manuela já tinha entendido que a pergunta não era sobre a colher, mas se ela estava pronta para sair da classe.

— Então vamos.

Deram as mãos. Manuela suava e nem esfregando ambas as palmas no uniforme conseguiu disfarçar. Rafael apertou a mão dela com mais força, querendo dizer que estava tudo bem, que nada de ruim lhe aconteceria.

Mas ela sabia que não.

Os três moleques mais velhos seguiram atrás deles, as pessoas no corredor rareavam, todo mundo descia para a cantina na hora do intervalo, só eles que subiam. O moleque barbado, provavelmente repetente, não teve paciência suficiente para provocá-los quando estivessem a sós e começou, pelo corredor mesmo, a berrar o "viado" de costume.

— Cabelo Azul, se você quer rola, não é com viado que cê vai achar. – E depois, conforme o xingamento óbvio não surtia efeito, ele apelava para os outros – Cê até que é gostosinha, porque não fica com quem vai te dar o que você quer?

Os outros dois idiotas atrás riam sobre o apelido "Cabelo Azul".

— Continua andando, Rafael – Gabriel disse.

Eles já tinham o plano claro dentro da cabeça. Se Rafael perder a linha, é ele quem vai expulso. A escola não vai nem pensar duas vezes: um bolsista a menos, menos gasto, menos problema. Um garoto pobre a menos abre espaço para um garoto com dinheiro e livra a escola de garotos-problema.

Manuela só lembrava de Rafael falando: "Se der merda, Manu, quem você acha que eles vão expulsar? O garoto que tem pai pagando, ou o garoto que tá aqui de graça?".

— Quer platinar o cabelo com porra, novinha? – Funcionava de piada para eles. O barbado era o líder e os outros dois da matilha agiam para impressionar o mais velho.

— Faço esse azul ficar branco rapidinho.

— Continua andando, Rafael. – Se Rafael segurou a mão de Manuela, na hora de sair da sala de aula, para dar alguma segurança a ela, agora era Manu quem segurava forte a mão dele, e não para dar segurança, mas para obrigá-lo a andar.

Para Sempre TrêsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora