16. Bala rosa

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— Inteira! — ela respondeu com alegria, erguendo o braço esquerdo e girando-o para que Daniel visse ao redor.

Apesar da animação dela, Daniel não conseguiu se contagiar, estava preocupado demais para isso.

— Posso ver? — ele questionou, hesitante.

Ela lhe ofereceu o braço como resposta, então ele a segurou com delicadeza enquanto verificava o membro com atenção.

Daniel sentia aflição todas as vezes em que revisitava a memória daquele braço: o membro coberto por uma capa vermelha empapada de sangue, onde debaixo do pano era impossível encontrar um pedaço de pele que ainda estivesse liso e não parecendo carne mastigada. E como se não fosse a pior parte, havia o fato de que o ombro fora deslocado, e a mão...

Cerrou os dentes, quase sentindo a dor como se fosse sua, mas naquele dia ele empalidecera e se sentira zonzo ao ver aquela parte pendendo, quase arrancada do braço. Hoje, porém, não tinha nada de errado. Ele testou os movimentos dos dedos e o pulso, tomando tanto cuidado quanto se estes fossem feitos de porcelana fina. Sobre a pele, poderia dizer que era tão nova quanto a de um bebê, exceto por alguns pequenos detalhes.

— Marcas de dentes. — Passou o polegar por alguns pontos finos e outros quadriculares com tom ligeiramente claro. — Não deveriam ser as primeiras a sumir?

— Em teoria, sim, segundo o que o médico disse — Anabela respondeu. — Mas elas vão desaparecer logo. Antes estavam bem mais visíveis. Deve ser porque foram feitas por um harmínion e... não se sabe muito sobre eles...

Daniel encarou calado os olhos dela antes de voltar a identificar cada uma das marcas deixadas por Elliot.

— Mas você sabe. — Isadora entrou na conversa, desprendendo a atenção do celular para focar em Daniel.

Cansando-se da posição desconfortável em que estava, o rapaz se deixou sentar no tapete, cruzando as pernas e largando os braços sobre elas. Observou os punhos fechados enquanto vestia uma expressão endurecida. O olhar de Elliot no porão, arrancando a coleira após mais uma dose ser injetada. As pupilas vermelhas, mais brilhantes do que nunca naquela noite, demonstraram uma sobriedade que era contra a sua lógica. O harmínion deveria estar caído, as doses deveriam ter funcionado. Onde ele errou? Houve sabotagem? Era alguma mutação de Elliot? A cada dia Daniel pendia para uma ideia diferente. Pensar apenas em possibilidades, sem poder descobrir qual era a verdade, era frustrante.

— Não tenho tanta certeza — ele admitiu, deixando soar a decepção que sentia de si mesmo.

— Como pode não saber? Você não fazia parte do grupo que estudou o harmínion? — Isadora perguntou, indignada.

— Isadora... — Anabela tentou chamar-lhe a atenção, contudo a voz saiu tão falha e baixa que foi sobreposta pela nova fala da outra.

— Dá pra ver que nem sabiam o que estavam fazendo. E a minha irmã pagou por essa incompetência.

— Isadora! — O rosto de Anabela ruborizou quando ela elevou o tom. Conseguiu o intento de calar a irmã, embora ela ainda estivesse com a expressão indignada. — Desculpe! — Voltou-se rápido para Daniel. — Às vezes ela fala sem pensar; é bem incômodo, mas ela não faz por mal — Quase tropeçando nas próprias palavras, Anabela virou-se para a irmã. — Você ofereceu alguma coisa a ele, Isa? — E quando Isadora encurvou as sobrancelhas, enraivecida, Anabela acrescentou com súplica: — Por favor.

A garota acenou a cabeça com ferocidade antes de largar o celular no tapete e sair da sala em passos pesados.

— Ela está certa. É minha responsabilidade também. — Daniel não permitiu que o silêncio se instaurasse após a saída furiosa de Isadora.

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