17. Chip localizador

946 109 227
                                    

Ao menos uma das tempestades que escondiam o céu cessaria agora. Era menos um problema para atrapalhar seu raciocínio.

Por volta de 1h30 da madrugada, Dr. Crow e Maurício estavam na sala jogando cartas e conversa fora quando o celular do doutor se iluminou ao receber uma nova mensagem.

— É, é ele mesmo — disse Crow, cansado pela demora e pelo horário, ao pegar o aparelho de cima da mesinha à sua frente. — Pedindo para abrir o portão.

— Por que ele mandou para você em vez de mim? — o professor indagou, erguendo uma sobrancelha enquanto ia até o corredor para abrir o portão pelo interfone.

— Finalmente! — O doutor suspirou, jogou as cartas que segurava na mesa e esticou-se no sofá, aliviado por poder relaxar.

Maurício voltou para o sofá, onde ambos esperaram o adolescente rebelde adentrar a casa para ser confrontado pelos pais.

Escutaram o carro chegando e depois a porta batendo. Contaram cada segundo que demorou até verem a maçaneta da porta da sala se mexer. Ao entrar no cômodo e se deparar com os dois homens, Low os encarou por dois segundos para processar o que estavam fazendo e, mostrando-se indiferente à cena, dirigiu-se para a cozinha levando consigo algumas sacolas cheias.

Maurício e Dr. Crow se entreolharam. Após uma conversa silenciosa — ou embate — ocorrida apenas pelo movimento dos olhos, o doutor acenou para a porta da cozinha com a cabeça e o professor se encaminhou na direção do cômodo.

— Não foi isso o que combinamos — Mau sussurrou contrariado para si mesmo.

Ao chegar à cozinha, ele se recostou no batente da porta e cruzou os braços.

— Na próxima vez que precisar fazer as compras da semana, agora sei que é só te irritar. — Esboçou um riso forçado.

Low parou de guardar os itens no armário quando ouviu seu antigo professor. Encarando-o com um olhar de censura, pegou uma embalagem colorida de uma das sacolas e a jogou para o outro.

Maurício foi pego de surpresa pelo movimento repentino, contudo conseguiu descruzar os braços a tempo de apanhar o objeto, ainda que de forma desengonçada.

— Pelo menos se lembrou de mim — disse ele, erguendo o produto para perto dos olhos e virando-o para analisar os dois lados. — Fazia tempo que eu não via isso. Desde que você era criança.

Abriu o pacote e despejou um pouco do conteúdo em sua mão. Eram pequenas balas coloridas, crocantes e com espessura finíssima.

— Então... — Maurício não desistiria de tentar arrancar alguma palavra espontânea do ex-aluno. — Esfriou a cabeça ou devo deduzir pelo gelo que está me dando?

Terminado de esvaziar as sacolas, Low as enrolou e guardou-as em uma bolsa de pano dentro de uma gaveta.

— Achei que já tinha ido embora — disse Low.

— Hum... Está explicado porque preferiu seu tio a mim. — Maurício concluiu antes de encher a boca com as balas que segurava; prosseguiu somente após mastigar por alguns segundos: — Mas é um pouco contraditório ter me trazido isso, então.

— Para o Elliot — Low resmungou. Embora costumasse ficar em silêncio quando irritado, ele parecia... ameno, ou talvez estivesse cansado também. — Sílvia já foi?

— Já. Obviamente ela queria ficar e esperar, mas consegui convencê-la a ir. — Usou um tom de voz baixo e arrependido ao continuar: — Precisei me sujeitar a coisas que não queria...

Low se postou atrás de uma das cadeiras segurando o encosto para usar como apoio superficial, voltando-se de frente para o professor, e mirou a mesa, pensativo. Esperava que Maurício conduzisse a conversa para um final ou a encerrasse de vez indo embora, e estranhamente encontrou paciência para aguardar o que viria.

Lua vermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora