Partir foi mais difícil do que pensou, porém, por mais que se distanciasse, aquela suspeita o acompanhou em cada momento até ser obliterada pelo retorno. Foi muito ingênuo ao não insistir no pensamento paranoico.
Low e Mori entraram no carro, que estava no pequeno estacionamento deserto do hospital.
— Você sabe mentir? — Eles mal tinham sentado no banco quando Low jogou a pergunta e emendou: — De forma convincente.
A jovem ficou desconcertada. Existiu alguma situação em que ela precisou mentir? Era provável que não, ao menos, não que ela se lembrasse. Nem era questão de precisar mentir; mesmo que fosse necessário, ela acreditava que não o faria.
Sempre tentou ser uma garota certinha — a filha perfeita; e filhas perfeitas não podem mentir, porque mentir é errado. Surpreendeu-se ao constatar que suas definições de "mentira" ainda eram as mesmas que usara na infância, no entanto não achou que deveria mudar o argumento quando apenas amadurecer seu embasamento parecia ser o suficiente. Mentir, então, era proibido; o máximo que ela podia fazer era omitir uma informação, como fez ao visitar Sílvia. Se a enfermeira tivesse formulado um questionamento preciso sobre o que ela não podia falar, não teria escolha a não ser contar a verdade.
— Entendo. — Low respirou fundo e usou um tom conformado perante o silêncio dela. — Preste atenção e não faça nenhum barulho.
Mori estava prestes a contar sobre a vez em que mentiu para os pais sobre seu dever de casa, quando as palavras de Low registraram em sua mente. Prensou os lábios, empenhando-se na tarefa de ficar em silêncio. Tinha expectativas de sanar algumas de suas dúvidas com o que se seguiria.
Observou Low conectar o celular no painel do carro. O som do telefone do veículo começou a tocar em seguida. Ele estava mesmo ligando para o Dr. Ray? Era o que aparentava. Mori arregalou os olhos e quase teve o ímpeto de tapar a boca com as mãos, com receio de que sua respiração pudesse ser ouvida, entretanto logo percebeu que isso era um exagero. Low realizara a ligação por meio do celular, e não direto do carro, portanto o som seria enviado pelo microfone do aparelho e recebido pelo automóvel — com a vantagem de que o doutor nem desconfiaria que a ligação seria ouvida por outra pessoa... talvez.
— Você sabia, não é? — O painel do carro emitiu o som da voz acusadora do doutor Ray.
O tom ríspido pegou Mori de surpresa. Low sorriu, divertindo-se.
— Tudo bem com você também?
— Poderia ter nos poupado de toda essa perda de tempo se tivesse me contado.
— Não me culpe. Não importa o que eu diga, você nunca acredita em mim. — O sorriso de Low se alargou — Pretende elucidar sobre o que estamos falando?
Três segundos de silêncio. Mori imaginou o doutor bufar antes de responder.
— Harmínions não produzem elixir.
— Sim, eu já sabia. — Low vislumbrou Mori de relance; a jovem ficou intrigada com a última fala de Raymond. — Poderia ter nos poupado de toda essa perda de tempo se tivesse me perguntado antes.
— Muito engraçado. — Dr. Ray relaxou a voz, injetando uma dose de veneno. — Mas qual o motivo da ligação? Mudou de ideia? Ainda há tempo para fazer algo por Elliot e o seu tio.
— Acertou em parte. — Low alterou o tom para demonstrar seu divertimento. — Realmente mudei de ideia.
— Assim como o Crow. Nenhum de vocês sabe o que é ter um objetivo na vida.
— Decidi dificultar seus planos. Ou melhor, tornarei sua vida mais difícil. — Low continuou sem prestar atenção no que o outro dissera. — Para alguém como eu, sem muitas opções de futuro como você disse certa vez, isso será suficiente. Não cairei na sua chantagem.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Lua vermelha
Science FictionLiderada pelo biólogo Elias Crow, uma equipe de cientistas trabalha em uma pesquisa singular: a domesticação de harmínions, uma raça tão inteligente quanto os seres humanos, porém incompreendida e tratada como animais selvagens. Elliot, a única coba...