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Abri os olhos e já estava claro, mas eu não tava no carro, nem no mato e muito menos em casa.
Era a casa de Bryan, da pista. Eu tava deitada na cama sozinha. Um silêncio babadeiro tomando conta de tudo.
Fui no banheiro, escovei os dentes, lavei o rosto e sai andando procurando ele.
Bryan tava sentado na área, olhando pra piscina, mesmo sentindo minha presença ali, ele não mexeu, continuou imóvel. Sentei do lado dele e fiquei olhando na mesma direção.

__ Tu quer falar sobre isso? – Quebrei o silêncio.
Ele só balançou a cabeça negativamente.
__ Tudo bem então, não vamos falar sobre isso – Assenti.
Coloquei uma das mãos em cima da perna dele e fiquei ali, paradona.
__ Vai comer alguma coisa. – Falou bem rápido, curto e grosso.
__ Não, só quando tu comer também – O olhei.
__ Para de potoca – Beijou santo.
__ E se eu fosse você, já ia comer logo. Tô morrendo de fome – Fiquei assentindo.
__ Então vai comer filha, tá doidona é? Depois vai cair ai, até russa. Com pressão baixa – Fez sinal pra eu ir.
__ Vamos lá – Levantei.
__ Depois eu vou – Acendeu um baseado e eu fui.

Coloquei pão de queijo pra assar, peguei meu celular e liguei pra tia.
Não demorou nada e ela atendeu.
Início da ligação:
__ Alexandra pelo amor de Deus, cadê vocês ? – A tia tava chorando.
__ Tu já sabe que estamos juntos?
__ Mas é claro que sim – Respondeu.
__ Nos estamos bem, mas tia, da um tempo pra ele. Pra ele digerir isso tudo – Falei.
__ Ale, eu preciso falar com ele.
__ Melhor não, deixa ele ter esse tempo pra ele. Ele tá se sentindo mal, só vai piorar, ele vai ficar nervoso – Falei.
__ Oh meu Deus, e agora? – Perguntou.
__ Calma, só dá esse tempo pra ele. Nos estamos bem, vou desligar antes que ele apareça – Respondi.
__ Tá, mas não deixa de dar notícias por favor.
__ OK, tchau, fica com Deus – Disse e desliguei.
Fim da ligação.

Respondi algumas mensagens no whatsapp, Falei com a Bia e fui olhar o pão de queijo.
Peguei pra mim, peguei refrigerante e fui pro quarto.
Comi horrores, tava numa fome monstra.
Coloquei o prato e o copo no criado e deitei de lado, liguei uma música no celular e fiquei viajando.
Ouvi a porta do quarto se abri, mas não olhei.
Bryan deitou do meu lado e colocou a mão na minha barriga.
Ele ficou alisando minha barriga por um tempo...
__ Amo vocês – Sussurou no meu ouvido.
Virei de frente pra ele e fiquei olhando seus olhos.
__ Nos também amamos você – Ri de canto.
__ Por que ele? – Perguntou e eu fiquei confusa.
__ Ele quem e o que? – Arqueei a sobrancelha.
__ Pablo, meu pai, se é que pode ser considerado – Falou nervoso.
__ Ele não é seu pai. Seu pai é o tio Renan. Ele quem te criou, ele que quis seu bem, cuidou de você, te ama como filho – Respondi.
__ Como eu queria que ele fosse meu pai mesmo – Balançou a cabeça negativamente.

__ E é, pra fazer, acha um monte de moleque, mas pra criar, só sendo muito homem. Ninguém tem culpa,  aconteceu. Sua mãe poderia ter se envolvido com qualquer outro, ou até te criado sozinha. – Falei.
__ Mas ela nunca poderia esconder isso de mim – Apertou o maxilar.
__ Eu nem julgo, e tu também não devia, tu sabe oque aconteceu ? Tu sabe ? Então – Dei de ombros.
__ Foda-se, eu tinha que saber, porra, fui enganado a vida toda – Falou alto.
__ Imagina se todas pessoas que não conhecem os pais, fossem enganados assim, com um outro homem que fez e faz de tudo pra dar o melhor, pra uma pessoa que não tem relação biológica nenhuma – Assenti.

__ Tu nunca vai entender, porque não passou por isso – Levantou e saiu saindo.
Eu em, doido. Quer falar mas não quer ouvir.

Pablo Narrando:

A cada dia eu alimento mais e mais um ódio, que cresce dentro de mim.
Vontade de matar, fazer judaria, covardia, fico puto toda vez que lembro daquele maldito dia.
Dia que aquele cuzão, matou o Gustavo, e acabou com a minha vida.
Pra mim, meu filho morreu, tá morto e enterrado e quem ficou no lugar dele foi um inimigo, cuzudo que vai tomar muita bala na cara, pra me conhecer.

Se ele me conhece só por boatos, vai me conhecer de verdade, pra saber de onde vem os boatos.
Tenho ficado pouco na boca, Raí tem cuidado das coisas pra mim.
Maior orgulho, desse cara que peguei ainda criança, pra me ajudar na boca, porque tava passando dificuldade em casa. Por incrível que pareça, na mesma época que a puta foi embora com o Bryan, era como se Deus tivesse me mandando um outro filho, porque sabia que o meu era filho de uma puta.
Minha vida tá um inferno. Odeio depender dos outros, e ver minha dependência todos os dias me faz sentir mais e mais raiva dele, e dos malditos alemão.

O certo é o certo e o errado vai sem cobrado, cada centavo, quem me deve me paga caro. Espero ansioso pelo dia de acabar com essa porra de uma vez só, to debilitado mas não tô morto, e é como se diz o ditado, cobra tu não machuca, cobra tu mata, caso contrário ela vai atrás.

Dei uma última olhada no túmulo, meu coração apertou. Era a primeira vez que eu vinha ver o túmulo do Gustavo. No dia do enterro eu tava internado.
Ver o sofrimento do meu parceiro e da Nanda, estava acabando comigo ao poucos, mas isso não vai ficar assim.

__ Aí meu bom, olha por nós aí de cima, e deixa que o resto eu faço – Falei olhando pro céu.
Assenti pro Heitor e ele já me colocou no carro, guardou a cadeira no porta mala, entrou no carro e tocou pro morro.
A única certeza que eu tenho em meio a tanta dúvida, e que hoje quem chora somos nós, mas amanhã quem chora são eles.

Nicotina - Livro BônusOnde as histórias ganham vida. Descobre agora