𝐕𝐈𝐈

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O dia seguinte amanheceu mais tranquilo.

Pelo menos, aparentemente.

Kara acordou com o cheiro de panquecas. Por um segundo, achou que estivesse sonhando — um daqueles sonhos reconfortantes, que cheiram a infância e têm gosto de xarope de bordo. Mas ao abrir os olhos, percebeu que o apartamento realmente estava cheio de vozes. E cheiro. E passos.

— Lena? — chamou, com a voz rouca, ainda deitada.

Do corredor, surgiu Alex, usando um avental ridículo com estampa de picles e uma espátula na mão.

— Bom dia, princesa flutuante! — disse, sorridente. — Hoje é o Dia da Kara Não Pira! Então... você vai ficar aí, relaxando, enquanto os Superamigos tomam conta de tudo.

— Tudo o quê? — Kara perguntou, confusa.

— Tudo. Café da manhã, distração, comida estranha, surtos emocionais e magia descontrolada. Estamos preparados. — Alex piscou e sumiu em direção à cozinha.

Kara piscou. A porta do quarto se abriu e Lena entrou, carregando um copo de suco de melancia com gelo.

— Você ouviu a chefe. Hoje o mundo gira ao seu redor. Aproveite. — Ela entregou o copo e beijou a testa da loira. — E não se preocupe. Eu já desliguei todas as lâmpadas e guardei os objetos cortantes.

Kara soltou uma risadinha.

— Isso é porque estou instável… ou porque nossas filhas estão decidindo sozinhas o que levita ou explode?

— Um pouco dos dois.

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A sala estava um caos encantador.

Brainy havia instalado pequenos sensores mágicos no teto — que mais pareciam sinos natalinos — para monitorar picos de energia. Nia flutuava entre o sofá e a poltrona com uma expressão de “não estou surpresa” enquanto tentava organizar uma pilha de fraldas que insistia em cair sozinha. Sam, Andrea e Kelly estavam na cozinha, discutindo calorosamente sobre qual era o melhor alimento para gestantes com metabolismo alienígena e herança mágica.

— Melancia com wasabi não é uma refeição, é um crime — disse Andrea, enojada.

— Ela disse que quer isso. E grávidas mandam — rebateu Sam, firme.

— Eu sou médica! — exclamou Kelly. — E estou dizendo que isso vai causar azia cósmica.

— Ela já tá flutuando enquanto dorme, Kelly. Você acha que melancia vai piorar as coisas? — Andrea jogou as mãos pro alto.

Lena passou por todas com um olhar calmo, mas suas sobrancelhas denunciavam o cansaço. Ela parou ao lado de Alex, que estava tentando decifrar os registros mágicos do grimório com um tradutor universal kriptoniano.

— Se me dissessem há cinco anos que eu estaria lendo sobre maldições de amuletos encantados enquanto minha irmã gestante flutuava porque as filhas meio-bruxas estavam brincando com a gravidade, eu teria pedido demissão da DEO.

— E agora? — perguntou Lena.

— Agora eu quero uma cerveja. Mas vou me contentar com chá de camomila alienígena. — Alex deu de ombros.

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No centro do sofá, Kara observava tudo com olhos brilhantes. Havia algo de mágico — no sentido mais mundano da palavra — em ver todos ali, rindo, discutindo, correndo para evitar pequenos incidentes sobrenaturais. Um dos sensores mágicos de Brainy disparou com um apito agudo.

— ATIVIDADE DETECTADA! — ele gritou.

— Onde?! — Nia correu para o tablet, digitando com agilidade. — É… na geladeira?

Lena correu até lá, abrindo a porta com cautela. Uma onda de brilho roxo saltou para fora, envolveu um pote de sorvete e o levou até o colo de Kara.

A loira arregalou os olhos.

— Isso foi…?

— Foi Liv. Ou Maddie. Ou as duas. — Lena suspirou. — Parabéns, meninas. Mamãe não vai precisar levantar nem pra pegar comida.

— Liv e Maddie já sabem que se a gente ama alguém… a gente alimenta essa pessoa. — Kara deu um sorriso bobo e mergulhou a colher no pote.

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O almoço se transformou num piquenique improvisado no meio da sala. Almofadas, mantas, travesseiros — todos sentados no chão enquanto Kara devorava coisas que pareciam saídas de um pesadelo culinário: bananas com ketchup, bolacha salgada com mel e, seu mais novo favorito, purê de batata com chantilly.

— Isso é ilegal em três planetas diferentes — Brainy observou, fascinado.

— Mas é tão bom… — Kara disse, de boca cheia.

Lena segurava uma garrafa de água na mão e um grimório na outra. Mas, naquela hora, decidiu que nada era mais importante do que ver Kara sorrindo. Mesmo que ela estivesse comendo como uma ameaça intergaláctica.

Sam, Alex e Kelly montaram uma pequena “estação de arte” com tintas, lantejoulas e papel colorido — tudo encantado com feitiços de proteção. Nia ensinava Kara a pintar com a barriga. Literalmente.

— Eu me recuso a perder essa chance — disse Nia. — Quando você vai estar de novo grávida de gêmeas bruxas-kriptonianas?

— Espero que nunca mais — murmurou Lena, tomando uma taça de suco.

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No final do dia, todos estavam exaustos e sujos de tinta, mas felizes.

Kara ria mais do que em semanas. Lena a observava de longe, com o coração apertado, mas pela primeira vez, em paz. Não importava o que viria depois. Aquilo era o que importava.

Mais tarde, já com todos indo embora — Nia bocejando, J’onn carregando Brainy dormindo de pé, e Alex levando Kelly pela mão —, o silêncio caiu sobre o apartamento. Kara estava no sofá, coberta até o queixo, as bochechas coradas de tanto rir. Lena sentou-se atrás dela e começou a fazer um carinho leve em seus cabelos.

— Obrigada — murmurou Kara.

— Por quê?

— Por hoje. Por ficar. Por não fugir. Por entender que eu não tô desmoronando por querer. Eu só… tô tentando ser forte. Mas às vezes dói.

— Kara… — Lena sussurrou, colando o rosto ao dela. — Eu não fico porque você é forte. Eu fico porque eu te amo. Mesmo quando você desaba.

Kara fechou os olhos. As gêmeas se moveram, como se reagissem àquelas palavras.

E Lena sentiu. Uma pulsação mágica, quase imperceptível. Um “obrigada” silencioso. Como se as meninas também tivessem entendido.

— Você sentiu isso? — Kara perguntou, abrindo os olhos.

— Senti.

E então, com um último suspiro, Kara adormeceu. Flutuando levemente acima do sofá, com um sorriso nos lábios, cercada por amor, caos… e magia.

Porque, às vezes, ser forte era apenas isso: ter com quem contar.

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G͟r͟a͟v͟i͟d͟e͟z͟ i͟n͟e͟s͟p͟e͟r͟a͟d͟a͟ ~͟ S͟u͟p͟e͟r͟c͟o͟r͟p͟ •͟ K͟a͟r͟l͟e͟n͟a͟Where stories live. Discover now