Kara não chorava mais.
Não por falta de dor — ela ainda a sentia, latejante, como se vivesse entre carne viva e vidro quebrado — mas porque seu corpo já havia desistido de reagir. Era como se chorar tivesse deixado de ser uma opção, como respirar também quase deixara. Sentada no canto do sofá da sala de Alex, encolhida como uma lembrança mal formada, ela não fazia mais do que existir.
Alex passava os olhos pela irmã de tempos em tempos, silenciosamente, sem saber como preencher aquele abismo que se criara entre elas desde o resgate. O DOE, mesmo com toda sua força, mal conseguira tirá-la viva. E ainda assim, algo dentro de Kara parecia ter ficado naquele cativeiro, sob as garras frias de Lilian Luthor.
Ela não tocava na comida. Não via TV. Mal respondia. Quando Alex tentava puxar conversa, Kara apenas assentia ou murmurava palavras curtas, sem nunca olhar diretamente para ela. Seus olhos estavam baços, vazios, e quando Alex os encarava por tempo demais, tinha a estranha impressão de que ela via coisas que ninguém mais via. Coisas que a devoravam por dentro.
E era exatamente isso que acontecia.
Kara acordava todas as noites encharcada de suor, os olhos marejados e o peito arfando, mas calada. Sentia os toques frios de Lilian em sua pele, os gritos ecoando, as palavras cruéis cortando mais do que qualquer lâmina.
“Você é só um útero alienígena com uma utilidade”, dissera Lilian. “Agora você finalmente servirá para alguma coisa.”
Ela tentava se convencer de que não fora real. Que era fruto do pesadelo. Mas seu corpo... seu corpo dizia o contrário. E a sensação era insuportável.
Alex, do outro lado, estava exausta. Já havia procurado todos os especialistas, todos os médicos, todos os meios. Mas nada explicava o que estava acontecendo com Kara. Fisicamente, ela estava saudável. Não havia ferimentos internos ou sinais de violação visíveis, o que apenas tornava tudo mais desesperador.
— Eu preciso saber o que ela passou, — Alex sussurrou ao telefone para Kelly certa noite, com os olhos vermelhos de cansaço. — Preciso descobrir, ou ela vai definhar bem na minha frente.
Kelly sugerira um psiquiatra, um hipnoterapeuta, mas Kara recusava tudo. Qualquer menção a Lilian, ou à própria dor, fazia com que ela se fechasse ainda mais.
Foi só no sexto dia desde o resgate que Alex notou algo estranho. Kara vomitou três vezes pela manhã. Primeiro no banheiro, depois logo após tentar tomar um copo d’água, e por fim, no sofá, apenas ao sentir o cheiro do café. Não era comum. Kara, apesar da depressão aparente, sempre tivera um organismo forte. Isso... isso era diferente.
Preocupada, Alex colheu sangue, fez exames, pediu ultra-som. Levou as amostras ao laboratório do DOE, exigiu urgência. Passou a noite em claro, nervosa. O resultado chegou na manhã seguinte.
Grávida.
Alex encarou os papéis em silêncio. As mãos tremiam. O sangue lhe fugiu do rosto. Ela levou segundos para entender as palavras, e quando finalmente o fez, caiu na cadeira com a boca entreaberta, como se tivesse esquecido como se respira.
Kara estava grávida.
Kara. Estava. Grávida.
Não sabia o que fazer com essa informação. Não sabia como dizer. Como explicar para sua irmã algo que ela mesma mal podia aceitar.
Mas antes que pudesse criar coragem, escutou um gemido vindo do quarto. Correu, já com o coração acelerado, e encontrou Kara de joelhos no chão, os olhos arregalados, o corpo tremendo em ondas incontroláveis.
Uma crise de pânico.
Alex caiu ao lado dela, a abraçando com força. A voz saía embargada, mas firme:
— Ei, tá tudo bem. Eu tô aqui. Respira comigo, Kara. Por favor... isso, inspira, solta... você não tá sozinha. Eu tô aqui...
Kara se agarrou a ela como se fosse a última coisa que a prendia ao mundo. Chorou, gritou, murmurou coisas desconexas. Alex a segurou por horas, sem soltar, sem sair dali. Até que, por fim, os soluços cessaram e Kara caiu num sono exausto em seus braços.
Foi nesse momento que Alex entendeu. Ela não podia guardar aquilo sozinha. Não podia esperar Kara estar pronta. Alguém precisava saber o que tinha acontecido ali.
Alguém precisava descobrir o que Lilian Luthor tinha feito.
E só havia uma pessoa que podia ajudar a encontrar essa resposta.
Lena estava trancada em seu laboratório particular quando Alex entrou sem ser anunciada.
Ela não olhou. Continuou mexendo nas fórmulas à sua frente como se não quisesse ou não pudesse ver o mundo ao redor.
— Preciso da sua ajuda — disse Alex, direto ao ponto.
Lena só ergueu os olhos por um segundo. Havia algo neles — culpa, talvez. Ou negação.
— Se veio me culpar, não precisa. Já faço isso sozinha todos os dias.
Alex ignorou a provocação. Andou até ela e jogou os exames sobre a bancada. Lena hesitou antes de olhar, mas, ao fazê-lo, sua expressão mudou completamente.
— Isso é... uma gravidez?
— Da Kara — confirmou Alex, e então completou: — Lilian fez isso com ela. Nós a resgatamos tarde demais, Lena. E agora, ela está se desintegrando por dentro.
Lena recuou um passo. O mundo girou. Sentiu o estômago revirar, a garganta secar.
— Não... não pode ser... ela... não...
— Ela não fala com ninguém, Lena. Só comigo. E mesmo assim, só o mínimo. Ela não reage. Está apagada por dentro. Eu não sei o que fazer, mas você sabe como sua mãe pensa. Pode me ajudar a descobrir o que foi feito, que tipo de procedimento, de tecnologia...
— Você quer que eu vasculhe os horrores da mente da minha mãe... pra ajudar a mulher que eu... — ela parou. Não disse o que sentia. Não conseguia.
Alex ficou em silêncio, encarando-a. Até que, com voz baixa, completou:
— Pra ajudar a mulher que está carregando uma criança que pode ser sua.
A frase caiu como uma bomba no coração de Lena.
Ela desabou na cadeira sem forças, os olhos marejados, a mente girando com mil perguntas. Não sabia o que sua mãe tinha feito, mas agora sabia o que ela havia perdido.
E o que precisava proteger.
— Me diga tudo. Cada detalhe. Cada exame. Cada palavra que ela disse, — sussurrou Lena, com os olhos fixos nos papéis. — Eu não vou descansar até descobrir o que minha mãe fez com ela.
Naquela noite, Alex voltou para casa com mais perguntas do que respostas. Mas, pela primeira vez em dias, viu Kara olhando para a janela, com um leve brilho nos olhos.
Ela não sabia o que se passava no mundo fora daquele apartamento.
Mas algo dentro dela, muito lá no fundo, começava a se mover.
E talvez, só talvez... ela quisesse lutar.
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G͟r͟a͟v͟i͟d͟e͟z͟ i͟n͟e͟s͟p͟e͟r͟a͟d͟a͟ ~͟ S͟u͟p͟e͟r͟c͟o͟r͟p͟ •͟ K͟a͟r͟l͟e͟n͟a͟
FanfictionEm um dia marcado por sintomas inexplicáveis e uma fome insaciável, Kara Zor-El descobre que está grávida, gerando uma onda de choque em sua irmã mais velha, Alex Danvers. Enquanto Alex tenta lidar com a revelação, a possibilidade de que o pai da cr...
