𝐈𝐈𝐈

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𝘈𝘷𝘪𝘴𝘰; 𝘯𝘢̃𝘰 𝘢𝘤𝘩𝘦𝘪 𝘲𝘶𝘦 𝘢𝘭𝘨𝘶𝘦́𝘮 𝘭𝘦𝘳𝘪𝘢 𝘦𝘴𝘴𝘢 𝘧𝘪𝘤 𝘴𝘦 𝘦𝘶 𝘴𝘰𝘭𝘵𝘢𝘴𝘴𝘦 𝘢𝘲𝘶𝘪, 𝘦𝘯𝘵𝘢̃𝘰 𝘷𝘰𝘶 𝘤𝘰𝘯𝘵𝘪𝘯𝘶𝘢𝘳 𝘱𝘰𝘳𝘲𝘶𝘦̂ 𝘦𝘴𝘵𝘰𝘶 𝘪𝘯𝘴𝘱𝘪𝘳𝘢𝘥𝘰(𝘢)

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Kara acordou com um gosto metálico na boca e o som abafado da chuva contra a janela. Ainda estava escuro, mas ela sabia que passava das três da manhã. O corpo, embora exausto, parecia tenso como um fio prestes a romper.

Seu primeiro impulso foi fechar os olhos novamente. Se ficasse imóvel, se fingisse que dormia, talvez o mundo lá fora desaparecesse. Mas então sentiu — a náusea. Uma onda repentina de calor no estômago, o suor nas palmas das mãos, a tontura leve.

Correu para o banheiro sem acender as luzes, como se seus sentidos a guiassem por instinto. Caiu de joelhos diante do vaso e vomitou até não sobrar nada além de lágrimas e tremores.

Ela mal percebeu quando Alex apareceu, de camisola e cabelos desalinhados, se ajoelhando ao seu lado. Pela primeira vez em dias, Kara a olhou nos olhos.

— Eu tô... — começou, mas a voz falhou. — Eu tô... com medo, Alex.

Foi o bastante para quebrar o silêncio entre elas. Alex puxou a irmã para o colo, acariciando seus cabelos como fazia quando eram adolescentes. Kara não lutou. Apenas se deixou acolher, pequena e vulnerável como nunca estivera.
— Eu sei. Mas você não precisa passar por isso sozinha — sussurrou Alex. — Eu prometo que vamos descobrir o que aconteceu. E vamos dar um jeito. Com você. Com o bebê.
Kara enrijeceu ao ouvir a palavra. Bebê.

Ela ainda não conseguia processar a ideia.

Como poderia estar grávida? Como era possível que algo tivesse crescido dentro dela sem seu consentimento? E pior: como podia odiar tanto aquela parte de si mesma e, ao mesmo tempo, sentir uma dor quase sufocante ao pensar em perdê-la?

Na manhã seguinte, Alex tentou convencê-la a fazer um novo ultrassom. Kara apenas assentiu, sem realmente confirmar. Passou o resto do dia olhando fixamente para o teto, como se uma resposta estivesse escondida entre as rachaduras da pintura.

Foi no fim da tarde que Alex recebeu uma ligação de Lena.
— Preciso que você venha até aqui — disse a cientista, tensa. — Descobri alguma coisa. E... talvez você não goste.
Alex chegou ao laboratório particular de Lena pouco depois, e foi recebida com expressão grave.

— Eu reanalisei o material genético do exame que você trouxe, — começou Lena, com os olhos vermelhos de noites mal dormidas. — E... Alex, não há material genético masculino.

Alex congelou.

— Como assim?

— Quero dizer... não há esperma. Nenhum. O feto... ele é composto inteiramente de material genético da Kara. E de outra mulher.

— Quem? — Alex perguntou, embora já soubesse a resposta.

Lena hesitou. Suas mãos tremiam. Era difícil dizer aquilo em voz alta.

— Meu DNA está presente.

Silêncio.

Era como se o mundo tivesse parado.

— Então... ela está grávida de você? — murmurou Alex, incrédula.

— Biologicamente, sim. Mas isso não foi natural, Alex. Foi manipulado. Um processo altamente avançado, com alteração forçada de compatibilidade genética. Minha mãe... ela conseguiu fazer o impossível.

— Isso foi um experimento, — disse Alex, amarga. — Ela transformou a minha irmã em um tubo de ensaio vivo.
Lena sentou-se, derrotada.

— E eu fui a peça final. O DNA que ela precisou pra criar o embrião perfeito. Meu ódio, minha mágoa... foram usados contra ela.

Alex respirou fundo, lutando contra a vontade de socar alguma coisa — ou alguém. Depois de um longo momento, ela falou:

— Kara precisa saber. Mas... você precisa ser a pessoa a contar isso.

— Ela não vai querer me ver, — murmurou Lena.

— Então você vai fazer ela querer. Porque agora não se trata só de vocês duas. Se trata de uma criança. De uma família sendo criada a partir de um crime.

Lena fechou os olhos. Não sabia se estava pronta. Mas tinha certeza de uma coisa: precisava tentar.
No fim daquela noite, Kara ouviu um leve toque na porta do quarto.

— Sou eu, — disse Alex. — Você pode conversar com alguém?

Ela hesitou. Mas então, com voz rouca, respondeu:

— Pode entrar.

A porta se abriu lentamente. Kara viu Alex primeiro, e então… Lena, parada atrás dela, os olhos baixos, o rosto pálido.

O tempo parou.

O ar ficou denso, como se toda a dor acumulada nos últimos meses pairasse ali entre elas.

— Oi, Kara — disse Lena, baixinho. — Eu... eu não sei se tenho o direito de estar aqui. Mas precisava te ver.
Kara a olhou por longos segundos. Depois baixou os olhos para a própria barriga.

— Foi você? — sussurrou. — O DNA... é seu?

Lena assentiu, com lágrimas nos olhos.

Kara riu, um som fraco, quase amargo.

— Que irônico, né? A única pessoa que eu amei... foi usada pra me destruir.

— Eu não sabia, Kara. Eu juro que não sabia.
Silêncio.

— E agora? O que você quer? — perguntou Kara, com a voz quebrada. — Dizer que sente muito? Que não queria que fosse assim?

Lena se aproximou um passo, apenas um.

— Não. Quero dizer que eu estou aqui. E que se você deixar... eu vou lutar por você. Por esse bebê. E por tudo que minha mãe tentou destruir.

Os olhos de Kara encheram-se de lágrimas.

Ela queria odiá-la. Queria gritar, expulsá-la, machucá-la com palavras.

Mas, no fundo, o que mais queria era que Lena não fosse embora.

E então, baixinho, ela disse:

— Me conta... tudo que você descobriu.

E pela primeira vez, as duas sentaram juntas, lado a lado, no mesmo quarto, carregando cicatrizes que talvez nunca sumissem.

Mas havia algo novo ali.

Talvez fosse esperança.

G͟r͟a͟v͟i͟d͟e͟z͟ i͟n͟e͟s͟p͟e͟r͟a͟d͟a͟ ~͟ S͟u͟p͟e͟r͟c͟o͟r͟p͟ •͟ K͟a͟r͟l͟e͟n͟a͟Where stories live. Discover now