Capítulo vinte e três: coroação

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•Aurora.

Mais um dia naquele lugar infernal e eu enlouqueceria. Pedi ajuda a Hange para me levar na coroação da nova rainha. Levi teria deixado eu sair, mas não moveria um único dedo para me fornecer ajuda. Armin não me deixaria ir e o resto não me visitava, então não tinha nem como pedir. Estava com meu braço direito sobre o ombro da garota de óculos. Ela sorria muito animada para mim.
- É isso aí, não vai fazer bem para você ficar enfurnada nesse quarto. Vamos para a festa!! - Ela levanta as duas mãos em comemoração me fazendo cambalear um pouco. Ela me puxa pela cintura e cola seu corpo contra o meu. - Foi mal. - Ela ri.

- Eu prefiro chegar a festa com minhas pernas funcionando. - Digo de forma irônica. Ela me leva até um quarto, me deixando em frente a porta.

- Obrigada, Hange.

- De nada. Coloquei o uniforme em cima da cama. Até mais, te vejo lá. - Ela diz em seguida acenando para mim e indo embora.

Me viro para o lugar, um quarto simples, mas muito bonito. Paredes cinza escuro, uma janela grande na parede a direita da porta, dando vista para a cidade que brilhava com o sol. Vou para o banheiro e tomo um banho. Só precisei da ajuda de Hange por causa das enormes escadas do lugar. Já conseguia me manter de pé sozinha, e andar sozinha também. Mas as escadas complicariam muito.
Sinto a água fria escorrer sobre meu corpo, me causando calafrios. Era relaxante, mas seria mais agradável em um dia quente, o que não é o caso. Termino e me visto. Decido deixar o cabelo solto, já estava me sentindo estranha o suficiente com aquele uniforme verde e grosso. Faltavam alguns minutos antes da reunião.

Vou até a cozinha para procurar algo para comer. E encontro Sasha com um pão na boca e outro na mão. Dou uma risada e pego uma maçã em cima da mesa. Quando me viro vejo Levi encostado na porta.
- O que está fazendo fora da cama? - Ele pergunta com a voz fria.

- Ahh, é verdade. Não tinha pensado nisso. - Sasha diz enquanto sai da sala. - Que bom que melhorou. - Tenho a leve impressão de que ela saiu muito mais por causa do Levi do que porque tinha outras coisas pra fazer.

- O que tem demais? Eu pedi sua ajuda porque estou bem, e você me recusou de um jeito tão frio. - Coloco a mão no peito fingindo estar indignada e depois dou um sorriso. - Então pedi ajuda a Hange.

- Tinha que ser aquela quatro olhos. Deveria ter proibido a entrada dela no seu quarto, na verdade, deveria ser na muralha inteira. - Ele começa a andar em minha direção e para, sentando em cima da mesa. - Você realmente não sabe ficar quieta, não é? - Ele vira seu rosto para mim. A mesa não era alta, então seus pés encostavam no chão. Suas mãos estavam um pouco para trás, deixando seu corpo inclinado. Aqueles olhos penetravam o fundo da minha alma, feriam o meu ego me fazendo querer atacá-lo de uma vez por todas. - Por que está me olhando desse jeito? - Finalmente saio do transe.

- Não enche, Levi. - Começo a andar e passo em sua frente devagar por causa da perna. Sinto sua mão empurrar meu ombro e me fazer virar para ele, ficando de frente para seu corpo.

- Quantas vezes vou ter que dizer para você me chamar de Capitão?

- Eu já escutei vezes o suficiente e você vai continuar escutando apenas "Levi". - Digo com um tom um pouco sério.

- Bom, você já me chamou de Capitão uma vez. Me diga o porquê. - Ele inclina seu rosto para o lado esquerdo e começa a mexer no brinco com uma pedrinha brilhante em minha orelha.

Levo minha mão até a sua, acariciando um pouco antes de tirá-la de perto de mim de forma violenta.
- Isso foi apenas um engano. Prometo que não vai acontecer de novo, Levi. - Deixo o nome dele enfatizado enquanto voltava a andar.

...

A coroação de Crista foi emocionante, mas a festa depois estava sendo melhor ainda. Bebidas para lá e para cá. Até a rainha estava entrando nessa. Virava uma taça de vidro com um sorriso no rosto. Hange passava perto de todos e os chamava para dançar, os que não aceitavam ela puxava com uma força absurda. Agradeço por estar com a perna machucada.

Levi parecia feliz, mesmo sem expressar nada. Era estranho, mas normal também. Erwin motivava todo mundo na roda a virar um copo com alguma bebida desconhecida, enquanto ele mesmo não as bebia. Eu já estava vendo as coisas meio embaçadas, e nem sou de beber tanto. Deve ser exatamente por isso. Tenho a leve impressão de ter falado alguma coisa sobre pegar a Hange no armário de vassouras depois da festa. E tenho a impressão pior ainda de que ela deu um beijo na minha bochecha.
Puta merda!! Preciso ir embora.
Me levanto e cambaleio, não sabendo mais se era por causa da perna ou da bebida. Jean me segura pela cintura e começo a me sentir mais tonta ainda.
- Ôpa, calma aí garota. Acho melhor você ir embora. Posso te levar se quiser...

- Não, eu faço isso. Já estava de saída mesmo. - Vejo Levi levantar bruscamente da cadeira que agora percebo ser extremamente desconfortável.

- Sendo sincera, acho que nenhum dos dois vai gostar de me levar. - Sinto uma vontade imensa de vomitar.

- Acho que você deveria beber mais um pouco, talvez assim, desmaie de uma vez e pare de falar merda. - Levi diz enquanto praticamente arranca a mão de Jean de mim.

- Eu ainda te escuto, idiota. Quando eu melhorar, juro que vou arrancar sua cabeça. - Já estávamos do lado de fora do lugar. A noite fria congelava meus ossos e me trazia de volta a sanidade.

A carruagem me deixava tonta, um silêncio pairava sobre o lugar. Voltei meu olhar para Levi, ele olhava pela janela. Parecia pensativo, até demais. Seus olhos brilhavam com as luzes das casas que passavam. Viro meu rosto quando percebo que ele vai me olhar. Vejo de canto de olho que seu rosto parecia confuso.

Finalmente chegamos ao QG. Saio da carruagem e começo a andar, mas paro em frente a escada que leva para a porta da frente. Levi me ajuda a subir e depois me deixa na sala.

- Obrigada. - Vou para meu quarto e tomo um banho. Acredito que ainda não seja tão tarde, então saio para ver se consigo encontrá-lo, provavelmente estaria na sala.
E ele realmente estava. Com uma xícara de chá na mão e um livro em seu colo.

- Pensei que fosse ter paz essa noite. - Ele fecha o livro e se vira para mim. Sinto uma vontade imensa de ir embora naquele momento.

- Você parecia bem determinado em ter minha presença aqui quando ainda estávamos no castelo. - Digo de forma irônica.

- Apenas pensei que você fosse capotar na cama de uma vez por todas.

- Não precisa mentir, Levi. Estamos apenas eu e você aqui. Pode assumir que fez isso para ficar sozinho comigo. - Meu coração estava para sair pela boca. Falei aquilo apenas por reflexo.

Ele não diz nada, apenas permanece me olhando. Começo a andar em sua direção e sento ao seu lado.
- O que vai acontecer agora? - Pergunto indiferente.

- Não sei. Planejamos concertar a muralha, Eren treinou para isso até agora.

- Posso fazer uma pergunta? - Estava um pouco nervosa. - Já sentiu vontade de ter nascido em outra vida? - Acredito que essa pergunta era mais para mim do que para ele.

Ele pensa um pouco, mas acaba não respondendo.
- Eu senti isso a minha vida inteira. É irônico, não é? Agora estou em outra vida. Me senti bem em certos momentos, em outros eu queria voltar. Me senti mais corajosa, mais forte, a única coisa que eu não tinha lá. E consegui isso com pessoas mais traumatizadas que eu. Outra coisa irônica. Mas mesmo assim, acho que não me encaixo aqui, nem lá, e provavelmente em lugar nenhum. Pensei que tinha um propósito quando apareci magicamente aqui, mas a vida esfregou na minha cara, com um monte de mortes, que isso não era verdade. Então me pergunto, por que estou aqui? - Percebo que falei demais e acabo me arrependendo um pouco.

- Não tenho uma resposta para isso. - Ele diz. - Particularmente, não acredito em propósito. Mas se isso te dá alguma esperança, não tenho nenhum direito de te fazer acreditar do contrário. Não seja tão durona consigo mesma. Você nos ajudou a encontrar o Eren e a Crista, acredito que continuará sendo útil para nós.

A noite passava de forma lenta. Acabei deitando no sofá e adormecendo enquanto via Levi lendo seu livro. Estava com frio, mas cansada demais para levantar, então fiquei por ali mesmo.

Estilhaçados Pelo Tempo Where stories live. Discover now