Capítulo quatro: ...

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•Levi Ackerman.

Passávamos pelo mesmo corredor frio de pedra. Se alguém fosse claustrofóbico e tivesse que entrar ali, com certeza surtaria de imediato.
Seus passos eram lentos, estava um pouco atrás de mim, provavelmente porque ainda estava com medo. Saber o que aquela garota sentia não era difícil, ela era um livro aberto no quesito sentimentos. E nesse momento, a única coisa que passava pela sua cabeça era a visão que teve de mim. A muito tempo não sentia tanta raiva, nem sei ao certo o motivo. Aurora não disse nada que não fosse verdade.

Eu começo a caminhar um pouco mais lento, para tentar ficar ao seu lado. Mas quando vejo que ela também havia diminuído sua velocidade, apenas volto ao normal e sigo o caminho à frente. Consigo ver de relance suas roupas sujas, uma camiseta rosa bem maior do que deveria, e uma calça moletom preta. Os dois completamente cobertos por terra. Estava descalça, o que me surpreendeu ela não ter reclamado até agora. Sua aparência parece ser de uma garota mimada.

Chegamos no quarto e eu apenas abro a porta e faço um movimento para que ela entre.

- Vou buscar um colchão no porão. Fique à vontade, apenas não tire nada do lugar. - Minha voz soava um pouco mais autoritária do que eu queria, acho que já me acostumei a ser assim.

Saio pela porta e vou em direção ao porão. O lugar estava limpo, graças aos cadetes. Nem parecia um porão, não havia poeira em lugar nenhum. Estava lotado de caixas que ninguém sabia o que tinha dentro, armários já um pouco enferrujados pelo tempo, algumas mesas de madeira quebradas. Garrafas de uísque, panelas, equipamentos de treinamento, tudo empilhado ao lado direito.

Vejo um dos colchões de solteiro no canto da parede esquerda perto de uma mesa, percebo que em cima da mesa há um tabuleiro de xadrez, penso por alguns instantes se deveria levá-lo, mas decido que não.
O caminho de volta acontece normalmente.

- Aurora, preciso que abra a porta. - Sem dizer uma palavra, ela faz o que mando e a fecha depois que entro.
Coloco o colchão no chão e me volto para a menina que olhava fixamente para minha mão. É claro, o corte. Por causa da adrenalina não tive tempo de me preocupar com o ferimento.
- Não se preocupe, já estive pior.

- É, eu sei disso. - Sua voz soa seca e sem nenhuma compaixão.
Não deveria ser eu a estar falando assim?
Penso enquanto franzo a testa.

- Você precisa tomar banho. Tem um banheiro bem ali. - Falo apontando para uma porta que ficava de frente para a minha cama. Não havia muitos móveis, era um quarto pequeno. Apenas uma cômoda perto da cama do lado direito, onde haviam alguns livros e uma vela acesa que iluminava bem o quarto, ela não era a única presente no local, também havia uma em cima de uma escrivaninha do lado esquerdo da porta principal do quarto.

- Só me deixe lavar minhas mãos primeiro, espere um pouco. - Ela apenas assente com a cabeça.

- Eu não tenho roupa.

- Não se preocupe, vou conseguir algo para você enquanto estiver no banho. - Termino de lavar minhas mão e caminho até a cômoda feita com uma madeira clara, onde haviam algumas bandagens na última gaveta. Aurora já estava no banho, o barulho da água do chuveiro caindo sobre o chão envolvia o quarto. Acabo me prendendo um pouco no hipnótico barulho, permitindo a mim mesmo relaxar.

Abro a gaveta de cima e pego uma camisa branca, uma das que uso por baixo do uniforme durante as missões. Agora ela estava limpa, estava mais para uma camisa social. Mangas compridas e botões que vão da gola da camisa até em baixo. Procuro também uma calça com um tecido leve, embora ela seja apenas um pouco mais baixa que eu, acredito que vá ficar um pouco folgada demais. Dobro as duas e deixo em cima da minha cama.

•°•

A enfermeira me deu alguns anti-inflamatórios e disse para eu me deitar. Sua cara de tédio consegue ser pior que a minha, talvez tenha raiva do reconhecimento, não seria nenhuma surpresa. Estava na cozinha, havia feito chá de hortelã com limão e colocado alguns biscoitos em uma pequena bacia. Agora estava indo em direção ao quarto.

Aurora estava sentada sobre minha cama, encarava o chão como se ele fosse se abrir e a engolir. Uma expressão triste pairava sobre seus rosto de pele parda.
- Ei, não fique encarando meu chão. - Falo sem demonstrar preocupação, mas o suficiente para ela entender que era só uma piada. Ela apenas solta o ar de seus pulmões com agressividade, e me pergunto a quanto tempo ela estava o segurando.

- Não tô com fome.

- Eu não me lembro de ter perguntado se você estava com fome. - A raiva em sua rosto fica tão eminente quanto seu desconforto diante das minhas roupas. A camisa serviu perfeitamente, mas a calça, como imaginei, ficou um pouco folgada. Vou em direção a cama e coloco a bandeja com as duas xícaras de chá e os biscoitos.

- Apenas coma, dependendo do que o Erwin decidir amanhã, você vai precisar de forças. - Falo com um pouco de empatia na voz, enquanto a entrego a xícara.

- Obrigada. O que você quis com "dependendo do que ele escolher"? - Ela agora me olhava com um olhar de preocupação, suas sobrancelhas franzidas e seus olhos fixos nos meus.

- Ele provavelmente vai fazer você falar tudo que sabe sobre o que vai acontecer daqui para frente. Você tem o que é preciso para nos salvar.

- Eu não posso falar nada, Levi. - Suas palavras soam como um soco no meu rosto. Sinto decepção por aquela garota.

- Como não? Você está aqui por algum motivo, algo fez com que você entrasse nesse mundo, e para que, se não nos ajudar? - Aumento um pouco meu tom de voz, mostrando minha indignação sobre suas palavras.

- Eu posso ajudar vocês, mas não vou falar sobre o futuro. Isso pode acarretar coisas muito mais drásticas do que já vão acontecer. Não vou arriscar, não quero que mais pessoas morram por causa de uma decisão errada tomada por mim. - Era uma decisão realmente difícil. Ajudar correndo riscos, ou não ajudar e ver as pessoas que talvez possa ter salvado, se não fosse pelo medo.

- Você é uma covarde. - Embora meu tom de voz esteja calmo, sinto uma raiva subir através do meu corpo.

- Eu sei. - Ela sussurra quando finalmente quebra a troca de olhares e abaixa sua cabeça. Sua intenção era esconder as lágrimas, mas falhou miseravelmente.

Apenas viro meu rosto e lhe entrego a bacia com os biscoitos. Ela os pega, mas não volta a olhar para mim.

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