Capítulo dezesseis: monstros

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•Levi Ackerman.

Durante a tarde decidi não sair do escritório. O trabalho me consumia. Literalmente. Se alguém entrasse na sala, veria apenas os papéis em minha mesa, e não eu.
Por que tanto trabalho? Não faço a mínima ideia. Apenas brotaram aqui como uma montanha de touros, e eu estou tentando domá-los.

Escuto as batidas na porta e me levanto para receber Aurora. Já sabia que era ela, pois estava no horário em que havia pedido sua presença na minha sala. Seus passos estavam lentos. Parecia reservada, quieta. Poderia arriscar a dizer que ela é uma pessoa tímida.
- Antes de começarmos, me ajude a guardar esses papéis. - Digo apontando para a mesa. - Coloque-os naquele armário do lado esquerdo da parede. - Ela segue minhas ordens e se mantém calada.
Não a culpo, depois de tudo que aconteceu não é nenhuma surpresa esse silêncio. Não fico sozinho com ela a dias, e continuaria assim se não fosse algo tão importante quanto agora.

Como um passe de mágica, a mesa fica completamente limpa.
- Sente-se. - Vou até a gaveta de baixo do armário e pego um tabuleiro de xadrez. Olho para Aurora que, já sentada, me encara com uma expressão de confusão. - Já jogou? - Pergunto enquanto me sento a sua frente.

- Já, mas não gosto muito. Pensei que tivesse algo importante para me dizer. - Ela diz ainda me encarando.

- Está mais para um teste. Apenas confie em mim. - Olho finalmente em seus olhos e sinto um frio na barriga. - Sabe as regras?

- O suficiente. - Monto o tabuleiro e começamos a jogar. Ela move o peão para C4.
Previsível demais.
Ela sabe algumas jogadas, mas é apenas uma iniciante. Deu para ver no começo. Ela se baseia em movimentos prontos, em defesa simples, ao invés de usar a cabeça e tentar fazer outros tipos de jogadas menos previsíveis. O xeque mate vem em poucos minutos. 

- Eu não entendo o seu objetivo. - Ela diz enquanto olha para o tabuleiro.

- Eu te explicarei, mas por enquanto apenas dê o seu melhor na partida. - Coloco as peças de volta e me permito olhar um pouco para ela. Suas mão tocavam de forma delicada os cavalos, os bispos, as torres, a rainha, o rei e finalmente os peões. Seu cabelo estava preso em um coque mal feito, porém a deixava incrivelmente linda. Usava uma camisa simples de cor marrom bem escuro e um short jeans. Reconhecia aquela roupa, foi a que eu a entreguei ainda na época que ela dormia no meu quarto.

- Não imaginei que fosse usá-la. - Digo sem pensar, e me arrependo logo em seguida.
Que merda! Penso.

- Bom, eu preciso mexer a rainha. - Ela diz aparentando estar confusa. Fico aliviado por ela não ter entendido.

A partida agora estava um pouco mais complexa, apesar das jogadas repetidas ela está dando mais trabalho. Não deixando um xeque-mate acontecer tão rapidamente. Embora, mesmo com isso, eu ainda consigo ganhar. E ela perde mais uma vez.
Ela solta um suspiro, mostrando sua insatisfação com a situação.

- Me trouxe aqui apenas para me humilhar? - Aurora estava com uma ponta de raiva nascendo em seu tom de voz. Me lembro do dia que ela me deu um chute e tenho uma ideia.

- Eu não preciso de um jogo de xadrez para te humilhar, Aurora. Apenas relaxe e aproveite o jogo. - Falo enquanto colocava as peças mais uma vez no tabuleiro.

- O que quer dizer com isso? - Olho para ela, suas sobrancelhas arqueadas.

- Exatamente o que você entendeu. - Movo uma peça. Ela quebra a troca de olhares e se volta para o tabuleiro ficando completamente séria e calada.

O jogo começa a ficar difícil, me vejo em inúmeras situações quase impossíveis de defender ou contra-atacar. Sua vantagem vai se tornando nítida até que ela ganha.
- Cheque mate, capitão. - Seu deboche e raiva se tornam a única coisa presente em sua aparência. Completamente dominada por esses dois sentimentos.

- Incrível, é como pensei. Me escute, Aurora. - Ela me olha confusa. - Aquele dia que você me chutou... - Ela vira o rosto e tenta esconder que está sorrindo. Começo a encara-la e ela para. - Continuando. Você fez ataques muito peculiares. Precisos, exatamente iguais aos da titã fêmea. Com uma força que não é muito normal, pelo menos não vinda de você. Porque você não tem essa capacidade no momento, eu mesmo fui quem lutei contra você nos treinos e conheço seus limites. - Dou uma pausa. - Você não sabe disso, mas a única pessoa dentro das muralhas que pode me vencer em uma partida de xadrez é o comandante Pixis. O Erwin me daria trabalho... Bom isso não vem ao caso. A questão é que você conseguiu ganhar de mim na terceira partida, e nem sabe todas as regras. Uma iniciante como você, não poderia ganhar de mim em nenhuma situação. Como você explica isso? - Embora eu já tivesse noção de suas respostas, queria que ela pensasse um pouco.

- Eu... Não sei. - Faz uma pausa, ficando cada vez mais pensativa. - Você quer dizer que eu aprendo rápido? - Ela me olhava com confusão.

- É muito mais que isso. Você consegue copiar perfeitamente o que outra pessoa faz, apenas olhando. Talvez tenha sido por isso que se saiu tão bem no DMT.

- E como explica os meus cortes? Eles só vieram ficar "descentes" agora. - Ela diz.

- Bom, eu só mostrei como fazer uma única vez. Não estava muito animado para perder meu tempo ensinando uma pessoa que não vai nas missões a usar as espadas. - Era verdade, eu não estava nem um pouco afim de dar uma de professor para uma pirralha que não pretendia usar essas habilidades.

- Mas eu sou muito boa com o DMT. - Estava realmente determinada a achar um jeito de me contrariar.

- É muito mais fácil você ver pessoas usando o DMT do que as espadas. Os soldados usam às vezes apenas por diversão. - Respiro fundo e continuo. - Enfim, se minha teoria estiver certa, você poderia se igualar a mim facilmente e nos ajudar colocando a mão na massa, já que do outro jeito não deu certo, e esse que aderimos agora é lento demais. Esse seu poder, ou seja lá o que for, pode ser usado de diversas formas. Precisamos testar o para vermos o seu limite. Ou se não tem um limite. Falarei com o Erwin amanhã mesmo. Então se prepare, porque com a resposta dele, faremos tudo que estiver ao nosso alcance para conseguir respostas. Os treinos podem ficar mais rígidos, mas quero que você entenda o motivo e não se preocupe, pois não iremos extrapolar tanto. Pedirei ajuda a Hange, ele entende bem melhor disso e...

- Espera, por favor!! - Ela me enterrompe e então percebo que exagerei. - Vamos com mais calma. Eu tô ficando com medo. Primeiro, fala com o Erwin, depois a gente decide o que fazer. - Sua voz estava meio rouca. Havia se levantado da cadeira mantendo seu olhar para baixo. - Eu não quero que me testem como se eu fosse a merda dos seus titãs, então é melhor escolherem bem o que vão fazer. Porque, aparentemente, eu também posso me tornar uma ameaça para vocês. - Ela diz e se retira do escritório.

Aurora tinha razão. Ela é um ser humano, apenas uma criança. Mas nós também colocamos um bando de crianças na linha de frente contra os titãs. Já cheguei a pensar muitas vezes sobre quem realmente é o monstro aqui. Nós é quem destruímos as infâncias de milhares de pessoas, acabamos com dezenas de famílias. Mas chamamos aqueles que apenas seguem seu instinto de monstros. E eu acabei de tratá-la como se fosse apenas um experimento. A garota que a menos de um mês esteve apregada em minha mente como um ímã, dominando meu coração como um caubói e assassinando minha mente com sua personalidade.
Respiro fundo e olho para a janela ao lado esquerdo do sofá. Caminho até ele e me deito, apreciando a vista que tenho do céu coberto por estrelas.

Estilhaçados Pelo Tempo Where stories live. Discover now