Capítulo sete: jantar.

24 4 2
                                    

•Aurora.

Sei que eu deveria parar de pensar desse jeito, mas não consigo. Tenho medo de falar algo que não deva e acabar matando alguém. Falei sobre a missão, será que assim menos pessoas morreriam? Ou mais delas?

Remexia a comida de um lado para o outro.

- Pensei que estivesse morrendo de fome. - Me virei a ele só para receber aquele mesmo olhar frio, nem sei mais se o que sinto são só calafrios pelo medo que ele causa ou por outro motivo.
Que droga!

Desde que pisei o pé nesse lugar tenho uma sensação estranha toda vez que seu olhar se encontra com o meu. Como se fosse um ímã que me puxa tão forte que me machuca quando tento lutar contra.
- Experimente, garanto que não está ruim. - Ele completou.
Não respondo, apenas viro o rosto. Não posso continuar com aquilo, é tão confuso.

Levi solta um longo suspiro.
- Escute. Eu sei que não sou a melhor pessoa para conversar, mas estou aqui em sua frente e percebo que você não está bem. Fale comigo, diga o que sente, porque, por mais que você seja irritante quando fala, eu ainda prefiro ter seus gritos e xingamentos do que esse silêncio horrível e sua cara de depressão. - Sua voz soava meio estressada. Acho que se eu não falar nada ele vai acabar me dando um soco.

- Levi... Eu só não sei mais o que fazer. - Finalmente mantendo um contato visual por mais de meio segundo, via que, por sua expressão meio curiosa, me encarava a bastante tempo. - Tenho medo do que vai acontecer se eu falar algo, se eu contar o futuro para vocês. Não sei se seria certo. Posso acabar matando outra pessoa por tentar salvar uma, posso matar você. Ou, se eu não salvar ninguém, ter a oportunidade em minhas mãos de libertar tantas pessoas da morte e não usar.

Sinto as lágrimas descerem pelo meu rosto, o aquecendo aos poucos. Pelo menos assim, alguma parte de mim vai estar quente.

- Por favor, me diga o que fazer. Porque eu já acabei com minha cabeça e não consegui uma resposta. - Sinto algo frio passar por minhas bochechas. Algo que me arranha um pouco, e ao olhar para cima, vejo Levi enxugando minhas lágrimas com um pano branco. Me olhava fixamente sem demonstrar compaixão, nada, nem um resquício de sentimentos.

- Não chore, não é muito agradável. Eu e Erwin vamos fazer o melhor para salvar todas as pessoas possíveis. Fez o certo a nos contar, usaremos suas informações para conseguir capturá-la mais rápido e com menos perdas. - Sua voz estava baixa, quase como um sussurro. A rouquidão soava como uma orquestra. Era tão relaxante que nem percebi que estava de boca aberta, o olhando como um cachorrinho. - Agora coma. Amanhã vou ensinar você a usar o DMT.

Foi como se tivesse tirado os arames que me enforcavam e faziam meu coração sangrar.

Talvez ele não seja tão durão quanto mostra ser.

Faço o que ele manda, como o mais rápido que posso e até me engasgo um pouco.
- Eu vou dormir no seu quarto de novo? - Pergunto.

- Por quê? Não gosta dele? - Me retrucava como se fosse uma criança que acabara de ver alguém xingando seu brinquedo favorito.

- Acho que vai ficar meio estranho. Uma cadete dormindo no quarto do capitão. - Ele solta a colher e volta seu olhar para mim.

- Vai continuar dormindo no meu quarto. Não será estranho porque todas as noites só entraremos nele depois que todos estiverem dormindo, como agora. Mas vou pedir que arrumem um quarto como os outros, para você fingir que é o seu. Todo o seu material necessário estará lá. - Levi havia deixado o pequeno pano, que enxugou minhas lágrimas, em cima da mesa. Me perguntou porquê ele anda com isso.

- Por que eu tenho que continuar dormindo com você? - Levi bufa para mim assim que termino a frase.

- Em primeiro lugar, pirralha, agora que é uma cadete deverá obedecer sem questionamento. Se eu disser para você dormir no meu quarto, você vai. Em segundo, essa ordem não veio diretamente de mim, e sim do comandante Erwin. Então, por mais que eu queira você bem longe, eu não tenho essa opção.

Grosso! Penso.

- Você falou e falou, mas não respondeu minha pergunta. - O questiono novamente, porém só recebo um olhar assustador. Uma pena para ele, já me acostumei com isso. - Ah, vai Levi. Não seja tão ruim, me diga porquê. Está obcecado por mim? - Falo com sarcasmo.

- Me arrependi de consolar você. Ficava muito melhor enquanto estava calada e depressiva.

- Não foi isso que você disse agora pouco. - Um sorriso sínico se mostra em meu rosto.

O baixinho apenas me encara. Ele já havia terminado seu prato, provavelmente só estava me esperando para irmos dormir.
Me levanto e deixo meu prato na pia da cozinha.
- Onde pensa que vai? - Levi fala de forma alta e grosseira.

- Dormir. - Ele coloca a mão na testa e solta um longo suspiro.

- Sério? Lave o seu prato e deixe de ser tão imunda. - Ele apontava para minha camisa que estava um pouco suja, provavelmente havia derrubado um pedaço de carne e nem percebi.

Levi estava me irritando muito hoje. Me colocou para lavar os banheiros, uma tortura por sinal. E me fez passar fome por mais de três horas. Talvez eu morra. Mas vou me vingar agora mesmo.

Começo a andar em sua direção e paro a trinta centímetros do seu corpo. Pego o prato que estava em sua mão, um pouco sujo com o molho da carne, e uso meus dedos para limpar de uma forma que Levi não perceba. Vou até a pia e coloco um pouco de sabão na minha mão.
- Pode me dizer como funciona o DMT? - Tento distrai-lo um pouco.

- Faça o que eu mandei. - Viro meu corpo em sua direção e finjo escorregar. Começo a cair em sua direção tentando me apoiar nele com a mão suja de molho e sabão, mas com um movimento rápido ele sai da minha rota e me deixa cair no chão.

- O que pensa que está fazendo? - Ele perguntava com uma voz calma, até demais.
Olho para ele, e vejo sua expressão de confusão.

- Eu cai, não tá vendo? Vai me ajudar a levantar ou só ficar olhando? - Ele revira os olhos e me estende a mão. Seguro ela e tento levantar. Caio de novo logo depois dele perceber o que havia feito.

Começo a rir incansavelmente. Levi me olha com sua expressão de fúria e com fogo nos olhos. Sinto a minha barriga doer de tanto rir, mas tento me controlar.

- Eu juro que não era esse o plano. Eu só queria cair em você e sujar sua roupa.

- Você vai se ver comigo, pirralha! Espere até amanhã. - Ele me dá as costas logo depois de lavar as mãos.

Lavo os pratos que faltavam e fico me perguntando o que ele planeja fazer.

...

Escuto o barulho da água caindo e imagino que seja Levi tomando banho. Pego meu colchão que estava guardado em baixo da cama de Levi e começo a cubri-lo com um pano azulado. Jogo um dos travesseiros, que estava na cama do baixinho, em cima da minha e pego um lençol branco para me cobrir. Fico esperando Levi sair do banheiro para que eu possa usá-lo.

Em alguns minutos ele sai. Seu cabelo, ainda bem molhado, caia sobre seu rosto de pele clara. As gotas de água ainda desciam sobre seu corpo até o abdômen e sumiam na toalha branca que só cobria a parte de baixo. Ele usava uma toalha mais pequena para tentar enxugar seu cabelo, mas falhava miseravelmente. Olhando seu corpo agora, percebo o quão coberto por músculos ele é, embora seja tão baixo. Nenhuma das roupas que ele usava destacavam isso, muito pelo contrário, só o faz parecer mais com um adolescente que nunca fez exercícios na vida.

- Parece que é você quem está obcecada por mim. - Sua fala me tira do transe e percebo que estou olhando demais.

- Eu não sou obcecada por você, idiota. - Acabo duvidando das minhas próprias palavras.

- Então porque está me encarando?

- Eu não estava te encarando. - Ele me olha e começa a andar em minha direção ficando a meio metro de distância.

- Sim, você estava. - Eu reviro os olhos, mas em menos de um segundo Levi coloca suas mãos por trás da minha cabeça e puxa meu cabelo me fazendo chegar perto de seu rosto ao ponto de sentir sua respiração quente. - Não revirei os olhos para mim. Eu sou seu capitão.

Ele me solta, mas continua me encarando.

- Não sabia que você era de ouro. - Falo enquanto passo a mão pela minha cabeça para tentar amenizar a dor.

- O que quer dizer com isso? - Ele pergunta de forma curiosa.

- Nada. - Me viro de costas e vou para o banheiro.

Estilhaçados Pelo Tempo Onde as histórias ganham vida. Descobre agora