Eu Era o Fantasma

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James

Quando jogou o último corpo na cova coletiva o sol já estava se recolhendo e só restava um fiapo de luz e nuvens alaranjadas. Ao menos tinham comida entre as provisões e não precisaria se preocupar com isso, tudo que precisava fazer era encontrar um lugar para montar acampamento e acender uma fogueira. Fitou o homem a sua frente, carregava um feixe de gravetos preso com uma corda, ainda não estava certo do que acarretaria a presença de tal mas estava tomando cuidado. Naiáde confiava nele, não tinha motivos para duvidar mas também não conseguia simpatizar com o sujeito.

— Eu acendo, deve estar cansado.— disse ele e caminhou seguindo a estrada, James não discutiu, voltou a carruagem e depois de checar que a sereia cochilava, guiou os cavalos para a mesma direção.
Athos trabalhava rápido, em poucos minutos já havia encontrado uma clareira, montado um círculo de pedras para a fogueira e acendido. James continuava calado, remoendo vez após outra a situação desesperadora que ela teria passado, se irritando novamente e se acalmando com a lembrança da fragilidade da moça espremida no seu abraço.
Foi tirado dos pensamentos pelo som de passos e se virou para encontrar Naiáde caminhando em sua direção, segurava um cesto de frutas, pães e carne salgada que haviam comprado no último vilarejo. O olhar ainda parecia totalmente sem vida visível mesmo com a luz fraca da fogueira mas ainda era tão linda quanto no primeiro dia na tenda militar.

— Você demorou.— Athos disse antes que James pudesse falar qualquer coisa.

— Podia ter caçado uma lebre. Não seria a primeira.— respondeu sem emoção e encarou James nos olhos, dando um leve sorriso tranquilizador em seguida, mas não adiantou muito para melhorar os ânimos, ela estava ferida, por que tentaria tranquilizá-lo?

— Se quiser voltar, podemos atravessar a muralha de novo e pedir mais tempo a Sua Majestade.— propôs na tentativa de animá-la mas alguma parte no seu interior sabia que ela não iria aceitar. Se aproximou dela e sentou no tronco caído ao seu lado, observou os movimentos rápidos da mulher enquanto descascava frutas com a adaga de lobo e aceitou quando ela ofereceu a mesma.

— Está preocupado comigo, senhor Reed? Ou com a ordem do rei?— perguntou ela, a voz falhou um pouco, rouca e ferida, levando-o cada vez mais para a beira do abismo.

— Me preocupar com você já é uma ocupação diária. Não sei como se sente mas sei o quanto deve estar assustada, se aquele desgraçado já não estivesse morto, eu mesmo me encarregaria de torturá-lo.— admitiu com sinceridade, ignorando o segundo homem que se ocupava com a carne da cesta.

— Eu matei hoje. Isso deveria me atormentar mais do que o fato de ter sido atacada. Muitas mulheres já passaram por isso, pior que isso, seria uma ofensa a elas me perturbar por algo que nem chegou a acontecer.— declarou baixo, James sentiu uma coceira no coração e se remexeu de desconforto.

— Foi a primeira vez, não é? Você não chegou a matar nada além de corsas ou coiotes quando o general estava treinando a gente.— indagou Athos, James o encarou.

— Não é muito diferente.— observou Naiáde levando um pedaço de pão aos lábios e se silenciou pelo tempo em que comia.
Todas as vezes que a olhava parecia menor e mais frágil, e a viagem parecia cada vez menos ser uma boa ideia.

— Eu viajei por meio dia a cavalo até chegar aqui, vocês devem levar o dobro desse tempo para chegar a vila, mas antes, pode me dizer o que está planejando indo até lá?— questionou Athos, a voz do homem era firme, começava a irritar James mas não conseguiu disfarçar a feição irritada, torceu que a escuridão o estivesse encobrindo.

— Otto me entregou como concubina, obedecendo ordens do rei Ithalos e uma exigência de Belfort no tratado de paz, uma exigência sem o menor cabimento. Mas fui acusada de tentar assassinar o rei Albert e depois que minha inocência foi provada eu propus um acordo.— explicou ela, sua voz não tinha dúvidas ou mesmo incertezas, ela estava coberta de confiança.— Eu vou matar Ithalos.— completou sem pestanejar. Athos ficou em silêncio por alguns segundos, James se questionou se ele não tinha ouvido ou só não acreditou.

— Vai a vila pra recrutar?— perguntou o soldado.

— Sim. Imagino que lá não irão me negar ajuda. Cargia sofrerá um golpe de estado mais cedo ou mais tarde.— admitiu ela.

— Foi isso que conversou com Sua Majestade na reunião? Contou sobre esse plano suicida?— James indagou com certa rispidez.

— Sim, senhor Reed. A propósito, se lembra da história do fantasma no acampamento? E do garoto que foi pego roubando, um deles era eu, como já havia contado, e o outro era o afamado Athos aqui.— disse com humor mas James não conseguiu rir, as marcas nas costas foram no lugar daquele homem, como isso poderia ser motivo de riso?— Discutiremos apropriadamente depois que chegarmos a Richmond, imagino que vai manter Sua Majestade ciente de todos os acontecimentos dessa viajem.— supôs com razão, James concordou e aceitou quando Athos estendeu um prato de metal com pedaços de pão e carne, pouco comparado aos jantares no palácio, porém, um banquete comparado aos tempos de guerra.

— Eu sou só uma companhia, não vou me intrometer nas suas decisões senhorita, porém, pedirei que não me esconda nada, em nome de nossa boa amizade até agora.— pediu com a intenção que ela entendesse que estaria lá para ela quando quisesse falar, ou chorar, sinceramente se ela lhe pedisse um ombro ou seu direito de nascimento, daria a ela sem pensar duas vezes.

— Manterei isso em mente.— disse e tossiu levemente levando a mão frente a boca, a noite era muito mais fria do que os dias e o vento assobiava por entre as árvores.

— Está frio, deveria se proteger na carruagem.— propôs torcendo em silêncio que ela não quisesse ficar sozinha, que quisesse estar na segurança dos braços tanto quanto ele a queria lá.

— Tem razão. Athos?— chamou Naiáde.— Pode voltar a vila primeiro amanhã? Conte que estamos a caminho. Não quero que atirem na gente quando estivermos perto.— pediu se levantando, James observou uma mecha dos cabelos deslizar cobrindo o rosto e por um instante, na pouca iluminação que a fogueira proporcionava, poderia confundi-la tanto com um anjo quanto com um demônio.

— Já planejava isso.— disse o outro.

— Então boa noite. Senhor Reed?— chamou.— Pode fazer a primeira parte da guarda?— perguntou frustrando James mas acenou positivamente e a observou caminhar de volta a carruagem, sem deixar de perceber seu corpo trêmulo contra o vento frio.

— Não precisa ficar preocupado com ela. É forte, basicamente um soldado.— declarou Athos, James concordou enquanto continuou comendo.— Havia um exército pronto para ir a Belfort e resgatá-la. Mas uma carta os deteve.— continuou o homem, James o olhou com curiosidade, não sabia de tal informação.— Ela sabia que tentaríamos e mandou uma carta por um mercador que viaja entre as vilas, avisou que estava indo para Belfort por sua própria vontade, prometeu que ficaria bem e convenceu o mestre.— afirmou ele, James não entendeu a quem chamavam de mestre se o general, irmão da sereia já sabia de tudo em primeira mão.

— Ela sem dúvida é uma mulher interessante.— declarou sério e apertou os lábios enquanto refletia.

A FILHA DO GENERAL Waar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu