Proposta ao Rei

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Naiáde varreu o salão com o olhar, o coração envolto em raiva, repleto de dúvidas e mergulhado em decepção. Quando finalmente começou a sentir interesse por alguém, o seu mundo teve uma reviravolta e agora era suspeita de tentar envenenar o rei.
Com aquela sequência de acontecimentos o rei Ithalos provavelmente estava esperando que ela fosse executada, então não só poderia suspender o pagamento da dívida, como também acusar Belfort do assassinato de uma cidadã cargiana, poderia ganhar aliados nas províncias vizinhas, e tentar um novo ataque a Belfort. Sua mente vagou até seu lar, a casa onde cresceu, os empregados e seus filhos que cresceram com ela, sua cunhada, seu sobrinhos e Otto, a possibilidade do irmão estar envolvido não poderia ser ignorada mas esperava com todas as forças que ele estivesse alheio a isso. Os olhos escuros pararam o foco em Reed, talvez ele também tivesse os mesmos sentimentos estranhos que ela sentia desde o bosque, se não fosse isso ao menos sua gentileza era dirigida a ela.
Desdobrou a folha cuidadosamente e estendeu ao rei, aqueles eram os seus motivos, tudo que ela precisava proteger.

— Vossa Majestade, assim como o senhor se importa, se preocupa e cuida do seu reino, eu também tenho coisas e pessoas que preciso proteger. Considerando isso eu gostaria de fazer um pedido.— declarou transbordando coragem com um olhar frio, não havia considerado todos os riscos mas qualquer coisa seria melhor do que se tornar o estopim da guerra.— Antes que eu fale, por favor me diga, já ouviu falar sobre o fantasma da bruma?— perguntou olhando o mais velho nos olhos, sua atitude impulsiva era proposital, era impossível que o rei não soubesse o que acontecia no seu próprio exército, mas ela não deveria saber.

— Como sabe sobre isso ?— indagou o rei com surpresa no olhar azul. Naiáde sorriu leve, sua infância não havia sido divertida e fútil com uma das outras filhas de membros da corte real, ela estava com a mãe, aprendendo o que precisava para sobreviver no mundo enquanto outras se preparavam para se tornar esposas e multiplicar as posses dos pais.

— Presumo que eu não deveria saber já que aconteceu a 9 anos e não foi documentado nos diários militares, aliás nem mesmo ocorreu no meu país.— começou Naiáde com uma feição pensativa.— Mas eu não poderia não saber já que eu estava lá.— continuou divertida, foram os meses mais difíceis desde a morte de sua mãe, mais adorava o olhar de orgulho no rosto do pai quando cumpria sua missão e voltava do acampamento com algum espólio, geralmente pedaços de bolo que comiam juntos, então quando ele dizia para ir, ela trocava o vestido por calças e ia.

— Pedirei que não brinque com o assunto tão sério.— exigiu o homem, Naiáde conteve um sorriso de amargura e se levantou.

— Deve se lembrar da criança que foi capturada e da que recebeu a punição.— começou.— Reed, poderia me ajudar?— pediu sem pensar em mais nada, era a forma mais simples de provar que ela era quem dizia ser, mas não se ofendeu com a dificuldade do rei em acreditar, era essa a intenção de Bernard ao fazê-la se disfarçar desde o princípio. O homem veio com relutância, olhando o rei à espera de algum sinal positivo que veio em uma aceno, então caminhou para o lado de Naiáde.— Desfaça os laços.— pediu ao mais jovem e virou o corpo até estar de costas para o rei. James obedeceu mas as mãos trêmulas de hesitação não passaram despercebidas pelo olhar escuro da mulher, vagarosamente como quem encosta em um objeto frágil, abaixou um pouco o vestido, revelando parte das costas, puxou as cordas e desfez o aperto do espartilho, afastando as extremidades em seguida e silêncio se fez no salão. Não era possível nem mesmo ouvir a respiração do par de guardas reais a postos perto do rei Albert, nem a de Reed, toda a sala envolta em uma névoa de descrença e constrangimento. Uma mulher não deveria fazer tal coisa, mesmo que fosse apenas parte das costas era impensável para uma mulher educada se comportar daquela forma.

—Senhorita Duzzani...— começou o rei mas parou abruptamente e um sorriso descrente se apresentou na face.— O fantasma que fez meu exército parecer um bando de crianças mimadas... Quais as chances disso ?— completou e gargalhou ignorando a feição incomodada e raivosa do general.— Eu ouvirei o que tem a dizer, soldado, volte ao seu posto.— ordenou ele e Reed obedeceu depois de voltar a cobrir a cicatriz de um chicote nas costas de Naiáde.

— Sendo um rei, não posso oferecer nada que Vossa Majestade já não possua.— disse a mulher com certo nervosismo na voz, no entanto o rei parecia cada vez mais interessado no rumo da conversa, o sorriso estampado na face entregava suas intenções.

— Tem razão, poucas coisas estão fora do meu alcance.— disse ele.

— Eu lhe darei um reino, Majestade.— disse Naiáde transbordando de confiança e curvou os lábios avermelhados num sorriso.

— E como faria tal coisa? Eu tenho milhares de soldados em avanço direto prontos para me entregar Cargia, por que devo acreditar que seria melhor do que eles, senhorita Duzzani?— questionou o mais velho, Naiáde riu de súbito, deixando-o confuso.

— Porque é muito mais fácil entrar em um país com um grupo pequeno do que com o exército.— disse sem olhar o homem nos olhos.— Eu já fiz muitos passeios pelo seu acampamento militar, Majestade, não acha que entrar na residência real seria mais simples?— perguntou surpreendendo todos com a audácia.— Mas pelo que eu sei, uma guerra custa muito caro, provisões para milhares de soldados, armas, armaduras, cavalos. Não precisar esvaziar os cofres reais não seria de muita ajuda?— perguntou e olhou para Reed, parado e quieto, perto do rei, ele não parecia como os outros guardas reais. Sua postura era altiva e poderosa e os olhos penetrantes faziam Naiáde lembrar do episódio do bosque sempre que os olhares se cruzaram.

— E o que você ganha com isso?— perguntou o rei, Naiáde voltou o olhar a ele e sorriu com ternura.

— Se me permitir, eu irei a Cargia e lhe trarei a coroa do rei Ithalos. Em troca, peço anistia e proteção ao meu irmão, sua família e os criados que servem a casa Duzzani.— concluiu friamente, suas intenções eram boas mesmo com um plano tão arriscado, mas não havia outra escolha, Otto não seria poupado se houvesse uma invasão no país, a prova era o espião de Belfort que espreitou na tenda.

A FILHA DO GENERAL Where stories live. Discover now